Você já ouviu falar de um país onde, quando sua propriedade é invadida, de nada adianta chamar a polícia? Ou você chama um juiz ou nada feito. Se você nunca ouviu falar desse país incrível, é porque não olhou à sua volta. Este país, que parece sair das páginas de Alice, de Lewis Carrol, é este nosso Brasil esplêndido, portento entre as nações. Se a guerrilha católica do MST invade uma propriedade sua ou um prédio público, de nada adianta chamar as forças públicas para obter a reintegração de posse. Você tem de apelar aos tribunais para garantir seu mais comezinho direito. O absurdo foi absorvido de tal modo pela opinião pública, que ninguém mais julga absurdo ter de apelar a um juiz para defender-se de uma invasão.
Em 2004,Carlos Eduardo Reis de Oliveira, juiz da 5ª Vara Cível de Taubaté, elevou o absurdo ao quadrado: exigiu que o Unibanco contrate seguranças particulares para sua segurança, como condição para que seja cumprida nova reintegração de posse de uma área do banco invadida por sem-terra. Ou seja, exigiu por sentença o que todos os bancos há décadas vêm fazendo, contratar particulares para sua segurança. Quando você entra em um banco e se vê cercado por homens armados, protegidos em guaritas, jamais lhe ocorrerá que aqueles homens pertençam à força policial do Estado. São vigilantes particulares. Como também o são estes senhores, sempre com revólver em punho e ar de John Waine prestes a puxar o gatilho, que intranqüilizam as ruas junto aos carros de transporte de valores.
Não só os bancos, mas todos os habitantes das metrópoles do país assumiram a própria segurança, já que o Estado desde há muito renunciou a seu dever de garanti-la. As grades, a vigilância particular, os circuitos internos de televisão, que vemos hoje nas cidades brasileiras – e aqui em São Paulo temos cercas eletrificadas, no melhor estilo dos campos de concentração – são anomalias de um país em que a polícia é uma força simbólica, que só intervém quando o cidadão já é cadáver.
Sabe-se que se uma rã cair em uma panela de água fervente, ela reage e salta fora imediatamente. Mas, se estiver na panela e água for esquentada aos poucos, ela acaba frita sem dar-se conta. O homem urbano brasileiro é uma rã frita em fogo lento. Acostumou-se de tal forma à anomalia que por ela paga prazerosamente. O cidadão já nem lembra que, além desta segurança privada, paga impostos que teoricamente deveriam garantir sua segurança.
Escândalo nacional com a decisão do juiz de Taubaté. A Ouvidoria Agrária Nacional chamou o juiz de irresponsável e quer que ele “sofra algum ato de sanção por sua irresponsabilidade". Segundo a ouvidora substituta, Maria de Oliveira, "esse tipo de decisão da Justiça se torna incentivadora da violência e coloca a possibilidade de confronto e de mortes. Nunca vi e não vamos aceitar isso. Empresas particulares não podem substituir as polícias Civil e Militar na questão da segurança pública". Ora, se a ouvidora nunca viu empresas particulares substituindo a polícia, temos de deduzir que jamais entrou em um banco ou condomínio.
O MST não gostou. "É um absurdo criar um clima para que os fazendeiros se armem. Estamos indignados com esse tipo de decisão, vinda de um juiz reacionário e com descaso com a democracia". Que a sentença é absurda, disto não há dúvida nenhuma, afinal apenas ratifica o que há muito é prática normal. É como se o juiz prolatasse: já que todo cidadão desde há muito respira, exijo que passem a exercer o direito de respirar.
Ocorre que a sentença se referia não à segurança de prédios, mas de terras. O juiz de Taubaté mexeu no dodói do MST, o direito desde há muito adquirido de invadir propriedades sem resistência alguma. Os jornalistas, que de ingênuos nada têm, se dobram à semântica dos sem-terra. Segurança de proprietário de terras não é segurança. É pistoleiro, jagunço. Qualquer pessoa pode proteger seus bens, exceto os fazendeiros. Daí o escândalo deste governo, que por um lado financia as invasões de terra e, para efeitos de mídia, finge condená-las.
