"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A LAVA JATO E O LEGADO DA NOSSA MISÉRIA


MACHADO DE ASSIS (1839-1908) - Maior nome da literatura nacional, nasceu na Ladeira do Livramento, no Centro do Rio. Pai do realismo brasileiro, fundou a Academia Brasileira de Letras.Machado de Assis encerra Memórias Póstumas de Brás Cubas com um capítulo intitulado “Das Negativas”, em que o narrador elenca tudo aquilo que não fez na vida: não foi ministro, não foi califa, não vendeu seu emplasto, não conheceu o sucesso. Conclui com aquela frase que todos conhecemos de cor: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Em vez de proclamar sucessos, o narrador nem sequer lamentava seus fracassos. Machado foi irônico como só ele sabia ser. Hoje em dia, estamos acostumados a ouvir negativas de outra natureza, como resultado da Operação Lava Jato e de seus desdobramentos
Da presidente Dilma Rousseff: “Meu governo não está envolvido em corrupção”.
Do presidente da Câmara, Eduardo Cunha: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu imposto de renda”.
Do presidente do Senado, Renan Calheiros, sobre o lobista Fernando Baiano: “Não há fato, não conheço a pessoa, nunca vi”.
Do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em depoimento ao Ministério Público Federal a respeito dos contratos firmados pelo BDNES: “Jamais interferi”.
Do presidente do PT, Rui Falcão, a respeito das denúncias de dinheiro do petrolão na campanha eleitoral: “O PT desmente a totalidade das ilações de que o partido teria recebido repasses financeiros da Petrobras”.
Do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht: “Podem investigar à vontade que não acharão nada sobre nós”.
É possível continuar a lista à exaustão. Negativas, há de todo tipo, em todos os partidos, para todos os gostos. Não parece existir, da parte de todos os políticos, empresários e acusados nos vários escândalos de corrupção que assolam o país, um pingo de ironia. Eles não apenas negam. Negam com veemência, com indignação, se dizem vítimas de calúnias, de “ilações da mídia”, do “ativismo judicial”, das “arbitrariedades”, da “falta de isenção, da “violência” do Ministério Público e de tantas outras fabulações. Os fatos acabam em geral por desmenti-los. Mas quem quer saber de fatos, não é mesmo?
Há duas – e apenas duas – possibilidades para cada uma dessas negativas. Ou bem os acusados estão certos, e então tudo aquilo que vem sendo descoberto nas investigações de policiais e procuradores será enfim desmentido, para a restauração da verdade e, para usar um termo em voga, da reputação ilibada de tanta gente. Ou então estão errados e, nesse caso, não se trata de ironia, mas de cinismo mesmo. Negar a verdade dos fatos quando eles contradizem os interesses é quase uma segunda natureza dos políticos, então por que tanto espanto?

Não se trata de uma reação universal. Em alguns países, sobretudo na Ásia, políticos flagrados em escândalos de corrupção chegam até a cometer suicídio. Foi o caso do ministro da Agricultura do Japão, Toshikatsu Matsuoka, em 2007; do ex-presidente sul-coreano Roh Moo-hyun, em 2009; do deputado de Cingapura Teh Cheang Wan, em 1986; do almirante chinês Ma Faxiang, em 2014; e do teatral senador Budd Dwyer, da Pensilvânia, que se matou diante das câmaras em 1987. Todos esses casos trágicos, presume-se, são resultado de algum conflito moral que a mente dos acusados foi incapaz de resolver. Por aqui, esse conflito – quando existe – costuma ser resolvido na base do cinismo mesmo.
Entre o cinismo e o suicídio, claro, há um sem-número de outras possibilidades. A Justiça brasileira tem oferecido uma saída decente para aqueles que se arrependem: a colaboração premiada. Ela tem servido para restaurar a verdade dos fatos, para desvendar novos detalhes nos esquemas de corrupção e para aliviar a pena daqueles que se dispõem a ajudar a Justiça. Todos saem vivos, ninguém posa de cínico – e a sociedade ganha com a punição adequada daqueles que merecem ser punidos.
Foi isso que permitiu à Operação Lava Jato chegar a um ponto a que nenhuma outra investigacão chegara, na descoberta da verdade a respeito da relação entre o Estado e o setor privado no Brasil. É uma pena que tantos políticos e tantos empresários estejam apostando na benevolência dos tribunais superiores para desfazer  condenações e melar a maior ação contra a corrupção de que o país tem notícia. Pior ainda é o sucesso que eles têm obtido, com o fatiamento de processos e a obtenção de lliminares. Ninguém há de contestar a competência dos ministros do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal para emitir suas decisões. É fundamental que eles percebam, contudo, que voltar atrás agora só contriburái para perpetuar, nas palavras de Machado, o “legado da nossa miséria”.
21 de outubro de 2015
G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário