"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O PERSONALISMO NA POLÍTICA

Há quem condene o personalismo na política - o fato de que certos líderes são tão fortes, alguns até carismáticos, que ofuscam seus partidos. A grande agremiação brasileira que já nasceu declarando guerra ao personalismo é o PSDB.


Dos partidos atuais, foi também o mais preocupado com as instituições, proclamando apoiar o parlamentarismo - embora nada tenha feito por este quando ocupou a Presidência da República. Toda teoria tem dificuldades na prática. Mas faz parte da lógica política, mesmo parlamentarista, ter líderes poderosos.

Um partido não disputa a hegemonia se não tiver grandes nomes. Isso, todos requerem. Só que isso não significa personalizar a política, coisa que o PSDB não faz nem fez.

Desde a democratização de 1985, destacaram-se quatro líderes personalistas entre nós. Um deles foi um problema, Fernando Collor: seu apelo pessoal ao eleitorado não tinha sustentação partidária ou social. Ganhou a Presidência graças ao vazio de alternativas.

Logo depois de seu impeachment, uma emenda constitucional extinguiu a eleição solteira para presidente da República, praticamente eliminando os riscos de elegermos um candidato sem bases sólidas.

Mas também tivemos Leonel Brizola, Lula e Marina. Dos grandes líderes pré-1964, foi Brizola o que mais se destacou e mais tempo durou após o longo interlúdio ditatorial. Seus desafetos o chamavam, injustamente, de caudilho. Tinha carisma. Mas sempre fortaleceu o partido em que estivesse.

Liderou a ala esquerda do Partido Trabalhista Brasileiro, legenda que teria retomado na década de 1980, não fossem as manipulações do Palácio do Planalto. Fundou, então, o Partido Democrático Trabalhista, que dirigiu até morrer.

A mesma lealdade a valores marca Lula e Marina. Ele sempre foi do PT e o PT sempre foi ele. Mas Lula e o partido se estressaram, entre 1998 e 2002 - sua última derrota e sua primeira vitória.

A esquerda do PT aprovava propostas radicais, que, na prática, barravam sua rota para a Presidência. Pois votos, quem tinha era Lula. Assim, para concorrer em 2002, exigiu uma guinada pragmática. Não queria mais marcar posição. Queria vencer, mudar o País, mesmo que menos do que o ideal.

Mas ficou uma marca no PT, que um dia ele terá de enfrentar. O partido que surgiu em 1982, como o mais moderno de todos, nunca se emancipou de seu líder. Lula não é autoritário. Mas é quem escolhe os candidatos petistas aos principais cargos em disputa.

Indicou Dilma para a Presidência, Haddad para a prefeitura mais rica do país, Padilha para o Estado mais populoso. Tem dado certo, mas à custa de não haver escolha dentro do partido. O PT ganha a eleição, mas não por um processo interno e sim por uma decisão externa à militância. A vantagem é que Lula acerta. A desvantagem é que quem acerta é Lula.

Cedo ou tarde, o PT precisará amadurecer. Muito se tem dito que o PSDB precisa renovar suas lideranças, que está na hora de ter nomes novos, que essa é uma transição difícil. É verdade.

Mas o PT pode estar fadado a viver um momento pior. Perdeu a cultura do debate interno. Terceirizou em Lula suas decisões. Isso constitui um risco. Basta que perca uma eleição decisiva. Sua travessia do deserto pode ser penosa.

Mas, para completar o percurso pelos líderes personalistas, Marina Silva é a mais recente. Sem dúvida, ela é modesta; não tem nenhum traço de arrogância; mas seus votos e decisões, criando o Rede ou se aliando ao PSB, são dela e não do grupo. Também aqui, há uma vantagem a curto prazo e um problema a médio.

Marina traz votos, porém não os consolida. Não é óbvio que consiga transferi-los. Mas o sinal preocupante é que aparenta ter menos compromisso, do que Lula e Brizola, com os partidos por onde passa. É a menos institucional dos três.

Depois que deixou o PT, onde se formou, esteve no PV, criou o Rede e foi dar no PSB. Defendo com unhas e dentes seu direito de concorrer no ano que vem ao cargo que quiser e puder. Mas me inquieta um percurso que vai da esquerda para a ecologia, da ecologia para a sustentabilidade, tema hoje querido dos economistas ex-tucanos e que não é a mesma coisa que a defesa do verde, da sustentabilidade para um partido que tem socialismo hoje apenas no nome, salvo se for para homenagear Roberto Amaral e Luiza Erundina.

Cristian Klein sugeriu aqui que Marina seria mais popular entre os que têm aversão à política; chamemos as coisas por seu nome, analfabetismo político; cidadania não é só pleitear direitos, protestar contra uma categoria política desprestigiada, é sobretudo traduzir suas reivindicações na linguagem da política.

Por circunstâncias que escaparam a sua vontade, dos três bons líderes personalistas que analisei, Marina é a única a ter mudado tanto de partido. Leva a extraordinária bagagem de seu apelo pessoal. Mas isso, que na conjuntura dá votos, na estrutura gera rachaduras.

Lula e Brizola temperavam seu apelo pessoal, seu carisma, identificando-se a seus respectivos partidos. Era este o "check and balance" do risco que representa, para as instituições, o personalismo. O paradoxo da situação é que o Rede - como o PT, em seu tempo heroico - inclui gente muito qualificada.

O apelo pessoal de Marina é inegável e constitui o maior trunfo do Rede e, hoje, do PSB. Mas esse trunfo exige cautela. O personalismo não é fácil para a democracia. Ele existe, não deve ser extirpado, mas precisa de contrapesos.

Vejamos se e como Marina consegue institucionalizar seu inegável êxito pessoal. Porque ela é leal a seus valores, mas não tem um vínculo tão forte com as organizações partidárias.

22 de outubro de 2013
Renato Janine Ribeiro, Valor Econômico

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