Queiroz Junior, jornalista e escritor, conta que, no primeiro semestre de 1937, Flores da Cunha, governador do Rio Grande do Sul, veio ao Rio visitar Getulio. Os dois de charuto na boca:
– Sabe, Flores, os tempos são outros, vou fazer as eleições e a dificuldade em que me encontro é a de escolher um homem verdadeiramente à altura do cargo, que possa continuar minha obra.
– Quem sabe o Aranha (Oswaldo Aranha).
– Tenho pensado nele, mas não serve. O Oswaldo comprometeu-se demasiadamente com os norte-americanos e considero essa política de submissão muito perigosa.
– Talvez o Zé Américo.
– José Américo é um grande romancista, mas um péssimo político.
– Quem sabe se, esquecendo ressentimentos pessoais, não teria chegado o momento de você indicar o Eduardo Gomes.
– Impossível. O Brigadeiro é honesto, íntegro, mas é um carola. Só vive metido com padres e bispos. Com ele no poder, a religião absorveria inteiramente o Estado.
– E o Góis Monteiro?
– O Góis bebe demais. Não pode ser o timoneiro do barco nacional. Poderíamos todos ir ao fundo.
– Então, só nos resta o Ademar.
– Deus nos livre, Flores!
– Bem, nesse caso você está num beco sem saída.
Getulio deu uma longa baforada no charuto:
– Flores, quem sabe se não é isso mesmo que eu quero?
E era. Em 10 de novembro de 37, Getulio deu o golpe.
JANGO E BRIZOLA – No fim de 1963, vim ao Rio (era deputado na Bahia, pelo MTR-PSB), para uma reunião da Frente de Mobilização Popular, comandada por Brizola. Lembro-me bem do Max da Costa Santos e Roland Corbisier (deputados federais do PSB e PTB da Guanabara), do José Gomes Talarico (deputado estadual do PTB da Guanabara e amigo intimo do presidente João Goulart), do Clodesmidt Riani, Oswaldo Pacheco e outros lideres do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), do José Serra e Marcelo Cerqueira (presidente e vice-presidente da UNE), do Paulo Ribeiro e Tarso de Castro (a turma do jornal “Panfleto”) e alguns dos “Grupos dos Onze”.
Pareciam todos judeus, comandados por Moisés, atravessando o Mar Vermelho e chegando à Terra Prometida. Ninguém tinha dúvida nenhuma de que não haveria força humana capaz de nos tirar do poder. A única dúvida ali era sobre quem seria o presidente depois do fim do mandato de Jango, em 65: o próprio Jango ou Brizola.
JK E LACERDA – De Juscelino (meu candidato) e Lacerda, já lançados pelo PSD e UDN, não tomavam conhecimento. Juscelino, por “estar superado”. Lacerda, porque “não podia assumir”. Mas Jango era inelegível (não havia reeleição) e Brizola também, por parentesco (porém, “cunhado não é parente”). A Constituição seria modificada, “na lei ou na marra”.
Jango havia dito a meu saudoso amigo (e dele também) Alaim Melo, um dos lideres do PTB da Bahia : – “Não vou trair a memória do Velho Getulio. Ao Lacerda não passo o governo, em nenhuma hipótese”.
ASSIS BRASIL – Depois da reunião, eu disse a Brizola e ao Max (também baiano):
– Os militares, lá na Bahia, estão conspirando o tempo todo. A Marinha, não sei. Mas até eu já fui convidado por amigos para reuniões com gente do Exercito e da Aeronáutica.
Brizola pediu alguns detalhes, eu dei, não falou nada.O Max zombou:
– É a UDN militar, Nery. Essa gente não aguenta um tiro do dispositivo militar do general Assis Brasil (chefe da Casa Militar de Jango).
Quatro meses depois, estávamos todos, sem uma exceção, cassados, presos ou exilados. O “dispositivo militar” do Assis Brasil não dispositivou um tirinho sequer. Os “Grupos dos 11” eram “romanos”: “Grupos dos II”.
13 de junho de 2018
Sebastião Nery
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