"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

UM JUIZ E 594 SOB SUSPEITA


 Dentro de um mês, 513 deputados federais vão para casa. Em fevereiro 229 deles retornam, reeleitos, com experiência e votos suficientes (44,6% no plenário) para decidir já na primeira sessão da nova legislatura a eleição do presidente da Câmara — segundo personagem na linha sucessória da Presidência da República, logo após o vice-presidente. É ele quem assume, prevê a Constituição, em impedimento ou na vacância de ambos os cargos.

Tudo normal, não fossem as suspeitas de corrupção que pairam sobre duas dúzias dos atuais deputados, cujo anonimato está garantido por segredo de Justiça desde a prisão de figuras-chave nas traficâncias empresariais e partidárias sobre o caixa da Petrobras.

Há oito meses a desconfiança contamina cada conversa, sessão ou votação no plenário da Câmara. Clima idêntico reina no Senado, onde cinco dos 81 senadores foram reeleitos. Em trágica ironia, a suspeição corrói o parlamento, onde se discutem os negócios do Estado.

Há mais de 35 semanas a Justiça coleciona confissões e documentos de protagonistas dos crimes, como Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e Alberto Youssef, distribuidor do dinheiro dos subornos empresariais. Existe uma coletânea de gravações — incluindo-se as realizadas em sigilo durante o repasse de propinas.

Teori Zavascki, ministro do Supremo, destacou Marcio Fontes para acompanhar o processo, conduzido pelo juiz Sérgio Moro, no Paraná. No final de setembro, Zavascki homologou o acordo de delação premiada de Costa. Escreveu: “(...) É possível constatar que, efetivamente, há elementos indicativos, a partir dos termos do depoimento, de possível envolvimento de várias autoridades detentoras de prerrogativa de foro perante tribunais superiores, inclusive de parlamentares federais".

Passaram-se 42 dias. Suspeitas, desconfianças, conjecturas e todos os sinônimos adequados ao caso resplandeceram no estuário da vida política, de alguma forma legitimadas pelo texto de Zavascki, um juiz de 66 anos reconhecido pela aversão à “notória exacerbação" tanto no rito processual quanto nas penalidades.

Elas persistem. Porque os parlamentares envolvidos continuam anônimos — como ensinou o poeta Carlos Drummond de Andrade, o anonimato combina o prazer da vilania com a virtude da discrição.

Vinte e cinco anos atrás, na terça-feira 18 de abril de 1989, a Câmara iniciou a aprovação da lei sobre delação premiada, agora aplicada pelo Supremo. A decisão de mudar a legislação foi adotada em uma semana, por iniciativa do deputado Miro Teixeira, que argumentou: “Não se pode conceber o hermético conceito de sigilo a proteger pessoas suspeitas da prática de crimes (...) e não se pode conceber que o Estado deixe de estimular o arrependimento capaz de produzir confissões que auxiliem a desmontar organizações criminosas.”

Numa alquimia da história, prevalece agora o hermético conceito de sigilo — o segredo de Justiça —, há meses garantindo o anonimato de poucos em prejuízo do universo de legisladores federais.

Por uma questão de justiça, o juiz Zavascki, deveria desfazer o anonimato. Evitaria que a atual legislatura termine e outra comece com 594 sob suspeita na Câmara e no Senado.

13 de novembro de 2014 José Casado é Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 11 de novembro de 2014.

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