Em janeiro de 2009, o empresário Marcelo Bahia Odebrecht – preso desde 19 de junho pela Operação Lava Jato – relata em e-mail para executivos do grupo conversa com o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para que ele intercedesse junto ao presidente da Bolívia, Evo Morales. O interesse aparente do empreiteiro eram negócios do grupo no setor petroquímico boliviano.
“Acabei tendo oportunidade de conversar com Lula e Chaves enquanto estavam na sobremesa. (Andre, Gov. Do MS estava ao lado).”, escreve Odebrecht em mensagem de 15 de janeiro de 2009. Naquele dia, Lula e o presidente da Bolívia, Evo Morales, participaram de inauguração de trecho de uma ligação rodoviária entre o Oceano Atlântico, no Brasil, e o Oceano Pacífico, no Chile, passando por terras bolivianas. O empreiteiro cita “Chaves”, possível referência a Hugo Chávez, então presidente venezuelano, morto em 2013, com quem o ex-presidente Lula estaria no dia seguinte, 16.
Chamada de Corredor Bioceânico, a obra que reuniu Lula, o presidente boliviano Evo Morales e o dono da Odebrecht, tem a empreiteira como uma das contratadas. No discurso feito pelo ex-presidente do Brasil, que está arquivado nos registros do Planalto, o petista cita em suas homenagens de abertura a presença de Marcelo Odebrecht.
POLO GAS QUÍMICO
O assunto de interesse de Odebrecht relatado na conversa outro. O empreiteiro fala do projeto de um Pólo Gás Químico, que unirá unidades do setor petroquímico em terras bolivianas e brasileiras. A empreiteira é acionista majoritária, junto com a Petrobrás, da Braskem – maior petroquímica da América Latina -, que tem apostado nessa parceria
“Lula insistiu com Evo a questão do Polo Petroq. Evo chamou o Ministro de Hidrocarburos e foi combinado uma apresentação por parte da Braskem”, continua o empresário, acusado de corrupção nas obras da Petrobrás.
O projeto do polo unindo Bolívia e Brasil já havia sido citado em outro e-mail, um ano antes, conforme divulgado pelo Estado. Na ocasião, Odebrecht conversa com executivos do grupo sobre a tentativa de buscar em Lula apoio para os negócios da empresa em terras bolivianas – tratando ainda da Argentina e do Peru.
MARCO AURÉLIO
Além do ex-presidente Lula e do governador de Mato Grosso do Sul, Odebrecht menciona em seu relato o “Prof Marco Aurélio” – que para a Polícia Federal pode ser referência ao assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia. Pelo conteúdo, o empreiteiro sugere que Garcia e Puccinelli poderiam dar ajuda no negócio.
“Na minha opinião este projeto não é (ou era) ‘top of the mind’ de Evo e equipe”, explica. “O governador Andre e o Prof Marco Aurelio pediu para serem acionados para empurrar/ajudar.”
NEGÓCIOS FORA DO BRASIL
A PF investiga a atuação de políticos em defesa dos interesses da Odebrecht. A empreiteira é acusada de ser uma das líderes do cartel que fatiava obras na Petrobrás, mediante o pagamento de propinas – que variavam de 1% a 3% dos contratos da estatal – para agentes públicos e políticos. PT, PMDB e PP eram os três principais partidos envolvidos no esquema. As novas apurações da Lava Jato miram nos tentáculos da empreiteira em negócios fora do Brasil.
Acusado de pagar propina a executivos da Petrobrás, partidos e políticos, o conjunto de e-mails de executivos da Odebrecht indica para a PF que o empreiteiro mantinha relação direta e próxima com o ex-presidente Lula – durante seus mandatos (2003-2006 e 2007-2010) e no período pós-Presidência.
No e-mail, Odebrecht cita siglas, que para investigadores da força-tarefa da Lava Jato são as iniciais de nomes dos executivos do grupo, a maior parte deles copiados no e-mail, como Bernando Gradin, “BG”, Henrique Valladares, “HV”, Luiz Mameri, “LM”.
COM DILMA…
No mesmo trecho, o empreiteiro cita suposta conversa do então governador de Mato Grosso do Sul com a presidente Dilma Rousseff – na época, chefe da Casa Civil. “Alex ficou de fazer a ponta com o Governador Andre (que quer estar com a Dilma logo para falar deste projeto) e Gustavo Assad ficou de fazer a ponte com o Ministro com que já se alinhou na hora.”
Odebrecht relata ainda no e-mail um pedido feito por Lula em nome do presidente da Bolívia. “Lula depois me pediu para olhar um projeto de açúcar e alcool de interesse de Evo no norte de Santa Cruz”, acrescenta no relato da conversa com o ex-presidente.
Puccinelli teria disponibilizado um avião para cumprimento da agenda acertada. “JCG: Gustavo Assad (executivo da Odebrecht) ficou de fazer a ponte com o Ministro (que também foi convocado por Evo na hora para a conversa) e marcar uma visita as nossas plantas no MS e dai evoluir”, explica o empresário. “O gov Andre disponibilizou o avião para pega-los e leva-los.” A sigla “JCG”, para a PF, é a sigla de João Carlos Grubisich, ex-presidente da Braskem copiado no e-mail.
CITADOS PELO DELATOR
Tanto Grubisich como Alexandrino Alencar, também copiado na mensagem de 15 de janeiro de 2009, foram citados pelos dois primeiros delatores da Lava Jato, Paulo Roberto Costa – ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás que foi do Conselho de Administração da Braskem – e Alberto Youssef. Eles falam no pagamento de propina pela petroquímica no esquema alvo da força-tarefa.
Em um trecho do e-mail, a PF acredita que Odebrecht dirige-se ao executivo Luiz Mameri e se diz impressionado. “LM: impressionante a relação local criada por seu pessoal. Não podemos perde-la. Importante acompanhar/apoiar JCG e BG nos temas acima.”
20 de janeiro de 2016
Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Julia Affonso
Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário