A Constituição declara que o transporte é um direito social dos cidadãos. Ao longo dos últimos 30 anos, a inscrição vem servindo de campo fértil para a demagogia prosperar. “Generosos” com o dinheiro alheio, políticos e governantes aprovaram um amontoado de gratuidades que hoje ajuda a levar à falência o sistema arduamente construído por décadas.
O sinal de alerta veio de Salvador. No jornal A Tarde de quinta-feira: “Concessionárias de ônibus pedem extinção do contrato com a Prefeitura”. Sim, é isso mesmo. Tomando prejuízos e endividadas, as empresas querem devolver o serviço ao dono das linhas. No caso, o município.
Pois é. Em dezenas de artigos publicados no O POVO ao longo de anos, venho avisando que esse cenário estava se construindo diante da omissão e negligência. Há sinais claros de que a falência do sistema se evidencia em rápida velocidade.
Em algumas linhas, as gratuidades ultrapassam 20% da quantidade de passageiros. Isso, sem contar a ilusão da meia, que custa 44% do valor da inteira mesmo que o estudante esteja indo ao shopping. Alguém paga pela farra. E quem paga não é esse ser etéreo chamado “cofre público”.
As gratuidades e as “meias” entram na cesta para compor o preço da passagem. Ou seja, a passagem grátis e o subsídio da meia são pagos pelo trabalhador que compra a inteira. Simples assim.
Outros fatores se unem à demagogia da generosidade com chapéu alheio para acelerar a deterioração do sistema. A recessão elevou o desemprego à índices estratosféricos e diminuiu a quantidade de “clientes” dentro dos ônibus. Quanto a isso, resta esperar que o país ingresse na fase de crescimento.
O terceiro fator surgiu em consequência das novas tecnologias: os aplicativos de transportes. Sim, as virtudes dos aplicativos têm implicações que merecem ser vistas com a devida atenção. Por oferecer transporte barato e eficiente (vizinhos vão juntos de Uber ao trabalho ou aos estudos, por exemplo), os aplicativos tiraram milhares de usuários dos coletivos.
Lembrem-se: o transporte por aplicativo utiliza a via pública, executa um serviço público de caráter essencial (assim classifica a Constituição), concorre com o ônibus (que a Prefeitura é obrigada a disponibilizar para toda a população), não transporta gratuidades e não paga nenhum imposto ou taxa ao município.
Nesse ponto, é claro que a taxação é o caminho e não combater o funcionamento dos aplicativos. No mais, o País precisa de regras que permitam a convivência adequada entre os diversos modais. Sem que um leve o outro à deterioração.
Na semana passada, meses após o prazo estabelecido nos contratos, a Prefeitura concedeu o reajuste nas tarifas de ônibus de Fortaleza. O próprio prefeito Roberto Cláudio reconheceu que o valor final ficou abaixo do valor determinado pela planilha, que é pública e controlada pela Prefeitura.
Trocando em miúdos, o sistema está em franco processo de inviabilização. Creiam, será uma crise de grandes proporções e com imenso poder de desorganizar a cidade.
Certamente, o prefeito está atento às possíveis correções. Acabar com a mania das gratuidades, que tem epicentro na Câmara Municipal, é tarefa urgente. Legalizar os aplicativos e cobrar a taxa para que funcionem é outra medida a ser adotada.
É claro que sempre há opção de desonerar o imposto incidente sobre insumos que sustentam o sistema. O ICMS do diesel, por exemplo, repercute diretamente no preço da tarifa. Ou seja, é o tipo de desoneração que de fato beneficia o trabalhador e não o empresário.
O fim do pagamento em dinheiro dentro do ônibus vai justificar a retirada dos cobradores. Segundo a planilha, estes representam 10% do preço da passagem. Seriam demitidos? Não, o sistema tem formas de acolher.
O trabalho de Roberto Cláudio nessa área tem sido exemplar. A perseverança em construir vias exclusivas para os coletivos e a busca de mais velocidade de tráfego dos ônibus mostram que a Prefeitura entende muito bem a importância do sistema para a cidade.
No mais, é usual mundo afora a cobrança de preços diferenciados de acordo com a demanda. Mais caro no pico. Mais barato nas outras horas (ocorre assim com transporte aéreo). Isso permitiria mudanças de hábitos. O comércio, por exemplo, poderia mudar sua hora de abrir as portas.
