"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 25 de julho de 2015

OLIVER STONE, SEMPRE DESMONTANDO O IMPÉRIO DOS EUA



Stone e Kuznick recontam a História dos Estados Unidos
Fogos de artifício, desfiles e celebrações fazem do dia 4 de julho um feriado norte-americano em comemoração à Declaração da Independência dos Estados Unidos, assinada em 1776. Mas é bem longe dessa festança toda que a verdadeira história do país se encontra. No Brasil, a data neste ano foi marcada pelo lançamento do livro “A história não contada dos Estados Unidos”, fruto da parceria entre o cineasta Oliver Stone e o historiador Peter J. Kuznick quando ambos trabalhavam na série de documentários homônima – com 12 episódios narrados por Stone, que revelam, em uma perspectiva crítica, alguns momentos cruciais de sua nação.
Lançado em 2012 às vésperas das últimas eleições presidenciais do país, o livro – que sustenta cientificamente a série documental – apresenta uma visão holística e convincente da genuína história do império norte-americano desde a guerra hispano-americana de 1898 até os dias de hoje.
Fissurado em retratar os diversos polos da história dos EUA em seus filmes, Stone, que serviu na Guerra do Vietnã, dirigiu clássicos como Platoon, Nixon, W., JFK, Nascido em 4 de julho, Wall Street e Assassinos por natureza, entre muitos outros. Atualmente, o cineasta se prepara para lançar, no final do ano, o já concluído Snowden, sobre o analista de sistemas que denunciou publicamente o sistema de vigilância global da NSA, a Agência de Segurança Nacional dos EUA. Sempre pronto para o embate, o cineasta deixa no os temas que ainda quer retratar: “Os mesmos de sempre! Pessoas que combatem a corrupção ou quem a adora e quer explorá-la. Corrupção me fascina!”
Em “A história não contada dos Estados Unidos”, você, ao lado de Peter Kuznick, conta a história norte-americana a partir de um ângulo diferente. Que tipo de verdade você quis mostrar aos leitores?
Queremos que os leitores e telespectadores saibam que a versão da história dos EUA que a maioria dos alunos estadunidenses aprende é, na melhor das hipóteses, muito parcial e, na pior, completamente fantasiosa. O império norte-americano – assim como todos os impérios antes dele – tem conseguido alguns resultados positivos, mas também é responsável por mais de um século de intervenções militares, guerras, exploração e sofrimento. É neste lado negro que nos concentramos: uma história verdadeiramente chocante e perturbadora. O livro traz críticas à munição que o país usa para construtivamente desafiar os aspectos destrutivos do mundo que esse império tem ajudado a criar.
Por que é tão difícil para um país como os Estados Unidos admitir seus defeitos e ser autocrítico?
Todos os países têm dificuldade de se confrontar com aspectos negativos de suas histórias. Para os Estados Unidos, isso tem sido ainda mais difícil, porque o país foi muito “bem-sucedido” nos últimos 120 anos. Ele saiu relativamente incólume de ambas as guerras mundiais. É a força militar hegemônica no mundo – a única superpotência. Tem um império global de 700 a 1.000 bases militares no exterior. É a maior potência econômica do mundo. Como resultado, os estudantes são alimentados com uma dieta constante de “exibicionismo norte-americano” – a ideia de que os Estados Unidos são um país diferente, superior a todos os outros. Os americanos são ensinados que seu país só quer fazer o bem no mundo – para espalhar a liberdade e a democracia. Por favor, não diga isso para as milhões de vítimas de guerras e intervenções da América ou para os bilhões que ainda sofrem na pobreza. Os brasileiros sabem o papel que os Estados Unidos têm desempenhado na América Latina, assim como o papel dos EUA na derrubada do governo Goulart em 1964, quando impôs uma ditadura militar que permaneceu no poder por 20 anos. Muito poucos norte-americanos sabem. Eles também não sabem que o Brasil, sob essa ditadura, teve a maior diferença entre ricos e pobres no mundo. Os americanos sabem pouco sobre a miséria imposta aos povos da América Latina pelos regimes reacionários que os EUA sustentaram e mantiveram no poder.
Os americanos estão dispostos a conhecer a real história do país?
Achamos que as pessoas estão muito abertas a visões alternativas e verdadeiras da história americana, uma vez que são apresentadas aos fatos. No fundo, elas sabem que a versão da Disney é baseada em mitos reconfortantes e fundada em falsidades. Elas sentem que essa versão da história só serve para reforçar a legitimidade das pessoas no poder e para embasar um sistema capitalista corrupto no qual toda nova riqueza vai para o top 1%.
Parte da nação norte-americana afirma que o país é o melhor e suas ações são sempre justas e corretas. Quais as consequências desse tipo de pensamento?
Tal ponto de vista da história permite que a classe dominante justifique a continuação dos mesmos padrões de militarismo e exploração que têm retardado o crescimento humano há séculos. Deixar de aprender com o passado quase garante que os mesmos padrões irão persistir no futuro. Mesmo agora, com as comemorações do fim da Segunda Guerra Mundial, quantos americanos sabem que os soviéticos venceram a guerra na Europa, e não os EUA? Quantos entendem que, durante a maior parte da guerra, os soviéticos confrontaram 200 divisões alemãs, enquanto os EUA e os britânicos estavam enfrentando, juntos, dez? Quantos perceberam que os 27 milhões de perdas soviéticas foram o equivalente a um 9/11 a cada dia por 24 anos? Ou quantos americanos sabem que a invasão soviética forçou a rendição japonesa, e não as bombas atômicas, as quais foram detonadas principalmente como um aviso para os soviéticos sobre o que aconteceria a eles se interferissem nos planos pós-guerra dos EUA na Europa ou na Ásia? Quantos americanos sabem que seis dos sete almirantes e generais americanos cinco-estrelas que ganharam a sua quinta estrela [honra máxima das Forças Armadas dos Estados Unidos] durante a guerra declararam que as bombas atômicas eram militarmente desnecessárias, moralmente repreensíveis, ou ambos?
Ser o número um ainda é muito importante para os Estados Unidos? Por que a validação constante de sempre ser o melhor em tudo?
Os Estados Unidos são um império em declínio. Em vez de investir no futuro dos cidadãos, ele continua a criar riqueza especulativa e aberrante por meio de manipulações financeiras. Sua infraestrutura está se desintegrando. A diferença entre ricos e pobres é obscenamente enorme e crescente. Tem sido cada vez mais incapaz de impor sua vontade a outras nações. E agora o país está enfrentando um sério desafio com a China e outros países em desenvolvimento. Podemos apenas esperar que eles mostrem mais sabedoria do que os líderes americanos têm, criando um mundo mais aberto, compartilhado, inclusivo, próspero, em melhor harmonia com nosso ambiente natural. Até agora, os resultados não são muito promissores. Se os chineses tentarem dominar da forma como os britânicos fizeram e os americanos ainda fazem, as perspectivas nos levarão, de fato, a um futuro sombrio.
(entrevista enviada pelo comentarista Mário Assis)

25 de julho de 2015
Clariana Zanutto
Revista da Cultura

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