A economia brasileira recuou 0,2% em 2009, o pior resultado desde 1992. O investimento caiu quase 10% no ano, enquanto o consumo - tanto das famílias como do governo - puxou o resultado para cima, com aumento de aproximadamente 4%.
A transferência de recursos do governo e o crédito público fizeram com que a queda na atividade econômica não fosse um tsunami. Em termos relativos ao resto do mundo, até que o Brasil não ficou mal na foto, e o índice de ações da Bovespa mostra que os investidores voltaram a apostar no crescimento do país.
O problema é que tais estímulos artificiais não são sustentáveis; a inflação já começa a incomodar, com o mercado esperando mais de 5% no ano, o que gera a necessidade de aumento dos juros. Além disso, os gargalos de sempre permanecem, fazendo com que nossa economia experimente apenas voos de galinha.
Alguns dados produzem extremo desconforto nos investidores de longo prazo. A dívida pública já chega a R$ 1,5 trilhão, e o endividamento bruto cresce em ritmo acelerado. O governo apresenta déficit nominal crescente, parte explicada pelas medidas durante a crise.
O crédito público já representa quase a metade do total de financiamento no país: ele saiu de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) em meados de 2008 para quase 20% no final de 2009. O grau de alavancagem dos bancos estatais experimentou um crescimento assustador, ainda mais se comparado ao ocorrido nos bancos privados, que reduziram seu risco.
O crédito imobiliário foi o que mais cresceu, com aumento de 40% em 2009. A base ainda é pequena, mas o crescimento na margem, principalmente por meio do programa "Minha Casa, Minha Vida", eleva o risco do sistema de crédito como um todo.
O prazo médio do empréstimo para pessoa física cresce sem parar, tendo saído de pouco mais de 300 dias corridos no começo de 2006 para mais de 500 dias corridos atualmente. Os desembolsos do BNDES dispararam, saltando de cerca de R$ 50 bilhões em 2006 para quase R$ 140 bilhões ano passado. Algo como 85% desses desembolsos vão para grandes empresas.
A despesa com pessoal da União subiu R$ 25 bilhões em apenas dois anos. As transferências por meio do programa Bolsa Família aumentam a cada ano. Tais medidas não são anticíclicas como alega o governo, pois não serão desfeitas com a recuperação já em curso da economia.
Elas estimulam o crescimento no curto prazo, mas sob pilares de areia, uma vez que a poupança e os investimentos em capital produtivo não crescem praticamente nada. Com uma poupança de pouco mais que 15% do PIB, o país não consegue plantar as sementes de um crescimento mais sustentável.
Para agravar as perspectivas de longo prazo, o rombo previdenciário superior a R$ 40 bilhões por ano parece uma bomba-relógio, apesar da demografia favorável no país. A carga tributária já está em patamares escandinavos, apesar dos serviços "africanos".
A concentração da arrecadação tributária em Brasília aumenta a cada ano, matando na prática o federalismo. Isso serve para reduzir a eficiência na alocação dos recursos escassos, uma vez que as decisões acabam sendo políticas, e a corrupção drena boa parte das verbas. Os investimentos necessários não são realizados, e os gargalos, como infraestrutura, energia e qualificação da mão de obra, impedem um voo de águia em nossa economia.
Uma sociedade de cigarras, sem tantas formigas, acaba sempre se dando mal quando a conta chega. A Grécia pode atestar isso de forma lamentável. A realidade não pode ser ignorada por muito tempo.
Crescer só com base no crédito estatal e no consumo, sem a contrapartida de mais poupança e investimento, não é um modelo de desenvolvimento sustentável. Sem reformas estruturais, e sem uma drástica redução do governo na economia, o país estará sempre vulnerável aos choques externos e aos limites internos. Não podemos nos deixar enganar pela aparente tranquilidade, achando que a "marolinha" passou. O crescimento atual conta com muitos fatores artificiais e cíclicos, ou seja, insustentáveis. Precisamos de mais formigas e menos cigarras.
O Ibovespa surfa a boa onda do momento brasileiro, principalmente diante de um mundo em frangalhos. Mas até quando este cenário pode durar ninguém sabe. O risco de um superaquecimento chinês ainda existe, assim como a delicada questão europeia. Nos Estados Unidos, tudo indica que a recuperação econômica será bastante lenta, justificando a manutenção da taxa de juros em quase zero. Mas no dia em que esta moleza acabar, seria crucial que o Brasil estivesse preparado para crescer sem depender dos estímulos artificiais do governo.
08 de fevereiro de 2018
Rodrigo Constantino
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