O Nafta, com objetivos mais modestos, nunca pretendeu ir além de uma zona de livre comércio, mas aumentou substancialmente o comércio entre os parceiros
O Mercosul, progressivamente disfuncional, não atende mais aos interesses de seus parceiros. Mudanças perfunctórias servem apenas para sustentar as aparências de que estamos fazendo progressos no processo de integração, o que não é o caso. Três exemplos podem servir para sinalizar o caminho a ser trilhado se quisermos realmente seguir na direção de uma integração regional aberta e competitiva. O primeiro data dos anos 80, com a criação do Programa de Integração e Cooperação Econômica (Pice). O segundo é o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), entre EUA, Canadá e México. O terceiro é a saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
A Ata para a Integração Brasil-Argentina, que criou o Pice, baseava-se em quatro princípios: flexibilidade, para permitir ajustamentos na velocidade da integração entre os dois países; gradualismo, para avançar em etapas; simetria, para harmonizar políticas específicas que interferem na competitividade setorial; e equilíbrio dinâmico, para propiciar uma integração setorial uniforme, sem acentuar desequilíbrios entre as partes.
Em 1988, os dois países assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, com o objetivo de criar uma área de livre comércio em dez anos. Na oportunidade, foram assinados 24 protocolos sobre diversos temas, tais como bens de capital, trigo, alimentos industrializados, indústria automotriz etc. Graças a essa arquitetura institucional, o comércio bilateral avançou de maneira expressiva, atraindo Paraguai e Uruguai e levando à criação do Mercosul em 1991. Os problemas posteriores são conhecidos: perfurações à tarifa externa comum e falta de harmonização das políticas macroeconômicas entre os países membros. Estávamos, na melhor das hipóteses, como uma zona de livre comércio, não uma união aduaneira, muito menos um mercado comum. Na verdade, continuava a prevalecer nos sócios a mentalidade protecionista tradicional.
O Nafta, com objetivos mais modestos, nunca pretendeu ir além de uma zona de livre comércio, mas aumentou substancialmente o comércio entre os parceiros, cada um deles mantendo a liberdade necessária para implementar suas políticas econômicas.
Por fim, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia ilustra os riscos de acumular problemas sem solução, que acabam explodindo em descontentamento. É provável que, assentada a poeira, negocie-se um acordo de livre comércio entre a ilha e o continente. Facilitaria essa negociação a eliminação de problemas que deixarão de existir com a saída britânica, como não adotar o euro e não ser signatário do Acordo de Schengen.
Vislumbro a solução para o impasse do Mercosul no retorno aos princípios da Ata para a Integração Brasil-Argentina, com a inclusão de cláusula de “reciprocidade”. Assim, se manteria o objetivo de integração regional, essência do Tratado de Assunção, sem cronograma definido para completar-se; em segundo lugar, reverter a área a uma zona de livre comércio com a suspensão temporária da tarifa externa comum, cuja existência já é muito precária; em terceiro lugar, assumir o compromisso dos países membros de progressivamente harmonizar suas tarifas vis-à-vis de terceiros países, cada qual o fazendo na sua própria velocidade. Cada passo nessa trajetória implicaria que, para qualquer concessão de um país membro a outro em matéria de barreiras ao comércio, seria previamente oferecida reciprocidade de tratamento. Essa proposta não leva ao fim do Mercosul como um futuro mercado comum; apenas reconhece a necessidade de dar ao bloco a flexibilidade para cada um dos países membros, a busca gradual da integração e a simetria de tratamento entre seus integrantes.
20 de julho de 2016
Luiz Augusto de Castro Neves, O Globo
O Mercosul, progressivamente disfuncional, não atende mais aos interesses de seus parceiros. Mudanças perfunctórias servem apenas para sustentar as aparências de que estamos fazendo progressos no processo de integração, o que não é o caso. Três exemplos podem servir para sinalizar o caminho a ser trilhado se quisermos realmente seguir na direção de uma integração regional aberta e competitiva. O primeiro data dos anos 80, com a criação do Programa de Integração e Cooperação Econômica (Pice). O segundo é o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), entre EUA, Canadá e México. O terceiro é a saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
A Ata para a Integração Brasil-Argentina, que criou o Pice, baseava-se em quatro princípios: flexibilidade, para permitir ajustamentos na velocidade da integração entre os dois países; gradualismo, para avançar em etapas; simetria, para harmonizar políticas específicas que interferem na competitividade setorial; e equilíbrio dinâmico, para propiciar uma integração setorial uniforme, sem acentuar desequilíbrios entre as partes.
Em 1988, os dois países assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, com o objetivo de criar uma área de livre comércio em dez anos. Na oportunidade, foram assinados 24 protocolos sobre diversos temas, tais como bens de capital, trigo, alimentos industrializados, indústria automotriz etc. Graças a essa arquitetura institucional, o comércio bilateral avançou de maneira expressiva, atraindo Paraguai e Uruguai e levando à criação do Mercosul em 1991. Os problemas posteriores são conhecidos: perfurações à tarifa externa comum e falta de harmonização das políticas macroeconômicas entre os países membros. Estávamos, na melhor das hipóteses, como uma zona de livre comércio, não uma união aduaneira, muito menos um mercado comum. Na verdade, continuava a prevalecer nos sócios a mentalidade protecionista tradicional.
O Nafta, com objetivos mais modestos, nunca pretendeu ir além de uma zona de livre comércio, mas aumentou substancialmente o comércio entre os parceiros, cada um deles mantendo a liberdade necessária para implementar suas políticas econômicas.
Por fim, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia ilustra os riscos de acumular problemas sem solução, que acabam explodindo em descontentamento. É provável que, assentada a poeira, negocie-se um acordo de livre comércio entre a ilha e o continente. Facilitaria essa negociação a eliminação de problemas que deixarão de existir com a saída britânica, como não adotar o euro e não ser signatário do Acordo de Schengen.
Vislumbro a solução para o impasse do Mercosul no retorno aos princípios da Ata para a Integração Brasil-Argentina, com a inclusão de cláusula de “reciprocidade”. Assim, se manteria o objetivo de integração regional, essência do Tratado de Assunção, sem cronograma definido para completar-se; em segundo lugar, reverter a área a uma zona de livre comércio com a suspensão temporária da tarifa externa comum, cuja existência já é muito precária; em terceiro lugar, assumir o compromisso dos países membros de progressivamente harmonizar suas tarifas vis-à-vis de terceiros países, cada qual o fazendo na sua própria velocidade. Cada passo nessa trajetória implicaria que, para qualquer concessão de um país membro a outro em matéria de barreiras ao comércio, seria previamente oferecida reciprocidade de tratamento. Essa proposta não leva ao fim do Mercosul como um futuro mercado comum; apenas reconhece a necessidade de dar ao bloco a flexibilidade para cada um dos países membros, a busca gradual da integração e a simetria de tratamento entre seus integrantes.
20 de julho de 2016
Luiz Augusto de Castro Neves, O Globo
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