Foi manchete nos três principais jornais do país, O Globo, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo. O deputado Bonifácio de Andrada, relator da denúncia contra presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, culpou a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal e até o Supremo pelo processo aberto contra o chefe do Executivo e integrantes do governo. Foi demais, nunca se viu nada igual, o relator deve ter batido recorde da incoerência e estabelecido novo limite lógico para o absurdo.
Os acusadores, para o parlamentar mineiro, são culpados. E os culpados, de fato, transformam-se em vestais da administração pública. O relatório foi um desastre. Ficará na história do Brasil como raro exemplo de desacerto e de comprometimento atingindo a verdade.
TRAIU A FAMÍLIA – No Globo, a reportagem foi de Carolina Alencastro e Cristiane Jungblut; em O Estado de S. Paulo, o texto foi de Daiane Cardoso e Igor Gadelha. As duas reportagens sintetizam e destacam largamente o absurdo cometido pelo relator. Afinal de contas, ele teve a coragem de atribuir a condição de culpados a quem não tem culpa alguma e só atuou no processo pela força da transparência dos fatos.
Bonifácio de Andrada não foi fiel à tradição secular de sua família, que desde a independência em 1822 está presente no Parlamento do país. Não seguiu a tradição envolta no seu nome e sobrenome, pois a História do Brasil reserva a José Bonifácio de Andrada a condição eterna de verdadeiro autor da independência, ao conduzir D. Pedro I ao grito do Ipiranga.
Hoje, quase 200 anos depois, ecoa nos ouvidos do povo brasileiro a subversão total da verdade e do raciocínio inspirado na ciência do Direito e da Lógica.
TESE FALSA – Bonifácio de Andrada, versão 2017, chegou ao ápice de sustentar falsamente sua tese com base numa conspiração maquiavélica que uniria, no mesmo plano, a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal e o ministro Edson Fachcin, do STF. A argumentação não podia ser pior: absolveu liminarmente os investigados e, da mesma forma opaca, condenou os encarregados de apurar as acusações.
Não quis sequer debater o assunto em foco. Transferiu as imagens, por exemplo, de Rocha Loures, da Odebrecht, de Geddel Vieira Lima para dentro do projetor, como se os filmes e gravações de Joesley Batista fossem peças forjadas e concebidas numa criação policial ficcionista.
Ele, Bonifácio de Andrada, é o autor da transformação da verdade em mentira e ainda por cima produz uma farsa no teatro político brasileiro. Não só no teatro político brasileiro, mas também na literatura policial.
RÉU DA LÓGICA – Os culpados, em vez dos mordomos são os defensores da lei. E os acusados assumem o caráter de mártires de uma investigação que mobilizou o país e sensibilizou a opinião pública. Bonifácio de Andrada, com suas ações e palavras, tornou-se réu da lógica, da percepção, da coerência.
A conspiração a que ele se refere não existe. Ao contrário, há uma forte reação contra a corrupção, isso sim, englobando corruptos, corruptores e intermediários da noite paulista e do apartamento de Salvador, cenário de depósitos seguidos eque totalizaram 51 milhões de reais, em cenas protagonizadas por Rocha Loures, que era assessor do Palácio do Planalto, e Gedel Vieira Lima, ministro do núcleo duro do governo Michel Temer.
Bonifácio de Andrada tentou ignorar por completo o palco do apartamento de Salvador. Sequer tocou no assunto. Foi omisso e, com sua omissão, projetou-se num abismo da falsidade.
O abismo começou com sua desvinculação do PSDB no episódio da Comissão de Constituição e Justiça. Isso numa das margens. Na outra a legenda do Partido Socialista Cristão.
METAMORFOSE – Foi um episódio incrível. Tal metamorfose deveria ter sido objeto de contestação junto ao STF. Pois se as direções partidárias têm o direito de substituir seus representantes na CCJ, um partido estranho à legenda de um deputado não deveria poder alçá-lo ao posto de relator de matéria tão profunda.
Com Bonifácio de Andrada, também mergulham no abismo e nos mares da falsidade os que negociam seus votos e posições com o Planalto. Não são deputados. São mercadorias.
12 de outubro de 2017
Pedro do Coutto
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