Condenamos à morte no Irã
Mereceu atenção, esta semana, a divulgação do caso do iraniano Alireza M. Afinal não é todo dia que um homem enforcado diante de várias testemunhas, proclamado morto e despachado para o necrotério para ser coletado pela família, é descoberto com sinais de vida no dia seguinte por um funcionário da morgue.
Mais insólito ainda foi o desdobramento da notícia: condenado à forca por posse de 1kg de anfetamina, Alireza foi encaminhado a um hospital para poder se recuperar e ser novamente enforcado.
No Irã, país com o segundo maior número de condenações à morte depois da China, cinco crimes são passíveis da pena capital: homicídio, estupro, assalto à mão armada, sequestro e tráfico de drogas.
Como explicou o juiz encarregado do caso, “um sentenciado à morte deve morrer e Alireza M. não morreu; a lei, portanto, exige que a execução da sentença seja repetida”.
Além disso, a lei exige que os condenados estejam conscientes e com saúde relativamente boa para poderem ser executados — o que pode parecer ilógico aos adversários da pena capital. Por que um Estado deveria aferir as condições de saúde de um cidadão que ele vai eliminar?
Mas assim é. Na Índia, uma execução pode ser suspensa se o comprimento da corda não estiver em conformidade com a norma ou se a construção da forca não tiver seguido o regulamento.
Nos Estados Unidos, quinto colocado mundial em número de execuções, a busca incongruente por um método de matar “limpo” e “indolor” é quase uma obsessão. Contudo, desde que a Suprema Corte autorizou a retomada das execuções em 1976 e o país passou da cadeira elétrica à câmera de gás e desta à injeção letal, a lista de casos documentados em que houve falhas no procedimento aumenta.
Entre os 46 casos mais notórios estudados por Michel Radelet, professor da Universidade do Colorado, o do homicida Romell Broom é exemplar.
Durante duas horas, médicos tentaram injetar o coquetel letal de drogas em todas as veias possíveis dos braços e pernas de Broom. Sem êxito. Em determinado momento, o condenado, afivelado na maca da morte, começou a soluçar.
Informado do impasse, o governador Ted Strickland ordenou a suspensão da execução por uma semana até os médicos encontrarem um modo de execução mais eficiente. Isso ocorreu em 15 de setembro de 2009. Romell Broom continua no corredor da morte até hoje.
A boa notícia é que o curso da história começa a apontar para uma lenta, talvez lentíssima, mas inequívoca tendência mundial à abolição da pena de morte. Neste sentido, os sinais mais relevantes vêm da China, campeão absoluto da modalidade.
À falta de dados oficiais do governo, que trata do assunto como segredo de Estado, o acompanhamento mais confiável vem sendo feito por uma fundação com sede em São Francisco, a Dui Ha.
De acordo com o instituto, as execuções na China tiveram uma queda de 75% na última década, caindo de 12 mil mortos em 2002 para 3 mil no ano passado.
Nada, portanto, que lembre os sombrios anos 80 do pós-maoismo, quando o país começou a ensaiar sua abertura e instituiu um sistema judicial criminal draconiano como única forma de manter a ordem social. Em apenas um ano daquela década (1983), 24 mil chineses foram condenados à morte.
Também a nação americana dá passos lentos na mesma direção. Em tempos recentes, seis estados votaram a favor da abolição da pena de morte, totalizando 18. Os outros 32, apesar de irremovíveis, enfrentam problemas que jamais imaginaram ter: escassez de matéria-prima para levar a cabo as execuções.
Até recentemente a maioria dos estados adotava um coquetel de três componentes para a injeção letal do condenado. Aplicava-se um sedativo (em geral, sódio tiopental) misturado a um agente paralisante (brometo de pancurônio), seguido de uma droga que induz à parada cardíaca (cloreto de potássio).
Devido a uma escassez do agente paralisante, vários estados passaram a adotar uma única droga — o sódio tiopental —, porém em dose suficiente para levar a óbito.
Ocorre que a filial italiana da Hospira, fabricante do componente, decidiu suspender o fornecimento aos Estados Unidos por se opor ao seu uso em execuções de presos. Também o fabricante dinamarquês do pentobarbital, outro sedativo potente solicitado pelos americanos como alternativa, negou-lhes fornecimento.
Diante do gradual fechamento dos mercados europeus à demanda dos Estados Unidos, os estoques chegaram a seu nível mais crítico neste mês de outubro. Diante da impossibilidade de reposição, alguns estados começam a recorrer a laboratórios não certificados ou soluções alternativas.
Dois meses atrás, por exemplo, a Suprema Corte de Missouri aprovou o uso do propofol para execuções à morte. Trata-se do potente anestésico que causou a morte de Michael Jackson, jamais testado para essa nova finalidade.
Pelo menos a execução agendada no Missouri para esta quarta-feira, dia 23, foi oficialmente adiada por este motivo. No Texas, que tem 7% da população do país e 40% das condenações à morte, o estoque de drogas letais acabou no mês passado.
Do outro lado do mundo, a escassez é de mão de obra. Ficou famoso um anúncio de emprego publicado dois anos atrás num jornal do estado de Assam, no Norte da Índia.
Um indiano havia sido condenado à forca pelo assassinato de duas pessoas, mas não se conseguia achar um único carrasco para executar o trabalho naquele país de 1,2 bilhão de pessoas de mil e uma profissões.
O bom, ao abordar esse tema, é ter a desculpa para reler o belo ensaio que revelou George Orwell 80 anos atrás, quando ele ainda usava seu nome verdadeiro, Eric Blair.
A história de “Um enforcamento” é aparentemente simples: o narrador não identificado observa um homem do qual ele nada sabe a caminho de sua execução pública.
O texto não se tornou um clássico por acaso. Mostra o mistério da vida. É leitura obrigatória.
20 de outubro de 2013
Dorrit Harazim é jornalista.
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