“Não posso tirar policiais das ruas para fazer segurança particular”, disse o juiz. “Então, essa me pareceu a melhor saída para garantir que eles não voltem a invadir", O fato é que policiais na rua não estão garantindo segurança particular alguma, tanto que os cidadãos contratam particulares para a própria segurança. Se chegamos a um ponto tal em que é preciso recorrer à justiça – e não à polícia – para garantir a propriedade, mais absurdo ou menos absurdo já não soa tão absurdo. Estamos fritos e mal pagos.
Estes fatos pertencem a um passado distante. Hoje, arruaceiros invadem assembleias e reitorias com a consciência tranqüila dos justos. A tendência dos juízes é determinar que a saída dos invasores seja negociada entre as partes, antes de chamar a polícia.
Em fevereiro de 2010, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) — principal entidade de classe da toga, com 14 mil juízes filiados — criticou duramente a proposta do governo que previa a realização de audiências públicas prévias como pré-requisito para a concessão de liminares em caso de reintegração de posse de terra, prevista no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Em nota pública, a AMB alertava que, se a proposta fosse aprovada, iria “afrontar as prerrogativas do Poder Judiciário e, conseqüentemente, a dos cidadãos”.
Ora, a reintegração de posse, como se processa hoje, já é um desvio de uma prerrogativa policial. Há alguns anos, ouvi de um empresário estrangeiro, que desistira de investir no Brasil: “Que país é esse em que preciso recorrer ao Judiciário para recuperar minhas propriedades que foram invadidas por bandoleiros? E a polícia, para que serve?”
Ao assumir a reintegração de posse, o Judiciário caiu na armadilha da guerrilha católico-comunista do MST. Isso sem falar que hoje, em certos Estados, documento de reintegração de posse e papel higiênico têm a mesma utilidade. O pior de tudo é que há juízes que vêm na lei apenas esta função.
“Não é aceitável que o juiz, após formar seu livre convencimento para conceder uma medida liminar, observando o devido processo legal, tenha condicionada sua decisão, muitas vezes necessária e urgente, à realização de uma audiência pública com viés não raras vezes político, postergando ainda mais a prestação jurisdicional pretendida”, destacava a nota da AMB.
Não era aceitável. Agora já é. Leio nos jornais de hoje que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu negar o pedido de reintegração de posse da reitoria da USP. A decisão foi tomada pelo juiz Adriano Marcos Laroca após reunião de conciliação realizada ontem entre representantes da USP, estudantes e funcionários.
"Como pareceu ter ficado claro na audiência, havendo ainda a possibilidade de retomada do prédio sem o uso da força policial, bastando a cessação da intransigência da Reitoria em dialogar, de forma democrática, com os estudantes, e, ainda, considerando que, nesse momento, a desocupação involuntária, violenta, causaria mais danos à USP e aos seus estudantes do que a decorrente da própria ocupação, indefiro, por ora, a liminar de reintegração de posse", afirmou o juiz na decisão.
Laroca diz ainda que a USP fez uma opção clara pelo uso da força ao judicializar a ocupação sem iniciar qualquer diálogo com os estudantes. A assessoria de imprensa da instituição informou que a universidade deverá recorrer da decisão.
Não estamos longe do dia em que, quando invadirem sua casa, você não poder chamar a polícia. Tampouco nenhum juiz a chamará. Se você chamar a polícia, estará fazendo uma opção clara pelo uso da força ao judicializar a ocupação sem iniciar qualquer diálogo com os invasores.
Não seja intransigente. Dialogue antes com os invasores, de forma democrática, pois a desocupação involuntária, violenta, causaria mais danos a sua casa e a você do que a decorrente da própria ocupação. Afinal, você pode muito bem morar em outro lugar enquanto os invasores usufruem de seu lar.
10 de outubro de 2013
janer cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário