"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

"CELSO DE MELLO PASSA DA CONTA, CONFUNDE LIBERDADE DE CRÍTICA COM PRESSÃO INDEVIDA"

Agora chega! Celso de Mello passa da conta, confunde liberdade de crítica com pressão indevida e fala bobagem. Ou: No país em que é permitido marchar até em favor do crime, será proibido escrever em favor da lei?


O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu soltar os cachorros — com a devida vênia por empregar uma metáfora quadrúpede — contra o que está a chamar de “pressão ostensiva para subjugar um juiz”. Deu declarações, vamos dizer, insólitas a um jornal de Tatuí e à colunista Mônica Bergamo, da Folha. Já chego lá. Vamos a algumas considerações prévias — sim, longas, como de costume.
 
Que bom que Celso de Mello, nesta página, nunca esteve acima do bem e do mal, nunca foi considerado um demiurgo, jamais foi tratado como alguém de quem não se pudesse discordar. Como sabem os leitores — e aí estão os arquivos, como sempre —, todas as vezes em que concordei com ele, escrevi “sim”; quando discordei, escrevi “não”. Deu votos memoráveis no processo do mensalão? Deu, sim! Equivocou-se de maneira brutal, por exemplo, no caso das Marchas da Maconha? Sim. E eu o critiquei por isso. Por quê? Porque o ministro exaltou, num tom verdadeiramente condoreiro, a liberdade de expressão para permitir o que, de fato, se revela apologia de um crime, o que também é crime, segundo o Código Penal. Como ninguém atribuiu a Mello — nem a seus pares — competência para legislar, achei que não lhe cabia ignorar o Código Penal. QUEM CONSIDERA APOLOGIA DO CRIME LIBERDADE DE EXPRESSÃO AINDA ACABARÁ CONFUNDIDO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COM UM CRIME. Entenderam?
 
E eu bati, sim. Fui respeitoso, como de hábito, mas duro, como de hábito também. E não economizei elogios quando achei que devia. Eu não concordo com Celso de Mello, nem com qualquer outro, em princípio. Concordo quando concordo — uma tautologia necessária nos dias que correm. Pois bem. Não havia gostado, como observei aqui, no debate da VEJA e no programa Roda Viva, do tom do voto do ministro no caso dos embargos infringentes. Fugindo à sua lhaneza habitual, estava um tanto colérico, bravo, cuidando menos da fundamentação técnica de seu voto — eu não considero suas digressões históricas, nem sempre pertinentes, fundamento técnico — do que da desqualificação dos votos divergentes. Então os outros cederam apenas ao clamor das ruas? Então os outros não cuidaram do devido processo penal? Então os outros não reconheciam o pleno direito de defesa? Ora… Mais respeito com seus colegas, excelência!
 
Mais: em seu voto, fez digressões absolutamente impertinentes — é isto: não sou advogado, jurista, nada, e sustento a impertinência (quanto atrevimento me garante a liberdade de expressão; eu, que só fumo Hollywood) — sobre os infringentes e o duplo grau de jurisdição. Não precisei esperar o julgamento para combater esse argumento tolo. Eu o fiz aqui, felizmente, com todas as letras, no dia 23 de abril. Faz cinco meses. O título do post: “O equívoco de Celso de Mello e o esforço da tropa de Dirceu para desmoralizar ministros do Supremo”. Escrevi lá (em azul):
 
Ao defender que os embargos infringentes são cabíveis, afirmou, leio na coluna “Radar”, de Lauro Jardim, que eles funcionam como uma espécie de duplo grau de jurisdição. Os condenados do mensalão que não exerciam cargos públicos alegam que não tiverem esse direito porque seus processos não foram remetidos para a primeira instância. Sempre que a lógica é frontalmente agredida, o troço fica aqui dando pontadas no meu cérebro, e me vejo obrigado a exercitar a discordância, nem que esteja do outro lado o papa e que se trate de matéria teológica. Celso de Mello é quase um papa no Supremo, e eu sou apenas um fiel seguidor das leis, mas acho que ele agrediu a lógica.
 
Se se trata, então, de ignorar a Lei 8038 (ver post anterior), admitindo os embargos infringentes como expressão do segundo grau de jurisdição, cumpriria indagar por que tal “direito” só será garantido a alguns réus, mas não a outros. “Ah, porque eles tiveram os quatro votos divergentes.” Mas isso nada tem a ver com o duplo grau de jurisdição; trata-se apenas de matéria regimental, já vencida pela lei. O argumento é ruim; não se sustenta. Ou bem se considera o Artigo 333 do Regimento Interno (o que prevê embargos infringentes) em sua área restrita, ou bem se tenta extrapolar, e, nesse caso, cumpriria, então não fazer justiça seletiva. Infelizmente, a especulação de Celso de Mello abre uma vereda para os chicaneiros acusarem todo o processo de ter sido uma farsa. Cumpre lembrar que o próprio ministro recusou as tentativas de desmembramento, o que implicaria enviar os casos dos réus sem cargos públicos para a primeira instância. Ou bem se considera que o Supremo agiu dentro da lei (e agiu) quando o manteve unificado, ou bem se considera que não. Trata-se de um mau argumento de um bom homem.
 
Retomo

“E quem é você para apontar o equívoco de Celso de Mello?” Ora, sou alguém com direito de marchar em favor da maconha — licença que ele me deu, de que me dispenso — e alguém com direito de apontar os equívocos de Celso de Mello, licença que a Constituição me dá.
 
