"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

DO PEDALINHO AO VIADUTO

O Brasil está brincando de passar a mão na cabeça de bandido simpático para ver se salva a lenda populista

O Viaduto Dona Marisa Letícia leva ao paraíso. Não o bairro paulistano, mas o Nirvana mesmo. O lugar onde não há culpa, só prazer. Exemplo: o contribuinte brasileiro (você) está pagando US$ 3 bilhões aos americanos pelo assalto de Lula à Petrobras. Enquanto isso, o próprio Lula é convidado para uma animada partida de futebol com Chico Buarque – uma espécie de celebração à delinquência, provando de uma vez por todas que o crime compensa, se tiver a embalagem certa. A única injustiça é você pagar e não ser convidado para jogar também.

Aí a maior cidade da América Latina inaugura uma obra viária com o nome da recém-falecida esposa do maior assaltante da história nacional. Criminoso este já condenado e, agora, em vias de ser preso. Detalhe: a própria homenageada, antes de falecer, estava sendo investigada como cúmplice do marido em seus crimes de corrupção passiva – sendo os mais visíveis deles o do tríplex em Guarujá e o do sítio em Atibaia, aquele que tinha os pedalinhos personalizados “Lula & Marisa”. Os autores da homenagem devem ter imaginado que quem já batizou pedalinho pode batizar viaduto sem problema nenhum.

É disso que o Brasil está brincando nos dias de hoje: passar a mão na cabeça de bandido simpático para ver se salva a lenda populista. Está dando certo. Existe por exemplo uma horda de indignados com o desabafo comovente do mesmo Chico Buarque, dando conta de que não consegue mais andar nas ruas do Leblon sem ouvir o bordão “vai pra Cuba, viado”. É mesmo uma grosseria. Resta saber onde estariam os grossos se o cantor não tivesse virado marqueteiro de bandido. Possivelmente estivessem remoendo em silêncio a sua grossa insignificância.

É um enigma insondável essa compulsão de alguns grandes artistas por causas vagabundas. Em Hollywood há uma penca de estrelas, também de inegável talento, comprometidas com a ditadura sanguinária da Venezuela – todos fingindo que o chavismo é a redenção dos pobres do Terceiro Mundo. Assim como os falsos heróis brasileiros, são personalidades que não precisariam dessas lendas fajutas, por já serem, eles mesmos, figuras lendárias (graças à sua própria obra). Ou seja: renunciam à grandeza para besuntar a reputação de verniz falso. Poderia ser altamente pedagógico se, entre um e outro “vai pra Cuba, viado”, surgisse um “se olha no espelho, querido”.

Enquanto houver gente para propor e para tolerar um viaduto homenageando a primeira-dama do petrolão, esse espelho vai sempre refletir um líder revolucionário em lugar do oportunista melancólico. E esse oportunismo faz escola. Entre os candidatos a reabilitar o PT do maior assalto da história estão também procuradores, juízes e outros fascinados com os ganhos fáceis proporcionados pelo tal verniz de esquerda – cuja falsidade se constata num simples olhar para Lula ou Maduro: picaretagem não tem lado, muito menos ideologia.

Rodrigo Janot, de triste memória, está sendo convocado pela Polícia Federal para depor sobre a farsa da delação de Joesley – na verdade uma conspiração tosca para tentar devolver o poder aos companheiros. Entre os cúmplices da malandragem malsucedida estão ministros do STF como Edson Fachin, hoje também conhecido como Edson Facinho, dada a celeridade sem precedentes com que homologou o truque mambembe – contando com a altiva cobertura da companheira presidenta da Corte. Aí você fica sabendo que as provas de Mônica Moura (alguém se lembra dela?) contra Lula e Dilma ficaram sete meses paradas no Supremo – e constata até que ponto pode chegar o altruísmo para com os protagonistas da lenda.

Personagens soltinhos da silva como Dirceu, Dilma e agora até o lendário mensaleiro Pizzolato (obrigado, companheiro Barroso) estão conspirando à vontade e falando pelos cotovelos, com o caixa cheio para promover suas micaretas revolucionárias. Enquanto isso, os outrora diligentes investigadores da Lava Jato – destaque cheio de purpurina para o mosqueteiro Dartagnol Foratemer – estão fazendo comício no Twitter e cuidando, também eles, de se besuntar da lenda salvacionista à prova de espelho.

Ou o Brasil sobe o viaduto das panelas acelerando para ver se chega ao paraíso ou mostra com todas as letras que futebol de bandido é no presídio.


18 de janeiro de 2018
Guilherme Fiuza, Revista Época

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