Fotomontagem reproduzida do Arquivo Google |
Autor de ‘O livro negro da corrupção’, crítico implacável dos malfeitos que sangram os cofres públicos, o jurista Modesto Carvalhosa acompanha o cenário político do País desde sempre e avalia: os esquemas investigados pela Operação Lava Jato são diferentes daqueles já descobertos em governos que antecederam a Era do PT. A ser ver, o que houve foi “uma organização da corrupção pelo PT”, enquanto os outros partidos que estiveram no poder, em governos anteriores, não fizeram nenhum planejamento para aparelhar o Estado visando a corrupção
Modesto Carvalhosa, que é professor de Direito e autor de consagradas obras jurídicas, vê com preocupação a atuação do Poder Legislativo no combate à corrupção. “Existem no Brasil duas forças que se debatem: a força que combate a corrupção, representada simbolicamente e na realidade pela Operação Lava Jato e pela força-tarefa do Ministério Público, e do outro lado todas as forças para, no Congresso Nacional, legalizar a corrupção”, assinala.
A respeito da petição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Organização das Nações Unidas (ONU), em que o petista denuncia o juiz Sérgio Moro e os procuradores da República que atuam na Operação Lava Jato por “falta de imparcialidade” e “abuso de poder”, diz o professor Carvalhosa:
“Essa reação do Lula não tem nenhuma originalidade, porque instintivamente todo político no mundo, quando é pilhado praticando corrupção, diz que é perseguido político. Eu acho que a ONU não vai levar em consideração esse tipo de pedido, que não tem originalidade nenhuma”.
O que diferencia a corrupção investigada nos governos do PT para corrupção em governos anteriores?
Tem uma diferença, porque o governo do PT aparelhou as estatais e também, naturalmente, para o efeito de coletar recursos criminosos, indevidos da corrupção para o partido a para os partidos aliados e para os seus políticos. Do que resultou também uma pilhagem direta dos próprios agentes, operadores desse esquema. A diferença do governo do PT para os anteriores é que houve um planejamento para estabelecer a corrupção como já ocorreu no Mensalão, depois na Lava Jato e hoje já está em outras estatais e outros agentes públicos.
A corrupção anterior era amadora?
Não, não era um propósito de governo. Os governos não tinham o propósito de basear o seu poder na corrupção, enquanto o PT, por exemplo, nomeou diretores de estatais, ministros com a missão de canibalizar as estatais e recolher resultados a favor dele e de empreiteiras que eram aliadas do governo e que lhe davam, por sua vez, recursos que haviam pilhado das próprias estatais. Uma empreiteira consegue aditivos fraudulentos da Petrobrás e uma pequena parcela desses aditivos ela entregava para os partidos através de caixa 2, para os políticos diretamente, comissões de contratos. O que houve foi uma organização da corrupção pelo PT. Enquanto os partidos anteriores, governos anteriores, não havia nenhum planejamento para aparelhar o Estado para a corrupção.
O ex-presidente Lula foi à ONU e acusou o juiz Sérgio Moro de ‘abuso de poder’. O que a ONU pode fazer em relação à investigação contra Lula na Lava Jato?
O presidente da Transparência Internacional, José Carlos Ugaz, contou que todo político corrupto diz que as ações do Estado, do Ministério Público e da Justiça contra ele é uma perseguição política. Essa reação do Lula não tem nenhuma originalidade, porque instintivamente todo político no mundo quando é pilhado praticando corrupção diz que é perseguido político. Eu acho que a ONU não vai levar em consideração esse tipo de pedido que não tem originalidade nenhuma. Ele está simplesmente repetindo o que todos os políticos pilhados em conduta de corrupção fazem: ‘sou perseguido político’. Ele está repetindo o que já se conhece, segundo a experiência do presidente da Transparência Internacional.
Desde a condução coercitiva de Lula, tem havido um embate entre o ex-presidente e Moro. Na semana passada, Moro afirmou que Lula poderia ter sido preso com base nos grampos. O sr. acha que a condução coercitiva foi a medida judicial correta naquela ocasião?
Foi correta, porque as acusações eram muito graves. Conforme a gravidade das acusações, a condução coercitiva é absolutamente normal. O que os políticos reclamam? Porque eles não são naturalmente presos comuns, não são pretos, não são pobres, eles são corruptos, milionários. Então, como você vai fazer condução coercitiva para um camarada, o Lula? Condução coercitiva é a coisa mais comum que existe em matéria de Polícia Federal e Polícia Estadual. Não tem nada de novo. Eu acho que a gravidade justificava perfeitamente a condução coercitiva até mesmo para evitar o tumulto.
Recentemente, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) desengavetou um projeto de abuso de poder. Há no Congresso também projetos que tentam modificar termos da delação premiada, houve a polêmica Medida Provisória que tratava do acordo de leniência. A quem interessa esses projetos?
