Wilker não era um artista convencional e baseava sua carreira na convicção de fazer bem feito.
Velado naquele Teatro Ipanema onde o talento dele extravasou, no palco visceral e excessivo de O Arquiteto e o Imperador da Assíria, de Fernando Arrabal, José Wilker revelava, na placidez da morte no sono, um detalhe brincalhão: os pés vestiam um All Star amarelado, de cano alto, aquele tênis que não largava por nada nos últimos tempos.
Lembrei-me das meias carmim que Wilker exibia quando convocado a comentar o Oscar na tevê, sentadinho na poltrona, de pernas cruzadas, o acessório provocativo cintilando a ponto de produzir uma competição com os paetês das estrelas de Hollywood.
Da cabeça aos pés, José Wilker foi um artista nada convencional. Vanguardista no difícil momento em que só a vanguarda podia dar conta do surrealismo da conjuntura, selvagem do palco, carburado a libido, Wilker teve o mérito de, sem perder a inquietação que sempre lhe roeu a alma, encarar o exercício profissional da televisão sem constrangimento e com bravura.
Fazia muito sucesso, como no antológico Roque Santeiro, ao lado de Regina Duarte, mas nunca foi daqueles atores que, a fim de aplacar a mauvaise conscience, saía correndo, tão logo se encerrava a novela, para fazer no teatro um Shakespeare, um Beckett. Consolava-o a convicção de que tudo o que viesse a fazer – clássico ou popular – faria bem feito.
Ofereceu ao cinema o mais antológico bumbum masculino jamais mostrado nas telas emergentes. Aquele em que Vadinho, o marido defunto, desfila ao lado de Dona Flor (Sonia Braga) e do Dr. Teodoro (Mauro Mendonça) pelos paralelepípedos do Pelourinho. Na homenagem póstuma a seu ator e diretor, a Globo cobriu com uma tarja preta o derrière do Vadinho. Depois alegou que usou uma cópia velha.
10 de maio de 2014
Nirlando Beirão
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