"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

IDOLATRIA OU ADMIRAÇÃO



O que escrevi sobre Chico Buarque, [1] relativizando a sua imagem "intocável", jamais atacando, provocou algumas reações. Todas cordiais, vindas de amigos cuja miopia não me ofende. Não vou analisar cada uma em particular.

Há um Chico que eu admiro; outro, que critico; outro é um mito criteriosamente forjado para uma finalidade oculta. Vamos ver.

A bela arte

O Chico que eu admiro é o jovem compositor da década de 1970: letras complexas, melodias originais e (mérito doutros músicos) arranjos bem elaborados. O Chico da década anterior, embora tenha algumas canções que, gravadas por outros, se revelaram lindas, é sobretudo um compositor

de sambinhas velhacos. Horrível! Mas era pouco mais que um adolescente. Atingiu a maturidade como compositor na década de 1970. E na seguinte escorregou lento e seguro para o patético até tornar-se musicalmente

insuportável. E daí? Uma coisa não anula a outra! O que ele fez de bom não é apagado pelo que fez de medíocre. Por sua década de ouro, tem seu nome garantido entre os melhores compositores populares.

Brilho ofuscado

Mas ele é uma figura pública e, por conseguinte, sujeito a críticas. Não pode reclamar. Nem ele, nem os seus fãs. E como usa a sua publicidade? Mal! 
Faz pose de intelectual, mas nunca fez análise crítica de coisa alguma. Eu nunca vi, embora acompanhe sua carreira. Estou falando de "vida adulta", de análise, de crítica elaborada. Isso nunca fez! Claro, os meninos do grêmio estudantil pensam que "criticar" é simplesmente "dar pau", desancar, 
esculachar. 

É o que Chico sempre fez - às vezes com maestria, se é que isso é possível. Mas aplicar os piores adjetivos ao capitalismo, demonizar empresários, elogiar ditaduras, defender partido e desrespeitar adversários, essas práticas simplórias e irresponsáveis não se confundem com análise crítica. E o Chico "ser político" não vai muito além disso. Mas o pior é prestar-se como propagandista de ideologias antidemocráticas: aplaude a ditadura da Venezuela, ajuda a perpetuar mentiras sobre Cuba, empenha-se em ocultar a tremenda corrupção que tomou conta do país. 
Não sei por que Chico não quer enxergar o Brasil. Como não criticá-lo?

Inconsistência do mito

Fique claro, não o estou julgando. É impossível conhecer o fluxo de consciência de uma pessoa; logo, é impossível julgar quem quer que seja. Possível é, isto sim, estabelecer juízo sobre a conduta, que pode ser apreciada objetivamente. Julgam-se comportamentos, não pessoas. Assim é no Estado de direito; assim deveria ser a atitude de cada um.

Talvez ele mesmo acredite no mito, mas é falso que Chico um dia haja defendido a democracia. jamais! Sempre esteve ombreado com quem quis - e segue querendo - implantar no Brasil a ditadura do proletariado. Daqueles que - na subversão - combateram o regime militar, uns poucos fizeram autocrítica, tendo a maturidade de revisar suas crenças. 
Destes, um dos mais notórios é Fernando Gabeira,[2] que escancara: ele e seus pares não estavam combatendo o regime para defender a democracia, mas tentando implantar outra ditadura. A sua ditadura. Tudo mais é mito.

Em 1989 Chico era um quarentão. Mas seguia imaturo, autoritário ao ponto de querer calar a imprensa. Vale o testemunho de Alexandre Garcia,[3] afrontado por um grupo de artistas da Globo (Chico entre eles). Os artistas não queriam que se divulgassem as pesquisas e os números desfavoráveis a Lula.

Fato é que Chico Buarque sempre foi intolerante e nunca soube respeitar o pensamento alheio - nem quando esse pensamento veio com bom-humor. 
Conta Luís Antônio Giron (Revista Florense, 2004) que, lá por 1984, Millôr encontrava-se num restaurante em Ipanema, quando Chico apareceu e o atacou. 
Chamou-o de "velho" e quase o agrediu com uma garrafa de uísque. É que Millôr havia escrito que jamais permitiria o seu cãozinho passear com ele. 
Ali, Chico foi grosseiro, incivil, autoritário ou, como petistas tratam quem pensa diferente, foi fascista, aguçando a ironia do inabalável Millôr.

Em suma, o riquíssimo Chico não passa de um teórico da divisão da riqueza... dos outros! 
No entanto, sempre incensado nos jornais e revistas, teve forjada uma imagem de vestal imaculada. Não o é. 
A quem interessa esse mito? Que cada qual responda segundo sua capacidade de pensar.

Todos os projetos de ditadura contam com celebridades da arte que se prestam como colaboracionistas - às vezes, por espontaneidade induzida... 
Não tenho como saber se Chico, bem-nascido e muito rico, foi cooptado, comprado ou seduzido para estar a serviço do autoritarismo. Mas lembro uma frase do Millôr:[4] 

"Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal."

Encerro

Eu posso admirar o compositor e, ao mesmo tempo, ter uma visão crítica de seu comportamento como cidadão. Ter ídolos é para adolescentes. 
É próprio de adultos separar as coisas e ponderar, admirando o que é admirável, criticando o que é criticável. Aliás, nem quando adolescente eu o idolatrei. 

E sua militância contra a democracia não é bastante para eu jogar no lixo os seus discos da década de 1970. 
Finalizo com uma do Millôr, perfeita para certos governistas da vez: 

"Quem se curva aos opressores mostra a bunda aos oprimidos."


20 de janeiro de 2016
Renato Sant'Ana é Psicólogo e Bacharel em Direito.

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