Existem no Brasil duas forças que se debatem: a força que combate a corrupção, representada simbolicamente e na realidade pela Operação Lava Jato e pela força-tarefa do Ministério Público e do outro lado estão todas as forças para, no Congresso Nacional, legalizar a corrupção. Eles querem legalizar a corrupção e conseguir através de leis que eles estão apresentando a possibilidade de fugirem de serem levados à prisão. Tem esse famigerado projeto de lei 280 de 2016, de autoria do Renan Calheiros, que é exatamente para não admitir delação premiada de preso e outras medidas que eles estão providenciando. Além disso, existe também um projeto igual à Medida Provisória 703, aquela coisa horrorosa que a Dilma mandou para o Congresso, dizendo que ia haver acordo de leniência e daí não precisaria as empreiteiras pagarem nada ao governo, podiam voltar a contratar com o governo, um corpo de delito, um horror. O Congresso não tomou nem conhecimento dessa Medida Provisória. Acontece que tem um Projeto de Lei 5208/2016 que é exatamente igualzinho à Medida Provisória da Dilma que permite que as empreiteiras façam lá uma bobagem, um ritualzinho, dizendo que é acordo de leniência, com isso elas não têm mais de pagar a multa pelo crime de corrupção, ficam suspensos todos os processos que o Ministério Público ingressou contra elas. Esse projeto está solto no Congresso. Você tem essas medidas terríveis.
Como avalia a decisão do Supremo de mandar prender após condenação em segunda instância?
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, por manifestação de dois dos seus ministros, está derrogando a própria decisão majoritária da própria Corte. Uma vez condenado em segunda instância, o criminoso será encarcerado. Eu acho essa medida perfeita, corretíssima. Mas já dois ministros, em casos diferentes,… O Celso de Mello, em caso de um assassino, que não tem nada a ver com corrupção, aproveitou para dizer que não, só em trânsito em julgado que o assassino poderá ser preso. Ou seja, não será preso nunca. O ministro (Ricardo) Lewandowski, em caso típico de corrupção, declarou que não pode haver a prisão do prefeito, só quando tiver o trânsito em julgado. Os próprios ministros estão derrogando a decisão majoritária do Supremo que consagrou o princípio da prisão após a condenação em segunda instância. Aí também há uma legalização da corrupção, porque se os corruptos forem presos só depois de que haja trânsito em julgado e todos os recursos que os milionários advogados que eles contratam vão conseguir, o que vai ocorrer? Não serão presos nunca. Ou por prescrição ou porque morrerão muito antes de serem condenados. São coisas terríveis que estão ocorrendo. De um lado você tem a Lava Jato que leva a realmente a um combate a essa chaga da corrupção no Brasil, do outro lado você tem forças dentro do próprio Estado que querem legalizar corrupção e impedir que os corruptos sejam presos e condenados, que é o caso do Supremo com essas duas decisões e do Poder Legislativo, que está armado para melar completamente a questão das investigações e dos processos de corrupção.
O Poder Executivo e o Legislativo estão fazendo pouco no combate à corrupção?
O atual Executivo não tem agido em favor da corrupção, não tem tomado nenhuma medida contra a Lava Jato, de jeito nenhum. Tem agido de uma maneira muito serena, de respeito à Lava Jato. No Legislativo, há uma verdadeira conspiração contra a Lava Jato. Essas medidas de agora do Supremo, derrogando suas próprias decisões, também são terríveis.
Por que o Congresso não quer avançar no combate à corrupção?
Porque têm dezenas de congressistas implicados nessa questão toda de corrupção. Em todo sentido, de receber comissões, de caixa 2 de campanha, de fazer parte do esquema. Eles querem de qualquer maneira sabotar a luta contra a corrupção por interesse de sobrevivência não só política, mas pessoal. A coisa é grave. Um gesto quase de defesa de seus próprios interesses de não serem processados e condenados.
Qual é a sua avaliação do projeto das 10 Medidas que o Ministério Público Federal levou ao Congresso com apoio maciço de mais de dois milhões de brasileiros?
Essas medidas são absolutamente indispensáveis, necessárias, ótimas. Mas não vejo da parte do Poder Legislativo, boa vontade de levar avante isso. Essas medidas são para impedir a corrupção a partir de agora, a partir da vigência das novas leis, não pega nem os passados. Tendo em vista que elas combatem de maneira extremamente eficiente a corrupção, eles não querem. Querem ter o caminho aberto, um horror. Não vejo nenhum movimento do Poder Legislativo a favor da aprovação de regime de preferência das 10 Medidas. O Poder Executivo não pode fazer uma Medida Provisória das 10 Medidas, porque é matéria processual, em que não pode haver Medida Provisória. Se o Congresso tivesse alguma vontade de sanear o País da corrupção, teria dado regime de preferência às 10 Medidas, que é de iniciativa popular inquestionável. O Ministério Público propôs e 2 milhões de pessoas assinaram. O Poder Legislativo, que representa o povo, não pode levar na conversa uma iniciativa popular dessa. Mostra a má vontade do Poder Legislativo com relação a isso.
A votação final do impeachment está se aproximando. Com fica o País se a presidente Dilma voltar ou se o presidente em exercício Michel Temer permanecer?
Se o presidente em exercício permanecer, acho que essa política que ele está fazendo, uma política econômica muito consistente, vai prosseguir, acho que vai melhorar muito. Já está melhorando muito o clima no País. Acho que tem condições de melhorar efetivamente. Se voltar a presidente afastada, será o caos, o fim do mundo. É como o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) falou: se a votação fosse secreta, nem o pessoal do PT votaria pela volta da Dilma. Não tem a menor condição de ser presidente do Brasil.
01 de agosto de 2016
Julia Affonso
Estadão
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