As explicações do ex-presidente Lula sobre o tríplex do Guarujá não batem com os fatos nem com sua própria narrativa, pois não é concebível que ele tenha tratado do assunto em 2005 e só depois, em 2014, o tenha recusado, enquanto dona Marisa e seu filho combinavam com o então presidente da OAS as obras que seriam feitas, inclusive a colocação de um elevador devido à reclamação do próprio Lula sobre a escada estreita, que ele reafirmou ontem no depoimento.
Acoincidência das cozinhas iguais no tríplex e no sítio de Atibaia também fica entre as coisas inexplicáveis que rondam as propriedades que Lula diz não serem dele. O impressionante é como dona Marisa tinha capacidade de decisão sem nem mesmo consultar o marido, até em casos como o terreno do Instituto Lula.
O amigo do ex-presidente José Carlos Bumlai disse ao juiz Sergio Moro, em outro processo, que foi dona Marisa quem insistiu para que aquele terreno fosse comprado, para uma nova sede do instituto. Bumlai chegou a conversar com Marcelo Odebrecht para o financiamento do terreno, já que ele não tinha dinheiro para comprá-lo, e aí as narrativas se completam.
O ex-presidente da empreiteira havia declarado que, a pedido, havia comprado o terreno com o dinheiro do fundo que mantinha para o PT no departamento que cuidava da distribuição de propinas. E que, quando o terreno foi recusado, por não se prestar ao monumento que pretendiam erguer na nova sede do instituto, a Odebrecht revendeu-o e devolveu a verba para o fundo de propinas do PT.
O arquiteto que foi contratado para fazer um monumento no novo terreno disse que quando foi visitá-lo, acompanhado da assessora de Lula Clara Ant, cruzou com o ex-presidente, que chegava num carro com dona Marisa. Sua opinião foi decisiva para que o terreno não fosse usado para a sede do novo instituto. Todas as histórias batem.
Sim, Lula teve diversas conversas sobre o tríplex com Léo Pinheiro, mas nunca lhe sugeriu que destruísse provas. Sim, Lula visitou o tríplex em companhia do presidente da OAS, mas nunca pediu para que fosse reformado. Dona Marisa não gosta de praia, Lula não poderia sair de casa a não ser numa Quarta-Feira de Cinzas chuvosa, mas no entanto compraram um apartamento na praia de Guarujá. Provavelmente para negócios dela, segundo Lula.
Sim, o apartamento comum passou a ser um tríplex, mas dona Marisa nunca lhe disse que mandara fazer reformas. Sim, encontraram um documento rasurado sobre o tríplex em questão em sua casa em São Bernardo do Campo, mas ele não sabe que documento é aquele, e não está assinado, não tem valor. Quase insinuou que o documento foi “plantado” pelos policiais que foram lhe buscar numa condução coercitiva. Refreou-se a tempo, mas deixou no ar a dúvida.
Por falar nisso, a politização do depoimento de Lula ao juiz Sergio Moro só confirma que uma convocação com antecedência de Lula para depoimento na Operação Lava-Jato teria provocado uma mobilização de militantes petistas, que dificultaria muito uma audiência normal.
Lula, que começou o depoimento muito nervoso, como é natural, foi se soltando à medida que a audiência se processava em um ambiente tranquilo e chegou mesmo a anunciar que é candidato à Presidência da República em 2018. Mas não conseguiu desmentir peremptoriamente que ameaçara os policiais dizendo que voltaria à Presidência e se lembraria da cara de cada um deles. Lula, como sempre, disse que não se lembrava de ter feito tal afirmativa, uma ameaça clara, típica de quem confunde o público com o privado.
O depoimento acabou em anticlímax, pois até mesmo a militância petista esteve presente em menor número do que o anunciado. E nem Moro nem Lula rosnaram um para o outro. Ambos se colocaram em seus devidos lugares: Lula, o réu, respondendo respeitosamente e tendo ambiente para fazer até certas ironias sobre a insistência dos vendedores, como se Léo Pinheiro fosse um mero vendedor da OAS, ou sobre a independência das mulheres, uma tese que vem sendo desenvolvida cuidadosamente nos últimos dias.
