"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

AS DUAS VEZES EM QUE BRASÍLIA GANHOU ALMA



JK levava na carteira um artigo escrito sobre ele
Sábado completam-se 39 anos da morte de Juscelino Kubitschek, em desastre de carro na via Dutra. Fenômeno singular aconteceu dois dias depois, quando foi sepultado em Brasília. 

Multidão calculada em um milhão de pessoas acompanhou o corpo do morto ilustre, da Catedral ao cemitério Campo da Esperança. 
A capital inaugurada em 1960 ganhava alma. 

Indiferentes à ameaça de que os militares então no poder perturbariam a despedida, os populares marcharam os poucos quilômetros do trajeto levando o esquife nos ombros. JK descansaria para sempre na cidade que fundara.
Era presidente da República o general Ernesto Geisel, que até as quatro horas da tarde hesitou em decretar luto oficial e determinar fosse a bandeira hasteada a meio pau, no palácio do Planalto. 
Desde a manhã que o presidente do Senado, Magalhães Pinto, tomara essa providência defronte ao Congresso, mesmo contrariando o humor do ministro Silvio Frota, do Exército. 
O presidente da Câmara, Célio Borja, não acompanhou o senador mineiro. Só tomou a mesma providência depois de olhar pela janela e verificar o gesto do Executivo, ainda que com atraso.
Anos depois, já presidente o general João Figueiredo, coube-lhe reparar as agressões feitas ao antecessor, cassado, processado e exilado, oferecendo à viúva e às filhas do presidente a mais nobre colina de Brasília, para ser erguido lá o memorial ao fundador da cidade. 
Os milhões de cidadãos que desde então o visitam podem ver, numa vitrina posta no salão de entrada, os objetos que levava no bolso. 
Seu bilhete de identidade, uma medalha de Nossa Senhora Aparecida, sua fotografia em três por quatro e, dobradinha para caber na  carteira de couro, a copia de um artigo  publicado anos antes no jornal  “Estado de S. Paulo”, sob o título “Brasília não  vê JK chorar”. O texto reportava uma travessura dele, nos anos mais bicudos da ditadura. 

Estava proibido de entrar na capital, obrigando-se a contornar o Distrito Federal para sair de sua fazendinha e entrar num teco-teco, no pequeno aeroporto de Formosa, em Goiás. 
Uma das violentas tempestades, comuns no Planalto Central, impedia a visão dos motoristas além de dois ou três metros da estrada. Ele sugeriu ao amigo que o transportava na cabina de um caminhão para dobrar à direita, ou seja, entrar no território proibido. Afinal, há anos que não podia ver sua obra.
Entrou no Catetinho, primeiro barracão de madeira que o abrigava quando Brasília ainda não existia. Pregou um susto imenso no vigia da entrada, que jurou nunca mais beber. 

Extasiou-se com a catedral, que só conhecera nos desenhos de Oscar Niemayer. Depois, a Esplanada dos Ministérios, já completada, e a Praça dos Três Poderes, com os palácios e o pequeno museu erigido em sua homenagem. 

Chovia como nunca, mas foram suas lágrimas a expressão de que, apesar de tudo, a cidade tinha dado certo. Sentiu-se, como diria depois, um súdito das Gálias  pela primeira  vez visitando Roma.  
Antes de morrer, a alma incorporava-se à matéria. É fascinante notar como 39 anos passam rápido.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O artigo “Brasília não vê JK chorar”, que o ex-presidente guardava na carteira, foi escrito pelo próprio Carlos Chagas. É uma crônica linda e emocionante, que a gente lê e também chora.(C.N.)

21 de agosto de 2015
Carlos Chagas

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