"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

PÃO, CIRCO E VIOLÊNCIA

 

Vespasiano, o imperador, em 22 de junho de 79 d.C., pouco antes de morrer, em carta ao filho Tito, aconselhava-o a concluir a construção do Coliseum (Coliseu), que lhe daria “muitas alegrias e infinita memória”. Pois, entre um banheiro, um banco de escola ou um estádio, o povo preferia sentar-se nas arquibancadas deste.
O conselho fundamentava-se na ideia de que seduzir a plebe com pão e circo era a melhor receita para diminuir a insatisfação popular contra os governantes. Tito acabou inaugurando o famoso anfiteatro, no centro de Roma, com cem dias de festa.

Descortinava-se ali a era do “panis et circensis”, que consistia em proporcionar, naquela arena, espetáculos sangrentos entre gladiadores e distribuição gratuita de pão. Implicava alto custo para os cofres do Império, com elevação de impostos e economia destroçada, mas a prática populista emprestava enorme prestígio aos imperadores romanos.

É sabido que os jogos, ao longo da história, funcionaram como verniz para lustrar a imagem de governantes. Hoje, a estratégia para cooptar a simpatia das populações por meio das artes/artimanhas e do entretenimento continua a receber atenção de administradores públicos de todos os quadrantes.

O que tem mudado na paisagem dos espaços lúdicos não é a ambição dos condutores dos Estados de se alçarem aos píncaros da fama, mas o comportamento das plateias. Espectadores que outrora fruíam a catarse dos embates esportivos, exaltando ou deplorando o desempenho de contendores, tornam-se eles próprios competidores, lutadores, gladiadores, disparando uns contra outros não só a arma das imprecações, mas armas de fogo, partindo para a violência física.

O fenômeno toma vulto ante o risco de o Brasil vir a ser, por excelência, o palco da violência futebolística, pela constatação de que o aparato da segurança pública tem sido ineficaz para debelar a desordem e a pancadaria nas arquibancadas, a par de medidas paliativas, como cerceamento do acesso de torcedores a estádios, majoração do preço de ingressos, jogos com portões fechados, perda de mando de campo e multas aos clubes.

A mobilização de pessoas para a formação de grupos e a organização de torcidas obedecem a nova ordem que impregna a dinâmica social no mundo contemporâneo. Fazer parte de torcidas, como Mancha Verde e Gaviões da Fiel, passou a ser referência para habitantes de cidades congestionadas, carentes de serviços e lazer.

Condenar as turbas com designativos de vândalos, bandidos, selvagens; adensar forças policiais em estádios; continuar a usar meios tradicionais, como punição a clubes, não conseguirão eliminar a violência das torcidas organizadas. O disciplinamento e a ordem hão de levar em conta a elevação de padrões comportamentais, ancorada no esforço de educação (reeducação) de torcedores fanáticos.

Não se trata de promover meras ações de marketing cultural, mas um amplo programa com o objetivo de compor um ideário voltado para engrandecer o espírito da democracia, com respeito aos princípios da ordem e da disciplina, que não devem ser incompatíveis com o entusiasmo das torcidas.
Nem Vespasiano nem Tito imaginariam que, um dia, o dístico “panis et circensis” seria acrescido de “violentia”. Fosse assim, o velho Coliseu não estaria em pé.

(transcrito de O Tempo)

23 de dezembro de 2013
Gaudêncio Torquato

Nenhum comentário:

Postar um comentário