A falecida dona Marisa, nos últimos depoimentos, ganhou uma dimensão nova em todas as situações que estão sendo questionadas pela Justiça, e ainda não houve o depoimento sobre o sítio de Atibaia.
14 de maio de 2017o
Merval Pereira, O Globo
Acoincidência das cozinhas iguais no tríplex e no sítio de Atibaia também fica entre as coisas inexplicáveis que rondam as propriedades que Lula diz não serem dele. O impressionante é como dona Marisa tinha capacidade de decisão sem nem mesmo consultar o marido, até em casos como o terreno do Instituto Lula.
O amigo do ex-presidente José Carlos Bumlai disse ao juiz Sergio Moro, em outro processo, que foi dona Marisa quem insistiu para que aquele terreno fosse comprado, para uma nova sede do instituto. Bumlai chegou a conversar com Marcelo Odebrecht para o financiamento do terreno, já que ele não tinha dinheiro para comprá-lo, e aí as narrativas se completam.
O ex-presidente da empreiteira havia declarado que, a pedido, havia comprado o terreno com o dinheiro do fundo que mantinha para o PT no departamento que cuidava da distribuição de propinas. E que, quando o terreno foi recusado, por não se prestar ao monumento que pretendiam erguer na nova sede do instituto, a Odebrecht revendeu-o e devolveu a verba para o fundo de propinas do PT.
O arquiteto que foi contratado para fazer um monumento no novo terreno disse que quando foi visitá-lo, acompanhado da assessora de Lula Clara Ant, cruzou com o ex-presidente, que chegava num carro com dona Marisa. Sua opinião foi decisiva para que o terreno não fosse usado para a sede do novo instituto. Todas as histórias batem.
Sim, Lula teve diversas conversas sobre o tríplex com Léo Pinheiro, mas nunca lhe sugeriu que destruísse provas. Sim, Lula visitou o tríplex em companhia do presidente da OAS, mas nunca pediu para que fosse reformado. Dona Marisa não gosta de praia, Lula não poderia sair de casa a não ser numa Quarta-Feira de Cinzas chuvosa, mas no entanto compraram um apartamento na praia de Guarujá. Provavelmente para negócios dela, segundo Lula.
Sim, o apartamento comum passou a ser um tríplex, mas dona Marisa nunca lhe disse que mandara fazer reformas. Sim, encontraram um documento rasurado sobre o tríplex em questão em sua casa em São Bernardo do Campo, mas ele não sabe que documento é aquele, e não está assinado, não tem valor. Quase insinuou que o documento foi “plantado” pelos policiais que foram lhe buscar numa condução coercitiva. Refreou-se a tempo, mas deixou no ar a dúvida.
Por falar nisso, a politização do depoimento de Lula ao juiz Sergio Moro só confirma que uma convocação com antecedência de Lula para depoimento na Operação Lava-Jato teria provocado uma mobilização de militantes petistas, que dificultaria muito uma audiência normal.
Lula, que começou o depoimento muito nervoso, como é natural, foi se soltando à medida que a audiência se processava em um ambiente tranquilo e chegou mesmo a anunciar que é candidato à Presidência da República em 2018. Mas não conseguiu desmentir peremptoriamente que ameaçara os policiais dizendo que voltaria à Presidência e se lembraria da cara de cada um deles. Lula, como sempre, disse que não se lembrava de ter feito tal afirmativa, uma ameaça clara, típica de quem confunde o público com o privado.
O depoimento acabou em anticlímax, pois até mesmo a militância petista esteve presente em menor número do que o anunciado. E nem Moro nem Lula rosnaram um para o outro. Ambos se colocaram em seus devidos lugares: Lula, o réu, respondendo respeitosamente e tendo ambiente para fazer até certas ironias sobre a insistência dos vendedores, como se Léo Pinheiro fosse um mero vendedor da OAS, ou sobre a independência das mulheres, uma tese que vem sendo desenvolvida cuidadosamente nos últimos dias.
A falecida dona Marisa, nos últimos depoimentos, ganhou uma dimensão nova em todas as situações que estão sendo questionadas pela Justiça, e ainda não houve o depoimento sobre o sítio de Atibaia.
14 de maio de 2017o
Merval Pereira, O Globo
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