Enfim, o pior dos mundos é o desmonte do sistema de transporte coletivo.
07 de fevereiro de 2018
Fábio Campos é jornalista.
O sinal de alerta veio de Salvador. No jornal A Tarde de quinta-feira: “Concessionárias de ônibus pedem extinção do contrato com a Prefeitura”. Sim, é isso mesmo. Tomando prejuízos e endividadas, as empresas querem devolver o serviço ao dono das linhas. No caso, o município.
Pois é. Em dezenas de artigos publicados no O POVO ao longo de anos, venho avisando que esse cenário estava se construindo diante da omissão e negligência. Há sinais claros de que a falência do sistema se evidencia em rápida velocidade.
Em algumas linhas, as gratuidades ultrapassam 20% da quantidade de passageiros. Isso, sem contar a ilusão da meia, que custa 44% do valor da inteira mesmo que o estudante esteja indo ao shopping. Alguém paga pela farra. E quem paga não é esse ser etéreo chamado “cofre público”.
As gratuidades e as “meias” entram na cesta para compor o preço da passagem. Ou seja, a passagem grátis e o subsídio da meia são pagos pelo trabalhador que compra a inteira. Simples assim.
Outros fatores se unem à demagogia da generosidade com chapéu alheio para acelerar a deterioração do sistema. A recessão elevou o desemprego à índices estratosféricos e diminuiu a quantidade de “clientes” dentro dos ônibus. Quanto a isso, resta esperar que o país ingresse na fase de crescimento.
O terceiro fator surgiu em consequência das novas tecnologias: os aplicativos de transportes. Sim, as virtudes dos aplicativos têm implicações que merecem ser vistas com a devida atenção. Por oferecer transporte barato e eficiente (vizinhos vão juntos de Uber ao trabalho ou aos estudos, por exemplo), os aplicativos tiraram milhares de usuários dos coletivos.
Lembrem-se: o transporte por aplicativo utiliza a via pública, executa um serviço público de caráter essencial (assim classifica a Constituição), concorre com o ônibus (que a Prefeitura é obrigada a disponibilizar para toda a população), não transporta gratuidades e não paga nenhum imposto ou taxa ao município.
Nesse ponto, é claro que a taxação é o caminho e não combater o funcionamento dos aplicativos. No mais, o País precisa de regras que permitam a convivência adequada entre os diversos modais. Sem que um leve o outro à deterioração.
Na semana passada, meses após o prazo estabelecido nos contratos, a Prefeitura concedeu o reajuste nas tarifas de ônibus de Fortaleza. O próprio prefeito Roberto Cláudio reconheceu que o valor final ficou abaixo do valor determinado pela planilha, que é pública e controlada pela Prefeitura.
Trocando em miúdos, o sistema está em franco processo de inviabilização. Creiam, será uma crise de grandes proporções e com imenso poder de desorganizar a cidade.
Certamente, o prefeito está atento às possíveis correções. Acabar com a mania das gratuidades, que tem epicentro na Câmara Municipal, é tarefa urgente. Legalizar os aplicativos e cobrar a taxa para que funcionem é outra medida a ser adotada.
É claro que sempre há opção de desonerar o imposto incidente sobre insumos que sustentam o sistema. O ICMS do diesel, por exemplo, repercute diretamente no preço da tarifa. Ou seja, é o tipo de desoneração que de fato beneficia o trabalhador e não o empresário.
O fim do pagamento em dinheiro dentro do ônibus vai justificar a retirada dos cobradores. Segundo a planilha, estes representam 10% do preço da passagem. Seriam demitidos? Não, o sistema tem formas de acolher.
O trabalho de Roberto Cláudio nessa área tem sido exemplar. A perseverança em construir vias exclusivas para os coletivos e a busca de mais velocidade de tráfego dos ônibus mostram que a Prefeitura entende muito bem a importância do sistema para a cidade.
No mais, é usual mundo afora a cobrança de preços diferenciados de acordo com a demanda. Mais caro no pico. Mais barato nas outras horas (ocorre assim com transporte aéreo). Isso permitiria mudanças de hábitos. O comércio, por exemplo, poderia mudar sua hora de abrir as portas.
Enfim, o pior dos mundos é o desmonte do sistema de transporte coletivo.
07 de fevereiro de 2018
Fábio Campos é jornalista.
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