"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

MAIORIDADE E TUDO MAIS

Não se examina o fracasso de projeto mais liberal e a violência urbana

A redução da maioridade penal entrou na agenda política. Já era discutida nas ruas e insistentemente martelada nos programas populares de TV e rádio. É um fato de nossa experiência cotidiana: os meninos de hoje amadurecem mais cedo, sobretudo os que enfrentam as asperezas da rua. Ao ver uma sucessão de crimes cometidos por adolescentes que voltam às ruas, um grande número de pessoas se inclina claramente pela redução da maioridade penal.

Projetado numa decisão do Congresso, este desejo majoritário, certamente, vai se desdobrar numa vitória da tese. Mas os problemas não acabam aí. Abre-se todo um caminho espinhoso para colocar em prática a decisão majoritária, um deles é o evidente gargalo do sistema penitenciário brasileiro. Ao ler sobre a experiência americana, percebi que o Brasil não deveria se limitar ao tema da maioridade penal. Lá, com mais tempo de experiência em prender adolescentes, eles não recuaram na idade penal. No entanto, estão descobrindo, gradativamente, que é mais negócio investir na recuperação dos jovens criminosos e não hesitam em avançar nessa direção.

Ao respeitar a opção majoritária, o Brasil precisaria combinar essas políticas. O problema é que quase não há dinheiro para as prisões, quanto mais para projetos. Não posso imaginar o que aconteceria se o país executasse numa só semana os 300 mil mandatos de prisão. O Estatuto do Adolescente continha boas intenções. Mas a própria relatora do projeto, Rita Camata, admitiu que muitos dos seus aspectos positivos foram deixados de lado. Muitos o veem hoje como uma causa da criminalidade juvenil.

O debate sobre a redução da maioridade penal desponta como um fato isolado. Os que são favor ou contra podem se sentir vitoriosos ou derrotados. Mas as outras variáveis continuam nos desafiando. Ao reduzir a maioridade, estaremos mais próximos aos Estados Unidos no que diz respeito à lei, mas, na prática, não estaremos no mesmo caminho de investir, apostar na flexibilidade da juventude.

Muitos podem ver na redução da maioridade um retrocesso. No entanto, não se examina o fracasso de um projeto mais liberal e o crescente processo de violência urbana. O que as pessoas parecem dizer é isto: vocês tiveram a oportunidade de fazer diferente, mas não está dando certo; por que não tentar o caminho apontado pela maioria?

A julgar pelo clima no próprio Congresso, acho que a redução passa. Mas tanto vencedores como vencidos, nesse tópico particular, têm muito a discutir sobre o futuro imediato. Abre-se um abismo entre o político no sentido mais amplo e a estrita preocupação eleitoral. Para esta última, uma simples votação isolada basta para agradar aos eleitores.

Em termos políticos, é preciso construir uma agenda de segurança. São muitos anos de desprezo pelo tema. Tanto Fernando Henrique quanto Lula não se anteciparam diante da gravidade do problema. Dilma apenas recitou uma política escrita para ela, e assim foi porque estaria na lista de perguntas no debate. Às vezes essa distância que os políticos tomam da segurança lembra-me a distância de algumas redações no passado de sua seção policial. Não era considerado um tema nobre, como a educação, diplomacia, estava sempre envolto em situações desagradáveis de crime e castigo. Uma política de segurança adequada às circunstâncias nacionais é uma dívida de nossa geração de políticos. Assim como ficamos devendo uma resposta a outro tema inconveniente: o saneamento básico. Nesse particular, a política brasileira é romântica e aristocrática; não mexe com crimes nem com o esgoto. Se olhamos um pouco melhor, revela-se nele também o lado pragmático: obras subterrâneas não aparecem nem rendem votos; a segurança, tratamos, de vez em quando, com uma decisão popular para acalmar os ânimos.

Procuro seguir as lições do escritor americano H. D. Trudeau: para conhecer bem um país é preciso visitar suas cadeias. O que vejo são bombas relógio. Mas as ruas já estão bastante complicadas. Se a política demorou a se dar conta da necessidade de uma verdadeira política de segurança, pelo menos vive um momento em que a tecnologia e a interatividade podem indicar soluções mais baratas e eficazes.

Não são milagrosas. Mas se temos pouco dinheiro, a inteligência pode ser um fator decisivo. A ausência dos dois é uma combinação insuperável. Lembro-me que no princípio do governo formulei um pequeno projeto para reduzir motins nas cadeias. Consistia numa rede na qual as penitenciárias fariam um relatório cotidiano e um pequeno núcleo os analisaria. Em quantos lugares as reclamações diárias sobre a comida estragada não eram algo controlável antes de resultar em violência?

Com o tempo, percebi também a importância do trabalho dos ingleses, que monitoram os presos e evitam inúmeros crimes na cadeia. Aqui no Brasil, às vezes, achávamos que, ao perder a liberdade, as pessoas não têm mais chance de cometer crimes. Hoje essa ilusão desmoronou. De ilusão em ilusão caída, quem sabe não chegamos lá?



18 de junho de 2015
Fernando Gabeira, o Globo

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