Um ensino médio adaptado para contemplar as diversas vocações profissionais e circunstâncias pessoais e regionais é profundamente desejável
Os alarmantes resultados do ensino médio nacional no Ideb 2015 dispararam o alarme sobre a necessidade de uma reforma nessa etapa da educação. A média nacional permanece estagnada desde 2011, distanciando-se cada vez mais da meta aceitável. O governo respondeu a isso com a edição de uma medida provisória que promove diversas alterações no ensino médio.
Em 2012, o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) já havia chamado a atenção para o alarmante fato de que cerca de um terço dos universitários brasileiros não dominava habilidades básicas de leitura e escrita. Só isso mostra que, de fato, há urgência na melhora do ensino médio. Mas não o tipo de urgência definida pelo artigo 62 da Constituição, que justifica o uso de medidas provisórias pela Presidência da República. É bom que o governo federal queira mostrar que tem um plano e pretende executá-lo, mas essa sinalização ocorreria da mesma forma caso o Executivo enviasse ao Legislativo um projeto de lei para análise e discussão entre os representantes eleitos pelo povo.
Embora o próprio texto da MP ainda deixe margem para muitas definições a posteriori, especialmente no caso do currículo, já se pode fazer uma análise das propostas do governo. Chamou especial atenção da opinião pública o fato de que só serão obrigatórias as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática (ambas nos três anos do ensino médio) e Inglês (não necessariamente em todos os três anos), ficando o restante sujeito às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, ainda em discussão. Seguiu-se quase de imediato um alarmismo (muitas vezes de teor ideológico) segundo o qual certas disciplinas seriam extintas, em vez de se tornarem facultativas. Deixando de lado o uso político das propostas de reforma do currículo, preocupa-nos, sim, a possibilidade de que os alunos acabem privados de certos conhecimentos, ainda que isso se justifique por suas escolhas profissionais. Mesmo quem deseja enveredar pelo mundo das ciências exatas e biológicas precisa de formação humanística, e mesmo aqueles com vocação para as ciências humanas necessitam de um conhecimento científico básico. Enfatizar um ou outro conteúdo é interessante; lamentável seria permitir que um aluno passasse pelo ensino médio sem contato algum com certas disciplinas.
O governo ainda pretende impor uma carga horária maior – o objetivo é chegar a 1,4 mil horas/ano, o que, para um ano letivo de 200 dias como o atual, equivaleria a sete horas diárias –, o que só fará algum sentido se a reforma do currículo efetivamente tornar o ensino mais atraente para o jovem; do contrário, consistirá apenas em prolongar uma obrigação vista como enfadonha. E, ainda que a escola se torne mais interessante, a mudança terá consequências práticas que aparentemente não foram levadas em conta. Aqueles estudantes a partir dos 16 anos, especialmente os mais pobres, podem acabar prejudicados em sua tentativa de conciliar trabalho e estudos, pois normalmente eles se organizam para trabalhar durante o dia e estudar à noite (o trabalho noturno é vedado pela legislação para menores de 18 anos). Como contornar essa situação sem limitar as chances de trabalho desses jovens?
Além disso, impor o ensino integral como regra universal teria outras consequências. Na rede particular, o inevitável aumento de custos para viabilizar essa modalidade poderia fazer do ensino privado um luxo que apenas uma elite pode bancar, punindo a classe média. Mais uma vez, a chave seria a flexibilidade, permitindo a oferta de diversos modelos compatíveis com as necessidades de estudantes e suas famílias.
Um ensino médio adaptado para contemplar as diversas vocações profissionais e circunstâncias pessoais e regionais, sem o engessamento de uma fórmula única aplicada em todo o país, é profundamente desejável. Essa parece ser a intenção do governo federal, mas sua proposta ainda pode ser bem aperfeiçoada. Já que o uso de uma MP impediu que a sociedade e seus representantes no parlamento fizessem a discussão prévia do tema, que pelo menos haja oportunidade de fazê-lo agora. Nossos estudantes agradecem.
