A adoção pela administração Dilma Rousseff de um ajuste fiscal e econômico de claro viés neoliberal, que o alinha aos interesses das grandes corporações multinacionais, aos rentistas nacionais, aos fundos de pensão, aos bancos privados e a outros entes financeiros, instaura uma inflexão perigosa para o futuro político de nosso país.
A alternativa que se impunha, tendo apoiadores de ambos os lados, era: ou continuamos com a vontade de reinventar o Brasil, com um projeto sobre bases novas, sustentado por nossa cultura, nossas riquezas naturais, ou nos submetemos à lógica imperial que nos quer como sócios incorporados e subalternos, numa espécie de recolonização, obrigando-nos a ser apenas fornecedores dos produtos in natura que eles não possuem e de que precisam urgentemente.
O primeiro realizaria o sonho maior dos que pensaram um Brasil verdadeiramente independente. O segundo se rende resignadamente ao mais forte, aceitando a lógica hegeliana do senhor e do servo, mas que confere imensas vantagens às classes tradicionalmente beneficiadas e que deram as costas às grandes maiorias, entregues a sua própria pobreza e miséria.
Até agora predominou a segunda alternativa. Com a vitória democrática dos que vinham de baixo, do PT e aliados, se poderia esperar a retomada do sonho de outro Brasil com as transformações que estariam implícitas: reformas política, tributária, agrária, urbana e ambientalista. Mas nada disso aconteceu.
DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Houve, é verdade, e importa reconhecê-lo, uma política de distribuição de renda, o aumento dos salários, as políticas sociais que diretamente beneficiaram 36 milhões de pessoas que estavam à margem. Mas um projeto de desenvolvimento feito na base do consumo, e não da produção, tinha que alcançar seus limites e, por fim, se esgotar. Foi o que, infelizmente, ocorreu. Em todo o caso, a história, que não é linear nem costuma se repetir, não deu o salto necessário para o novo e o inaudito viáveis.
Agora, estamos atolados numa megacrise que alguns acreditam ser a maior de nossa história, perplexos e com soluções que dificilmente garantem um futuro bom para a maioria dos brasileiros. Será que seremos, novamente, obrigados a repetir o que não deu certo no passado e que agora se mostra não dar certo nem mesmo nos países que gestaram o atual sistema de produção, distribuição e consumo, com sua relação depredadora da natureza? O paradigma da modernidade se esgotou.
CONSELHO DE KEYNES
Há um temor bastante generalizado que consiste no fato de que sejamos forçados a seguir o estranho conselho dado pelo tão louvado Lord Keynes para sair da grande depressão dos anos 30 do século passado: “Durante, pelo menos, cem anos, devemos simular diante de nós mesmos e diante de cada um que o belo é sujo e o sujo é belo, porque o sujo é útil, e o belo não o é. (…) Depois virá o retorno a alguns dos princípios mais seguros e certos da religião e da virtude tradicional: que a avareza é um vício, que a exação da usura é um crime e que o amor ao dinheiro é detestável”.
Algo parecido pensam os responsáveis pela crise de 2008, pois continuam propalando que a avareza é boa. Para quem? Não para os milhões de famintos, desempregados e marginalizados ou excluídos do atual sistema.
Creio que cabe a frase de Martin Heidegger publicada post-mortem com referência ao destino de nossa civilização, que esqueceu o ser (o fundamento último que confere sentido às coisas) e se perdeu nos entes (o sentido imediato e consumível): “Somente um Deus nos poderá salvar”.
21 de junho de 2015
Leonardo Boff
O Tempo
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