"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

BLANQUETTE DE VEAU

– Mmm. Blanquette de veau...

– Gosta? – É meu prato preferido.

– Eu sei. – Sou um especialista em blanquettes de veau.

– Eu sei. – Acho que o teste de um bom cozinheiro, ou de uma boa cozinheira, é a blanquette de veau. E não tenho paciência com quem se mete a fazer blanquettes de veau sem saber como. Certa vez, fechei um restaurante com a minha crítica ao seu blanquette de veau. O dono leu a minha crítica e fechou o restaurante no mesmo dia. Ouvi dizer que ele se suicidou.

– É verdade. – Um crítico gastronômico precisa ser implacável. Senão os incompetentes – ou, pior, os pretensiosos – tomam conta.

– Espero que o senhor aprove a minha blanquette.

– A senhorita sabe, claro, que eu não deveria estar aqui. Como crítico gastronômico, não posso aceitar convites como o que me fez. Mas não pude resistir.

– Talvez o meu decote o tenha convencido.

– Certamente ajudou.

– Mas coma, coma... Quero ver se o seu paladar é mesmo aguçado como dizem. Minha blanquette tem alguns ingredientes incomuns...

– Mmmm... Vamos ver. Não posso fazer feio. Detecto o vinho branco seco de qualidade, como convém... A vitela e o creme no ponto... Manteiga, farinha, perfeito. E um certo gosto forte de... sal do Himalaia?

– Cinza. – Cinza?!

– As cinzas do meu pai, que foi cremado depois de se suicidar por causa da sua crítica.

– Cinza. Interessante. Mas há algo mais... Eu diria...Tomilho?

– Não. – Estragão? – Veneno.

– Veneno. Claro. Esta não é uma blanquette de veau, é uma vingança.

– Acertou. – Eu deveria ter desconfiado do decote...

 
04 de agosto de 2014
Luís Fernando Veríssimo, O Estadão

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