"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 14 de novembro de 2015

QUANDO O INIMIGO VIVE EM NOSSA CASA


Metade dos estrangeiros que estão no EI são franceses — e 200 deles conseguiram voltar a França. 
Os ataques de sexta-feira revelam as fragilidades de França, que bombardeia na Síria desde setembro.


AFP/Getty Images


Pouco tempo depois de ter reivindicado o maior ataque terrorista na Europa da última década, a máquina de propaganda do Estado Islâmico pôs a circular um comunicado onde justificava os ataques ao mesmo tempo que deixava novas ameaças:

"Que a França — e todos os que seguem as suas pisadas — saiba que vão permanecer no topo de uma lista de alvos do Estado Islâmico. O cheiro da morte nunca vai deixar os seus narizes enquanto continuar a sua cruzada e se atreverem a amaldiçoar o Profeta e orgulharem-se de lutar contra o Islão em França e de atingirem muçulmanos no califado com os seus aviões.“

A mensagem é clara: os ataques que deixaram a França em estado de choque são a resposta do Estado Islâmico aos bombardeamentos aéreos que os gauleses têm feito às suas posições estratégicas na Síria.

Passaram 47 dias entre o primeiro bombardeamento francês e os ataques de sexta-feira à noite. Em setembro, a França anunciou que ia lançar ataques aéreos contra o Estado Islâmico na Síria evocando “legítima defesa”. 
Eis o que disse o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, nessa altura:

Recebemos informações que indicam que os ataques terroristas que recentemente atingiram a França e outras nações europeias foram organizados pelo Daesh da Síria. 
Devido a essa ameaça, decidimos fazer voos de reconhecimento do terreno para recolhermos opções para ataques aéreos no caso de serem necessários. Isto é legítima defesa.“

Os primeiros raides foram a 27 de setembro e atingiram um campo de treino do Estado Islâmico na cidade Deir Ezzor, na região Este da Síria. 

Depois, em 9 de outubro, numa altura em que a Rússia também já tinha começado a bombardear não só o Estado Islâmico mas também rebeldes que combatem o regime sírio de Bashar Al-Assad, a França bombardeou outro campo de treino do Daesh. Desta vez, em Raqqa, a capital do Estado Islâmico.

Uma semana depois deste segundo ataque, o ministério da Defesa francês informou que o centro de treino atingido albergava “combatentes estrangeiros, entre os quais estariam provavelmente franceses e francófonos”. 

Embora não tenha havido informação oficial nesse sentido, o Le Monde escreveu que a operação tinha como alvo principal Salim Benghalem, um cidadão francês de 35 anos que era o principal recrutador de gauleses para o Estado Islâmico. Apesar de tudo, não é sabido se Benghalem morreu ou não como consequência do ataque.

E, por fim, a 8 de novembro, a uns escassos cinco dias da data fatal em Paris, os aviões franceses atingiram importantes infrastruturas de produção petrolífera controladas pelo Estado Islâmico, também em Deir Ezzor.

Além de procurar atingir o Estado Islâmico, os franceses atuam na Síria também em cooperação com algumas forças rebeldes pró-democráticas que estão agora “entaladas” pelo Daesh e pelo exército leal ao regime de Bashar Al-Assad.

Assad entretanto já reagiu aos atentados de sexta-feira à noite, referindo que as “políticas erradas adotadas pelos países ocidentais, nomeadamente a França, na região contribuíram para a expansão do terrorismo”.

A primeira pergunta feita por qualquer cidadão francês hoje é: ‘Será que as políticas francesas dos últimos cinco anos trouxeram algo de bom ao povo francês?’. A resposta é não, e por isso eu peço [ao Presidente François Hollande] para agir pelo interesse do povo francês — o que significa mudar as suas políticas.”

Assad fez ainda uma menção ao facto de a França auxiliar os rebeldes que combate o Estado Islâmico, voltando a tomá-los como terroristas, e dizendo que esse gesto de Paris não ajuda a que possa haver uma cooperação com Damasco: “Não podemos partilhar informações secretas para lutar contra o terrorismo quando o governo francês assume políticas que alimentam e apoiam o terrorismo”.
Quase metade dos estrangeiros do EI são franceses


Há muito tempo que os números são alarmantes para a França — é de lá que partiram quase metade dos europeus que fizeram a viagem até ao auto-proclamado Estado Islâmico com a intenção de servirem aquele grupo terrorista em expansão no Este da Síria e no Norte do Iraque.

Segundo um relatório do senado francês tornado público em abril deste ano, havia à altura 1 430 franceses no Estado Islâmico, o que representaria 47% dos estrangeiros do Daesh. De acordo com os serviços secretos gauleses, 200 deles tinham voltado a França. Além disso, 152 islamistas radicais estavam na altura presos em França.

Depois dos ataques à sede do Charlie Hebdo a 7 de janeiro deste ano, a França pode ter sido novamente atacada a partir de dentro, isto é, por cidadãos com nacionalidade francesa radicalizados pela retórica do terrorismo islâmico.

A estes, e ao Estado Islâmico, Hollande deixou uma promessa no discurso que fez na manhã de sábado, a seguir aos atentados de Paris:

A França será impiedosa com a barbárie do Daesh. Agirá com todos os meios, no quadro do direito [internacional], todos os meios que convenham, e sobre todos os terrenos, internos e externos, em concertação com os nossos aliados que também são afetados por esta ameaça terrorista.”
Alcance do Estado Islâmico cada vez maior

A confirmar-se que a reivindicação do Estado Islâmico é verdadeira — tudo indica esse cenário e não surgem informações que apontem em sentido contrário —, o grupo terrorista em expansão no Médio Oriente volta a dar provas de que o seu alcance é cada vez maior.

Ainda recentemente, o Estado Islâmico reivindicou o atentado de Ancara, na Turquia, que matou 102 pessoas que participavam numa manifestação pela paz organizada por partidos de esquerda e pró-curdos.

E a 31 de outubro o voo 7k9268 da companhia aérea Metrojet caiu noEgito, pouco depois de levantar voo em direção a São Petersburgo, na Rússia. 
Não sobreviveu nenhuma das 224 pessoas a bordo — 219 eram russos, quatro ucranianos e um era um cidadão da Bielorrússia. O ataque foi reivindicado por um grupo terrorista da península do Sinai com ligações ao Estado Islâmico — algo que foi inicialmente descartado como uma possibilidade real, mas que, com o desenvolvimento da investigação forense, ganhou forma.

Embora ainda não haja uma conclusão da investigação às causas da queda do avião, o facto de os destroços do avião terem sido encontrados numa área de 20 quilómetros quadrados indicam que este pode ter sido alvo de uma
explosão em pleno voo.
14 de novembro de 2015
joão almeida dias
in observador

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