"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

AO NEGAR A AÇÃO DA OAB, MINISTRO MORAES DECRETOU O FIM DA CIDADANIA

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Charge do Jota A. (Portal O Dia/PI)
Sobre Alexandre de Moraes, que seu amigo Temer fez se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal, dizem que ele é constitucionalista. Pode até ser. Mas nesta quarta-feira (dia 23), Moraes deu prova de que não é. Mesmo sem conhecer a íntegra da decisão que o descredencia como constitucionalista, o fragmento dela que foi tornado público é suficiente para se afirmar que Moraes precisa aprender os princípio básicos do Direito Constitucional. Não se pode negar que Moraes seja uma pessoa desembaraçada, que ostenta títulos e que lecionava Direito em São Paulo, antes de virar ministro, da noite para o dia.
Um colega seu, que também leciona da Universidade de São Paulo (USP), me disse que ser ministro do STF “sempre foi o sonho dele”. É compreensível, é justo e é humano. Mas se pode garantir que Moraes não é independente para decidir causas que afetem seu amigo, o presidente Temer. A decisão desta quarta-feira, ao negar o pedido do Conselho Federal da OAB para que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, despachasse a petição em que a entidade pede o impeachment de Temer, é decisão 100% errada. É horrorosamente teratológica e sem lastro minimamente jurídico.
PEDIDO ERA OUTRO – A OAB não pediu ao STF que obrigasse o presidente da Câmara dos Deputados a deferir a petição de impeachment e iniciar o processo. Não, não foi isso. Poderia até ter sido, pois fundamento jurídico é que não falta. Mas não foi isso.  A OAB nacional pediu que o STF determinasse que Rodrigo Maia despachasse a petição do impeachment que a entidade deu entrada na Câmara no dia 25 de maio de 2017 e até hoje está travada, engavetada, parada e sem receber decisão. Ela e outras 24 petições com o mesmo objetivo, assinadas por outros cidadãos brasileiros. Só isso. Nada mais do que isso: pedir que obrigasse Maia a despachar.
Agora vamos ler o trecho da decisão de Moraes, suficiente para entender o conteúdo da integra da decisão: “Ocorre, conforme já afirmei anteriormente, não ser possível o controle jurisdicional em relação à interpretação de normas regimentais das Casas Legislativas, sendo vedado ao Poder Judiciário, substituindo-se ao próprio Legislativo, dizer qual o verdadeiro significado da previsão regimental, por tratar-se de assunto interna corporis, sob pena de ostensivo desrespeito à Separação de Poderes, por intromissão política do Judiciário no Legislativo“.
DIREITO DE PETIÇÃO – Pronto, não precisa conhecer nem ler o resto da decisão de Morais. Saiba o senhor ministro que a OAB, por ela assinando seu presidente nacional e todos os demais cidadãos brasileiros que protocolaram na Câmara dos Deputados os outros 23 pedidos de impeachment de Temer, que todos, rigorosamente todos, apenas exercitaram o chamado Direito de Petição que consta no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal, com esta redação: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder“.
E quando um cidadão peticiona aos Poderes Públicos e estes silenciam, desprezam, se omitem e não dão resposta ao cidadão, este passa a ter o indiscutível direito de se dirigir ao Poder Judiciário, denunciar a omissão e pedir que a jurisdição seja prestada.
UM PEDIDO SIMPLES – Apenas pedem que a Justiça intervenha e expeça ordem obrigando o agente público omisso a agir, a dar resposta à petição que recebeu do cidadão, seja qual for a resposta, seja qual for assunto, seja mal ou primorosamente redigida e fundamentada a petição. Dos presídios, os detentos costumam, eles próprios, mandar pela ECT à Justiça pedido de Habeas Corpus feitos em papel de embrulhar pão. E nenhum deles é desprezado pela Justiça. Todos são recebidos, processados e julgados. Isso acontece no país inteiro, há anos e anos.
O senhor errou, ministro Alexandre de Moraes. E errou feio. Era seu dever acolher o pedido da OAB e determinar que o presidente da Câmara dos Deputados despachasse a petição protocolada em 25 de maio de 2017. São os comandos chamados de cominatórios, decorrentes das denominadas ações de obrigação de fazer ou de não fazer, e que a lei processual civil estabelece a fixação de multa pecuniária (“astreinte”) por dia de atraso no cumprimento da ordem que o senhor deixou de expedir.
PARA INGLÊS VER – Saiba o senhor ministro que aquele dispositivo constitucional que trata do Direito de Petição não foi inserido na Carta da República apenas para “inglês ver”. Ou para que tenha mera importância psicológica “servindo apenas para permitir que o indivíduo sinta participar da gestão do interesse público, insurgindo-se contra os abusos de quaisquer autoridades e reclamando seu castigo”, conclusão a que chegou, tomado e ira e revolta, o consagrado jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, este sim, renomado e experiente constitucionalista, que bem conhece a realidade brasileira.
Se o senhor tivesse deferido o pedido que a OAB endereçou ao STF, apontando Rodrigo Maia como a autoridade omissa e o obrigando a fazer o que Maia até hoje não fez, o Judiciário que o senhor representa não estaria desrespeitando a separação de poderes, nem substituindo o Legislativo, nem traduzindo o “significado da previsão regimental”.
DESASTRE JURÍDICO – Aliás, neste ponto – traduzir significado de previsão regimental –, sua decisão é um tremendo desastre jurídico. Isto porque, a título de exercício de raciocínio, digamos que no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ou do Senado, constasse dispositivo que vedasse o voto de deputada que trocou de sexo e de nome, que nasceu homem e se tornou mulher. Indaga-se: o Judiciário, se acionado, estaria impedido de intervir para traduzir o artigo regimental como sendo inconstitucional e afrontoso às liberdades de gênero?
Ministro Alexandre de Moraes, por que o senhor não se deu por impedido ou suspeito? Sua amizade com o presidente Temer é sólida e de longa data. E juiz que é amigo íntimo da parte está impedido de julgá-la. Sim, sabemos que o senhor não foi padrinho de casamento de Temer com Marcela, nem de casamento ou batismo de nenhum filho do primeiro casamento Michel Temer, ou de parente seu. Sim, sabemos, também, que sua esposa não trabalha nem é sócia do escritório de advocacia que algum dia, no passo ou mesmo no presente, defendeu Michel Temer. Sabemos de tudo isso. Pelo menos a mídia não divulgou esses laços. Divulgaria, caso existissem e o povo brasileiro ficaria sabendo. Mas torna-se a perguntar: por que o senhor não se considerou impedido, suspeito?
FORO ÍNTIMO – Nem era preciso dizer o motivo. Bastaria alegar o tal “foro intimo”, como permite o Código de Processo Civil. O saldo que resta de tudo isso é desalentador para o povo brasileiro. Triste, mesmo. Confira: restam travados na Câmara dos Deputados, sem despacho (desprezadas, portanto), 25 petições de 25 cidadãos-eleitores-contribuintes brasileiros. Por causa da falta de despacho, um deles bate à porta da Justiça e pede ao juiz que obrigue o agente público a considerar a petição a fim de despachá-la.
E o juiz também tira o corpo fora. Alega que o problema é da corporação e também não atende ao que pleiteou o cidadão. E neste autêntico jogo-de-empurra, o cidadão fica ao desamparo. Sem pai e sem mãe, como diz a voz do povo. É o fim da cidadania.

24 de agosto de 2017
Jorge Béja

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