"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 1 de dezembro de 2013

DE PÉS DESCALÇOS


Para quem vive em locais quentes e com praia, andar de pés descalços não é nenhuma novidade. Já para nós, gaúchos, que passamos a metade do ano usando botas e sapatos fechados, a chegada do verão resgata o prazer de receber diretamente do solo a energia vital que circula pelo corpo todo. Posso estar dando uma importância excessiva ao fato, mas é que andar de pés descalços me remete ao menino das selvas que habitou minhas fantasias da infância, o Mogli. Sapatinhos de cristal sempre me pareceram afetados e apertados demais.

Porém, só fui me dar conta disso, conscientemente, agora, depois de ter feito a viagem pela Tailândia e Camboja que já mencionei na coluna de quarta-feira passada. O que menos levei na bagagem foi algo para calçar. Apenas um chinelo para o dia, uma rasteirinha para a noite e um par de tênis para as aventuras mais radicais – inclusive os tênis ficaram por lá: não sobreviveram às emoções off road vividas de bicicleta em torno do templo de Angkor nesse finalzinho da estação das chuvas cambojanas.

Na Tailândia, o convite para deixar os calçados na porta, antes de entrar nos lugares, é frequente, e isso me fez ter contato direto com a madeira, com o mármore, com pedras rústicas e, principalmente, com a terra: visitando plantações de arroz, andando de barco por aldeias flutuantes, visitando templos e palácios, e mesmo em restaurantes, meus pés reaprenderam a sentir, e não falo de sentir vergonha, ainda que devesse, já que os meus são poucos inspiradores para fetiches. Falo em sentir um grau de pertencimento que o costume e o conforto geralmente impedem.

Se nas vilas e cidades tive o mundo aos meus pés, o que dizer das praias de Krabi, Koh Phi Phi e demais ilhas paradisíacas do sudeste asiático? Pisava na areia de dia e inclusive à noite, jantando a poucos passos do mar, monitorada pela lua. Nem mesmo pés-de-pato coloquei para mergulhar.

Está aí o verão, que nos Estados do norte e nordeste do Brasil não é uma temporada tão diferente do inverno. Nesses casos, os pés descalços já fazem parte da indumentária habitual. Mas para os que têm apenas esses próximos meses para descer do salto, é hora de conceder-se a delícia de sentir o calor e o frio que vem da base. Perceber o seco e o úmido, o macio e o árido, o liso e o áspero – que absorvamos todas as texturas, sem se importar que esse despojamento nos roube a classe e o charme: aliás, rouba nada, a meu ver. Se, em sentido figurado, somos obrigados a manter os pés no chão o ano inteiro, que o façamos agora também literalmente, pelo simples e relaxante exercício de uma liberdade que anda cada vez menos em uso.

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