"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

INSTITUIÇÃO EM PERIGO


 
No momento em que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) é levado a uma das crises mais graves de sua história, não se pode deixar de manifestar preocupação com o que ocorre hoje com uma instituição que, pela qualidade de seus membros e pela coerência de sua atuação externa, sempre soube colocar o Brasil em posição de relevo no contexto internacional.

O Itamaraty é um dos símbolos do Estado brasileiro. Trata-se de uma instituição dedicada ao serviço dos interesses permanentes do País. Serve a eles cumprindo as diretrizes e prioridades de política externa emanadas do governo livremente eleito pelo povo.

O MRE é um órgão respeitado em todo o mundo. A qualidade da atuação internacional do Brasil tem sido, ao longo dos anos, associada em boa medida à solidez institucional da Instituição, à rigorosa seleção e boa formação de seus quadros, à sua vocação suprapartidária, à capacidade de combinar continuidade e mudança. A diplomacia não é algo que possa sofrer guinadas de 180 graus a cada mudança de governo. Os interesses do Brasil no mundo não são reinventados a cada 4 anos.

Os integrantes da carreira diplomática são servidores do Estado por excelência. Não se vinculam a partidos, nem procuram transferir para o processo de formulação e execução da política externa os embates normais e saudáveis da competição política democrática. Nessa característica – além do rigor na seleção e treinamento, bem como em políticas administrativas que valorizam a promoção por merecimento e nomeação somente de funcionários de seus quadros para funções n Brasil e no exterior – residem alguns de seus principais atributos.

O Itamaraty, nos últimos anos, deixou de gozar da unanimidade nacional, em função de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios. 

A perda da vitalidade do pensamento independente em todos os escalões, pela extrema centralização das decisões, a discriminação ideológica contra vários de seus funcionários, greves - que nunca haviam ocorrido - arranhões no princípio hierárquico e problemas de preconceito racial e assédio e até o questionamento do nível dos salários no exterior não ajudam a recuperar a  imagem de um serviço diplomático até aqui considerado um dos mais eficientes do mundo.

A retirada do inglês como língua eliminatória nos exames de admissão ao Instituto Rio Branco, em boa hora re-introduzida diante do clamor de protesto então observado, e a obrigatoriedade de leituras politicamente dirigidas para  os diplomatas que voltavam para Brasília foram exemplos recentes que também contribuíram para desgastar a imagem da instituição, mas que podem ser consideradas relativamente inofensivas se revertidas a tempo.

Outro traço recorrente da gestão do Itamaraty é a tomada de decisões de caráter administrativo movida mais por voluntarismo do que para acompanhar as prioridades da politica externa brasileira, deixando de sopesar, por uma análise criteriosa, os custos e benefícios para a Instituição. Quase nada é pensado no sentido do aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, da melhora da política de pessoal ou da modernização de suas estruturas.

O esvaziamento da instituição e a fragmentação externamente induzida nas suas posturas e no seu modo de operar decepcionam a sociedade brasileira.

O MRE enfraqueceu-se substantivamente e perdeu a função de ser o primeiro formulador e coordenador  em matéria de  projeção internacional do país. Estão sendo retiradas da Chancelaria áreas de sua competência e são crescentes as dificuldades para a alocação de recursos compatíveis com as novas demandas externas e proporcionais à presença ampliada do Brasil no mundo.

O Itamaraty, como executor primordial das relações exteriores do Brasil, deve poder exercer suas funções institucionais de maneira uniforme e homogênea, pautado nos princípios e valores, de natureza interna e internacional, que sempre asseguraram unicidade e coerência nas posições e opções assumidas, sem qualquer interferência não institucional, quer seja no seu processo decisório, quer seja na implementação das políticas determinadas pelo chefe de Estado.

A hierarquia e a disciplina são vetores inquestionáveis da atuação institucional do MRE, sempre que respeitados os princípios e valores inscritos na Constituição, que obrigam seus funcionários, mas também os  agentes políticos que ocupam temporariamente cargos no Estado.

A política externa brasileira nunca deixou de ser uma política de Estado e foram extremamente raros os momentos de nossa história  em que predominou qualquer tipo de vontade partidária , nem sempre coerente com o interesse permanente do país. Nenhuma consideração de natureza partidária deveria, assim, incidir sobre a condução da diplomacia e sobre a atuação de seus profissionais, ou funcionários.

O Barão do Rio Branco, ao assumir a chefia do Itamaraty deixou uma lição que deveria servir como princípio básico para a sua atuação permanente: "a pasta das Relações exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna. Não venho servir a um partido político: venho servir ao Brasil”.

Para voltar a desempenhar o papel de relevo que sempre teve, o Itamaraty terá de adequar a política externa aos novos desafios internos e externos com dinamismo e inovação. Ao renovar-se e atualizar-se atendendo `as demandas dos novos tempos, terá de deixar para trás formalismos, posturas defensivas e  tendências burocrático-ideológicas,  que estão acarretando a perda de influência do Brasil na região e seu isolamento em um mundo em crescente transformação.

Servir ao Brasil e defender o interesse nacional é o que se deveria esperar do Itamaraty, acima de quaisquer outros interesses.

18 de setembro de 2013
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e Londres. Originalmente publicado no Estadão de 10 de setembro.

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