Ah, ele também faz com a língua portuguesa o que o PT fez com a ética e com a economia
Se você clicar aqui, terá acesso à íntegra do discurso que o presidente do PT, Rui Falcão, fará nesta quinta, na abertura do 5º Congresso do PT, na Bahia. Como de hábito, quando me refiro aos petistas, repito a máxima muito conhecida de Talleyrand quando se referiu aos Bourbons: “Eles nem aprendem nada nem esquecem nada”. O discurso de Falcão traz uma coleção assombrosa de bobagens e mistificações que indicam uma de duas coisas: ou elas inviabilizam o PT como alternativa de poder, e isso será bom para o país; ou o PT continuará, por vontade do eleitor, a ser um partido viável, e, nesse caso, inviável é o país. Direi por quê.
Consta que a presidente Dilma Rousseff estará na abertura do encontro. Então ouvirá Falcão dizer as seguintes palavras, prestem atenção:
“O PT não acredita que é possível retomar o crescimento provocando recessão. Nem que se possa combater a inflação com juros escorchantes e desemprego de trabalhadores e máquinas.”
“O PT não acredita que é possível retomar o crescimento provocando recessão. Nem que se possa combater a inflação com juros escorchantes e desemprego de trabalhadores e máquinas.”
Como se nota, o presidente do principal partido do governo está pedindo, ainda que com palavras suaves, a cabeça do ministro da Fazenda, Joaquim Levy; como se nota, o presidente do partido ao qual pertence a mandatária demonstra a sua disposição de resistir às imposições da realidade.
Na sequência, o senhor Rui Falcão — o chefão da legenda flagrada em relações incestuosas com empreiteiras; o amigão de Lula, que recebeu, por intermédio de duas entidades, R$ 4,527 milhões de uma única empresa em dois anos — resolve atacar o capitalismo, acusando-o de ser o verdadeiro autor dos descaminhos da política econômica brasileira. Para que sua palavra pareça abalizada, decidiu citar o papa:
“Como já disse o Papa Francisco, em sua encíclica Evangelii Gaudium (“A Alegria dos Evangelhos”), o desemprego é ‘o resultado de uma escolha mundial, de um sistema econômico que levou a uma tragédia, um sistema que tem em seu centro um deus falso, um deus chamado dinheiro’.”
“Como já disse o Papa Francisco, em sua encíclica Evangelii Gaudium (“A Alegria dos Evangelhos”), o desemprego é ‘o resultado de uma escolha mundial, de um sistema econômico que levou a uma tragédia, um sistema que tem em seu centro um deus falso, um deus chamado dinheiro’.”
Duas observações: se papas entendessem de economia, o Banco do Vaticano não teria se metido em escândalos envolvendo até a máfia. A segunda: o partido que protagonizou o mensalão e o petrolão certamente mantém uma relação bem pouco cristã com o dinheiro.
E Falcão prossegue:
“Não há nenhuma fatalidade que obrigue povos ou governos a capitularem diante das pressões do mercado, ou seja, dos bancos e do grande capital que dominam o planeta. É preciso ter coragem política — e a nossa presidenta a tem de sobra — , vontade de resistir e de buscar alternativas, adotando as providências necessárias para fazê-los recuar.”
“Não há nenhuma fatalidade que obrigue povos ou governos a capitularem diante das pressões do mercado, ou seja, dos bancos e do grande capital que dominam o planeta. É preciso ter coragem política — e a nossa presidenta a tem de sobra — , vontade de resistir e de buscar alternativas, adotando as providências necessárias para fazê-los recuar.”
Embora negue covardemente o que está a dizer, Falcão acusa Dilma de falta de coragem política. Mas vou além: se ele e o papa estiverem certos e se é verdade que existe esse monstro mundial chamado “capitalismo”, Falcão está incitando Dilma a resistir a ele bravamente. O país que responde hoje por menos de 1% das trocas comerciais no mundo, santo Deus!, seria um polo de resistência ao capitalismo. É de uma estupidez continental.
Dilma havia decidido não participar da abertura. Agora vai. Estará lá para ouvir uma porrada em seu ministro da Fazenda e para levar na testa a pecha de covarde.
Falcatruas
Mas é ao se referir aos escândalos que a estupidez de Falcão atinge o sublime. Segundo ele, a reação negativa ao partido — que está nas ruas, em toda parte, em todas as classes, em todos os setores — não se deve aos desmandos e à roubalheira, que ele parece achar até naturais e compreensíveis numa organização que reúne, como ele diz, milhares de pessoas. Nada disso! Segundo Falcão, o PT é hoje impopular por causa de suas virtudes. Afirma:
Mas é ao se referir aos escândalos que a estupidez de Falcão atinge o sublime. Segundo ele, a reação negativa ao partido — que está nas ruas, em toda parte, em todas as classes, em todos os setores — não se deve aos desmandos e à roubalheira, que ele parece achar até naturais e compreensíveis numa organização que reúne, como ele diz, milhares de pessoas. Nada disso! Segundo Falcão, o PT é hoje impopular por causa de suas virtudes. Afirma:
“Condenam-nos não por nossos erros, que certamente ocorrem numa organização que reúne milhares de filiados. Perseguem-nos pelas nossas virtudes. Não suportam que o PT, em tão pouco tempo, tenha retirado da miséria extrema 36 milhões de brasileiros e brasileiras. Que nossos governos tenham possibilitado o ingresso de milhares de negros e pobres nas universidades.
Não toleram que, pela quarta vez consecutiva, nosso projeto de País tenha sido vitorioso nas urnas. Primeiro com um operário, rompendo um preconceito ideológico secular; em seguida, com uma mulher, que jogou sua vida contra a ditadura para devolver a democracia ao Brasil.
Maus perdedores no jogo democrático, querem fazer do PT bode expiatório da corrupção nacional e de dificuldades passageiras da economia, em um contexto adverso de crise mundial prolongada.”
Não toleram que, pela quarta vez consecutiva, nosso projeto de País tenha sido vitorioso nas urnas. Primeiro com um operário, rompendo um preconceito ideológico secular; em seguida, com uma mulher, que jogou sua vida contra a ditadura para devolver a democracia ao Brasil.
Maus perdedores no jogo democrático, querem fazer do PT bode expiatório da corrupção nacional e de dificuldades passageiras da economia, em um contexto adverso de crise mundial prolongada.”
Entenderam? Segundo Falcão, o PT é vítima da corrupção, não um de seus promotores. O que vai acima é uma confissão. Quer dizer que o partido não mudará as suas práticas; quer dizer que o partido, de fato, acha que se comportou dentro do possível. Para o presidente da agremiação, moralmente perversos são seus críticos, que estariam infelizes com a ascensão de pobres e negros. É uma fala, com a devida vênia, nojenta.
Mas, de qualquer forma, congratulo-me com Falcão. Ninguém mais acredita nisso. Nem os petistas. Daí fazerem agora um congresso esvaziado.
Financiamento de campanha
No fim de seu discurso, Falcão fará a defesa do financiamento público de campanha, mas deixa claro que o congresso do partido não vai debater a questão. Manter ou não a decisão de recusar doações privadas será matéria de decisão do Diretório Nacional.
No fim de seu discurso, Falcão fará a defesa do financiamento público de campanha, mas deixa claro que o congresso do partido não vai debater a questão. Manter ou não a decisão de recusar doações privadas será matéria de decisão do Diretório Nacional.
Não sei a que tipo de trouxa Falcão pretende enganar. Só o Instituto Lula recebeu R$ 3 milhões da Camargo Corrêa entre 2011 e 2013, que pagou mais R$ 1,527 milhão para a LILS, esta uma empresa privada do companheiro. Desde quando os petistas precisam de doações oficiais de campanha para ver seus cofres cheios? O petrolão prova que não.
Falcão encerra seu discurso citando Che Guevara: “Sonhem e sereis livres de espírito; lutem e sereis livres na vida”.
Em primeiro lugar, na tradução, há dois erros de português, que, espero, sejam corrigidos até a noite. “Sonhem” e “lutem” estão na terceira pessoa do plural, e “sereis”, na segunda. Assim, ou o petista, que já foi jornalista, opta por “Sonhai e sereis livres de espírito; lutai e sereis livres na vida” ou por “Sonhem e serão livres no espírito; lutem e serão livres na vida”.
Se Falcão não corrigir o discurso, estará fazendo com a língua o que o PT fez com a ética e com a economia.
Em tempo: na prisão de Santa Clara, em Cuba, Che Guevara matou, pessoalmente, alguns prisioneiros com tiros na cabeça. Nas tardes modorrentas, levantava-se de seu tédio e, com o charuto no canto da boca, mandava um pipoco na cabeça do inimigo já rendido. Mais do que recomendar que as pessoas fossem livres na vida, o tarado, assassino e fedorento livrou muitas pessoas “da vida”.
11 de junho de 2015
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