Ainda mais quando não estou sozinho. Nunca exerci aqui o “argumento de autoridade”, até porque não poderia. Deixo isso para os doutores. Faço, a exemplo da imprensa honesta — que não está a serviço de um partido —, o debate.
 
Muito bem! Para o jornal de Tatuí, Mello disse o seguinte: “Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática. Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de comunicação social (os “mass media’) para se concluir diversamente! É de registrar-se que essa pressão, além de inadequada e insólita, resultou absolutamente inútil”.
 
Eita! Não se chama imprensa de “mass media”, acho, desde os tempos em que professores de comunicação caceteavam os alunos com McLuhan — espero que já tenham mudado de assunto, se é que ainda se fala de livros em curso de jornalismo, sei lá… Desde quanto “artigos e editoriais” caracterizam “pressão insólita e inusitada”? Digam-me cá: os artigos e editoriais da subimprensa financiada por estatais e por gestões petistas — DINHEIRO PÚBLICO NA VEIA — em favor da aceitação dos infringentes entram nessa categoria? Os elogios rasgados que Celso de Mello recebeu — num deles, a imagem de Joaquim Barbosa aparecia associado a um macaco — depois do voto merecem também essa qualificação?
 
Ao conversar com a jornalista da Folha, Mello resolveu avançar. Leiam:

“Eu imaginava que isso [pressão da mídia para que votasse contra o pedido dos réus] pudesse ocorrer e não me senti pressionado. Mas foi insólito esse comportamento. Nada impede que você critique ou expresse o seu pensamento. O que não tem sentido é pressionar o juiz.”
 
Então, agora, a excelência se obriga a distinguir a “liberdade de expressão” — que, a seu juízo, entendo eu, abriga até a apologia do crime — da “pressão”. Quem o pressionou, ministro? Supõe-se que aquele que o faz disponha de instrumentos para tanto. Quais?
 
A queixa de Celso de Mello à coluna da Folha é longa. E ele jamais diz em que momento a liberdade de expressão passou à condição de pressão. Aí, julgando que já tinha batido bastante na ferradura, resolveu acertar ao menos uma no cravo. Tentando ser magnânimo, falou uma bobagem. Prestem atenção:

“Os meios de comunicação cumprem o seu dever de buscar, veicular informação e opinar sobre os fatos. Exercem legitimamente função que o STF lhes reconhece. E o tribunal tem estado atento a isso. A plena liberdade de expressão é inquestionável.”
 
Errado, ministro!

O STF não nos “reconhece” nada, meu senhor! A liberdade de expressão é uma conquista da democracia, que encontra abrigo na Constituição da República Federativa do Brasil. Eu não sou livre para dizer o que penso porque o tribunal “reconhece” o que quer que seja; sou livre porque é o que está disposto nos Artigos 5º e 220 da Carta Magna, ora bolas!
 
Mello quer saber o que é pressão?

Mello sabe o que escreve a “mídia petista” sobre os cinco ministros que recusaram os infringentes? Pior! Ela o faz, insisto no ponto, com dinheiro público. Não deixa de ser uma espécie de mensalão, exercido por outros meios. É isto: ESTATAIS E GOVERNO PAGAM UM MENSALÃO A ESSES VEÍCULOS PARA QUE ELES:

a) falem bem do governo;

b) falem mal da oposição;

c) ataquem a imprensa livre;

d) ataquem os ministros do STF que não fazem as suas vontades.
 
O próprio Celso de Mello foi alvo das baixarias quando decidiu que cabia ao Supremo a decisão sobre o mandato dos parlamentares condenados.
 
Pressão vagabunda, ilegal e inaceitável foi a que fez uma revista, com amplo financiamento oficial, ao acusar, por exemplo, o ministro Gilmar Mendes de estar numa lista de beneficiários do esquema de Marcos Valério. A peça indigna veio a público uma semana antes do início do julgamento. Dias depois, a evidência: a lista era falsa, produto do trabalho sujo de um conhecido lobista e estelionatário. Celso de Mello não ficou indignado? Incomoda-se agora com editoriais? Ora, ministro…
 
Concluindo

No dia 18, escrevi um longo e respeitoso artigo sobre o voto de Celso de Mello. Dizia por que discordava dele, mas notava:

“À diferença do subjornalismo a soldo, financiado por estatais e por aliados do governo federal para atacar jornalistas, juízes e políticos da oposição, sei a diferença entre a divergência e a pura e simples desqualificação. Assim, não me divorcio do respeito que nutro por Celso de Mello”.
 
Aquelas minhas palavras continuam valendo. Por esse Celso de Mello, no entanto, que passou a choramingar porque foi criticado; por esse Celso de Mello, que toma divergência por “pressão insólita”; por esse Celso de Mello, que classifica de “irracionais” os que dele discordam; por esse Celso de Mello, que ignora as pressões exercidas pela imprensa oficialesca contra seus colegas; por esse Celso de Mello, que finge ignorar que réus (então) como José Dirceu e João Paulo Cunha fizeram até plenárias Brasil afora para demonizar o STF, ah, meus caros, por esse Celso de Mello, não tenho respeito nenhum! 
 
O ministro se aposenta em novembro de 2015. Já fez menção de antecipar a saída. Àquele outro, que não confunde divergência com agressão, recomendei: “Fica!” A este, que diz prezar a liberdade de expressão desde que ela não seja plenamente exercida, digo “Vai!
 
PS – Não custa notar: ao decano, caberia, dadas as circunstâncias, desarmar os espíritos, investir na concórdia, afastar o confronto. Por alguma misteriosa razão — pode até ser só vaidade —, ele faz o contrário. 
 
26 de setembro de 2013
Reinaldo Azevedo - Veja

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