A nova lei de sanções contra a Rússia, aprovada no Senado dos EUA por 98 a 2 no último dia 15, é um bomba: demoniza diretamente o gasoduto submarino Ramo Norte 2, por baixo do Mar Báltico, previsto para duplicar a capacidade da empresa russa Gazprom para fornecer gás para a Europa. O gasoduto, de 9,5 bilhões de euros, está sendo financiado por cinco corporações: as alemãs Uniper e Wintershall; a austríaca OMV; a francesa Engie; e a anglo-holandesa Shell. Todas essas gigantes operam na Rússia e já tem, ou logo terão, contratos com a Gazprom.
Numa declaração conjunta, o ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Sigmar Gabriel, e o chanceler austríaco Christian Kern destacaram que “o fornecimento de energia à Europa é questão europeia, não dos EUA”, acrescentando que “instrumentos para sanções políticas não devem ser atados a interesses econômicos” e a coisa toda anuncia “um traço novo e muito negativo nas relações Europa-EUA”.
SANÇÕES DOS EUA – Um corretor de petróleo no Golfo disse-me, sem meias palavras, que “as novas sanções dos EUA contra a Rússia são simplesmente um ‘recado’ para que a União Europeia passe a comprar gás caro dos EUA, em vez de gás barato, da Rússia. Basicamente alemães e austríacos já disseram aos americanos que caiam fora.”
Uma fonte importante na inteligência dos EUA, com base no Oriente Médio, destaca o modo como “o Senado dos EUA, em votação quase unânime decidiu declarar guerra à Rússia (sanções são guerra) e a Alemanha já ameaçou retaliar contra os EUA se as sanções forem aplicadas. A Alemanha acusou os EUA de tentar parar a construção do gasoduto Ramo Norte 2 da Rússia para a União Europeia, para que os EUA possam exportar seu gás natural para a UE, o que tornaria a União Europeia dependente dos EUA.”
FIM DA OTAN – O problema é que há um efeito que pode modificar completamente todo o quadro político internacional. Se for iniciada uma guerra comercial entre União Europeia e EUA, isso significa o fim da OTAN.
Obviamente, os Brexitistas suspeitos de sempre estão caindo como chuva de raios contra o “gasoduto Molotov-Ribbentrop 2” – mais uma expressão que serve como marca registrada da paranoia polonesa.
Já demonizam até a Alemanha por aceitar negócios com a Rússia, “minando a segurança e os interesses econômicos da Europa Oriental e Central” e – sim, sim, podem rolar de rir! – minando também o “apoio emocional que os EUA dão à OTAN.” É tanta “emoção” que já há inclusive uma sórdida acusação de traição: “Sabemos de que lado está a Polônia. E de que lado está a Alemanha?”
OUTRO RESULTADO – Realmente inesquecível nesse caso todo é que o gasoduto Ramo Norte 2, na prática, enterra em boa hora os $2 bilhões que o estado falido da Ucrânia esperava receber como taxa ‘de passagem’ do gasoduto anteriormente planejado.
Todos os velhos suspeitos de sempre são contra o gasoduto Ramo Norte 2: Polônia; os países do Báltico; Washington e também os estados nórdicos. O principal argumento oficial é que o gasoduto “fere a segurança energética da União Europeia”. Aí já é piada-monstro, porque a União Europeia não faz outra coisa além de se autoameaçar e ferir-se em intermináveis discussões sobre “segurança energética” em Bruxelas, há mais de uma década.
“ATO DE GUERRA” – O analista Peter G. Spengler qualifica a lei do Senado dos EUA como “ato de guerra declarado mas não executado ainda, um ato de guerra (sanções são atos de guerra) contra Alemanha e Áustria diretamente, e indiretamente contra estados que possivelmente receberão o gás russo dentro da UE.”
Spengler chama atenção para o Acordo para Cooperação Econômica entre República Federal da Alemanha e a URSS de 1978, previsto para durar 25 anos: “Aquele acordo, com todos os tratados vigentes então entre Alemanha Ocidental e a União Soviética foi a base sobre a qual [Helmut] Kohl pode construir sua ‘Haus Europa’ [Europa nossa casa] com a União Soviética/Rússia a partir do verão de 1989 em Bonn.”
Crucialmente, esse acordo também incluiu um triângulo de transporte de gás entre Moscou, Teerã e Bonn, e foi “combatido furiosamente, mas na mais completa clandestinidade, pelo governo Carter, mais uma dentre tantas guerras silenciosas dos EUA contra a República Federal da Alemanha, naqueles anos”. E adivinhem quem tentava sabotar aquele acordo, naqueles anos? O recentemente falecido “xadrezista de Grande Tabuleiro” e polonês Zbigniew Brzezinski, Secretário de Estado dos EUA.
NADA MUDOU – Assim sendo, nada mudou muito desde o final dos anos 70: é sempre Washington tentando demonizar Teerã e Moscou. A lei do Senado dos EUA relacionada à Rússia é uma espécie de ‘lembrei a tempo’, acrescido ao pacotaço linha duríssima contra o Irã, a “Lei de 2017 Contra as Atividades de Desestabilização empreendidas pelo Irã”, à qual se acrescentaram as sanções contra a Rússia.
Tampouco é por acaso que as sanções do Senado dos EUA ataquem a energia: essa retaliação é subproduto de uma feroz guerra de energia. Mas o que, de fato, o Senado dos EUA está tentando fazer? Podem chamar de “destruição criativa (lucrativa)”.
ESTRATÉGIA DOS EUA – O Senado está convencido que o Ramo Norte 2 “fará concorrência às exportações de gás natural liquefeito dos EUA para a Europa”. Assim sendo, o governo dos EUA “deve dar prioridade às exportações norte-americanas de recursos energéticos, para criar empregos nos EUA, ajudando aliados e parceiros e fortalecendo a política exterior dos EUA”.
A lei do Senado terá de ser ratificada pela Câmara de Deputados; a votação não acontecerá antes de concluída a reunião do G-20 em Hamburgo. Depois disso estará convertida em lei – assumindo-se que o presidente Trump não a destrua antes.
MELHOR IGNORAR – A questão- chave é uma cláusula não obrigatória para que o Tesouro dos EUA aplique sanções àquelas cinco empresas ocidentais envolvidas na construção do Ramo Norte 2. Se a lei for aprovada, o melhor que a Casa Branca poderá fazer será ignorá-la. Se não for assim, Alemanha, Áustria e França interpretarão definitivamente toda a ‘operação’, como declaração de guerra.
Trump e a chanceler Angela Merkel estarão em muito evidente rota de colisão no G-20. A lei das sanções contra a Rússia apenas se somará a uma confusão infernal. Esperem muitos fogos de artifício, que “celebrarão” os encontros bilaterais em Hamburg. (Artigo enviado pelo jornalista Sergio Caldieri)
06 de julho de 2017
Pepe EscobarSputnikNews
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