"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

FELIZ NATAL 2013

Caro Papai Noel, como presente, queria que você interferisse (de leve, claro) na realidade do dia a dia

Quando eu era criança, os adultos ao meu redor se esforçavam para que acreditasse no Papai Noel, no Natal e no bebê Jesus.

Um dia, os mesmos adultos começaram a me explicar que, para eu crescer, era melhor que eu não acreditasse mais no Papai Noel, no Natal e no bebê Jesus.

Mesmo assim, às vezes, embora duvidando que ele entregue meus presentes no dia 25, fico a fim de fazer meus pedidos ao Papai Noel.

Um amigo leitor, Sergio Beni Luftglas, em dezembro, faz parte das "duas dúzias de papais noéis judeus na praça". Ele me contou que o entusiasmo produzido por sua chegada é cada vez mais breve: "Acho estranho uma pessoa ser tão esperada e depois de pouco tempo já não ser tão especial". Explicação: "É que tem muito Papai Noel na praça... Um em cada esquina... Acho que deviam falar para as crianças: o Papai Noel só tem um... estes que vocês estão vendo são os irmãos dele".

Seguindo a recomendação de Sergio, não entregarei minha carta para o Papai Noel do shopping. Vou publicá-la aqui mesmo.

Caro Papai Noel, não quero brinquedos, nem roupa, nem eletrônicos, nem livros --essas coisas, prefiro comprar eu mesmo. Como presente, queria que você interferisse (de leve, claro) na realidade do meu dia a dia.

1) Gostaria que, ao menos por um tempo (que você escolhe --entre uma semana e um ano, ok?), ninguém possa mais lamentar o fato de que estaríamos todos apaixonados por nós mesmos.

Desculpe, Papai Noel, mas não aguento mais ler e ouvir críticos culturais improvisados (ou não) castigando nosso "narcisismo". Você dirá: mas não é verdade que somos narcisistas? Claro que é verdade, mas acontece que você é um homem culto, até porque faz séculos que passa o ano lendo ao lado da lareira, lá no polo Norte, enquanto seus gnomos fabricam os brinquedos.

Você, desde os anos 60, estudou Kernberg, Kohut e Christopher Lasch, e sabe que "narcisista" pouco tem a ver com a história de Narciso apaixonado por sua imagem: somos narcisistas no sentido clínico, ou seja, somos tragicamente inseguros e carentes, eternamente dependentes da apreciação dos outros.

Vivemos contando os "curtiu" nos nossos posts no Instagram. Longe de pensar só em nós, agimos em função das reações que gostaríamos de provocar nos outros; seduzimos, provocamos, mas raramente seguimos uma necessidade que seja realmente nossa.

Não adianta: aqui o pessoal fala que somos narcisistas porque morremos de amor por nós mesmos.

2) Gostaria que, por alguma mágica, todos tivéssemos sempre que fazer a diferença entre o que achamos e o que realmente sabemos. Você já constatou que, sobretudo em psicologia, a gente pode se expressar em linguagem natural --consequência: o pessoal fala qualquer opinião ou preconceito como se fosse ciência, na cara dura.

Exemplo. Há os que afirmam "a mulher não tem fantasias de prostituição, e os que pensam que ela tem são os últimos (dos) machistas". Você, que se mantém informado e assina as melhores revistas há tempos, sabe (desde os anos 30) que a fantasia de prostituição é mais que trivial --aliás, não só nas jovens mulheres, mas também nos homens. Papai Noel, acredite, discutir com conversa-fiada dá um cansaço tremendo.

3) Gostaria que, a partir deste Natal, os jovens de 13 anos soubessem quem é Thomas Mann, mesmo se, para isso, eles tivessem que ignorar quem é Lady Gaga.

4) Gostaria que nenhum professor, de primário, secundário ou terciário, ganhasse presente de Natal, se ele ou ela disser mais uma vez para seus alunos que dar um Google num tema significa "fazer pesquisa".

5) Gostaria que as pessoas pensassem mais em promover sua liberdade e menos em limitar a liberdade dos outros. Tipo: "Eu sou contra o casamento gay", tudo bem, não seja gay e, se for, não case. Qual é o problema?

6) Gostaria que os adultos parassem de tentar ser (ou parecer) adolescentes e, com isso, deixassem aos adolescentes a chance de se tornarem adultos. Por que os adolescentes cresceriam, se eles são objetos de inveja dos adultos?

A carta continua; tem 78 itens (a generosidade do Papai Noel é conhecida), alguns dos quais retomarei em outras colunas. Mas eis como termina:

76) Gostaria que existisse um serviço da Tim para cancelar linhas de dados (e, existindo, que respondesse).

77) Gostaria que o Brasil parasse de ser o país mais caro dos que eu conheço.

78) Enfim, gostaria que todos, neste Natal, recebessem de você ao menos um presente que não sabiam que eles desejavam.

 
19 de dezembro de 2013
CONTARDO CALLIGARIS, FOLHA DE SP

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