28 de setembro de 2016
Editorial Gazeta do Povo, PR
Os alarmantes resultados do ensino médio nacional no Ideb 2015 dispararam o alarme sobre a necessidade de uma reforma nessa etapa da educação. A média nacional permanece estagnada desde 2011, distanciando-se cada vez mais da meta aceitável. O governo respondeu a isso com a edição de uma medida provisória que promove diversas alterações no ensino médio.
Em 2012, o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) já havia chamado a atenção para o alarmante fato de que cerca de um terço dos universitários brasileiros não dominava habilidades básicas de leitura e escrita. Só isso mostra que, de fato, há urgência na melhora do ensino médio. Mas não o tipo de urgência definida pelo artigo 62 da Constituição, que justifica o uso de medidas provisórias pela Presidência da República. É bom que o governo federal queira mostrar que tem um plano e pretende executá-lo, mas essa sinalização ocorreria da mesma forma caso o Executivo enviasse ao Legislativo um projeto de lei para análise e discussão entre os representantes eleitos pelo povo.
Embora o próprio texto da MP ainda deixe margem para muitas definições a posteriori, especialmente no caso do currículo, já se pode fazer uma análise das propostas do governo. Chamou especial atenção da opinião pública o fato de que só serão obrigatórias as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática (ambas nos três anos do ensino médio) e Inglês (não necessariamente em todos os três anos), ficando o restante sujeito às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, ainda em discussão. Seguiu-se quase de imediato um alarmismo (muitas vezes de teor ideológico) segundo o qual certas disciplinas seriam extintas, em vez de se tornarem facultativas. Deixando de lado o uso político das propostas de reforma do currículo, preocupa-nos, sim, a possibilidade de que os alunos acabem privados de certos conhecimentos, ainda que isso se justifique por suas escolhas profissionais. Mesmo quem deseja enveredar pelo mundo das ciências exatas e biológicas precisa de formação humanística, e mesmo aqueles com vocação para as ciências humanas necessitam de um conhecimento científico básico. Enfatizar um ou outro conteúdo é interessante; lamentável seria permitir que um aluno passasse pelo ensino médio sem contato algum com certas disciplinas.
O governo ainda pretende impor uma carga horária maior – o objetivo é chegar a 1,4 mil horas/ano, o que, para um ano letivo de 200 dias como o atual, equivaleria a sete horas diárias –, o que só fará algum sentido se a reforma do currículo efetivamente tornar o ensino mais atraente para o jovem; do contrário, consistirá apenas em prolongar uma obrigação vista como enfadonha. E, ainda que a escola se torne mais interessante, a mudança terá consequências práticas que aparentemente não foram levadas em conta. Aqueles estudantes a partir dos 16 anos, especialmente os mais pobres, podem acabar prejudicados em sua tentativa de conciliar trabalho e estudos, pois normalmente eles se organizam para trabalhar durante o dia e estudar à noite (o trabalho noturno é vedado pela legislação para menores de 18 anos). Como contornar essa situação sem limitar as chances de trabalho desses jovens?
Além disso, impor o ensino integral como regra universal teria outras consequências. Na rede particular, o inevitável aumento de custos para viabilizar essa modalidade poderia fazer do ensino privado um luxo que apenas uma elite pode bancar, punindo a classe média. Mais uma vez, a chave seria a flexibilidade, permitindo a oferta de diversos modelos compatíveis com as necessidades de estudantes e suas famílias.
Um ensino médio adaptado para contemplar as diversas vocações profissionais e circunstâncias pessoais e regionais, sem o engessamento de uma fórmula única aplicada em todo o país, é profundamente desejável. Essa parece ser a intenção do governo federal, mas sua proposta ainda pode ser bem aperfeiçoada. Já que o uso de uma MP impediu que a sociedade e seus representantes no parlamento fizessem a discussão prévia do tema, que pelo menos haja oportunidade de fazê-lo agora. Nossos estudantes agradecem.
28 de setembro de 2016
Editorial Gazeta do Povo, PR
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