Será que se pode dizer que nasceu uma “beleza terrível” no baixo ventre da OTAN — tomando emprestadas as palavras do poeta anglo-irlandês Y. B. Yeats? Moscou revelou na quinta-feira que foi concluído o contrato entre Rússia e Turquia para venda de sistemas de mísseis de defesa de longo alcance. O conselheiro do presidente Putin para cooperação militar e técnica Vladimir Kozhin disse que “o contrato está feito e tudo está resolvido exceto a questão de um empréstimo, de fundos, ainda não está acertada”. A imprensa russa noticiou que a Turquia pediu um empréstimo para financiar a compra, e Moscou está considerando ativamente a ideia.
Poucas horas depois da “notícia extraordinária”, o presidente Donald Trump dos EUA já estava no telefone com o presidente da Turquia Recep Erdogan. O press-release da Casa Branca disse que Trump discutiu “vários assuntos” com Erdogan, inclusive modos de superar o conflito entre Qatar e Arábia Saudita, e que “garantiu que todos os países trabalham para pôr fim ao financiamento de terroristas e para combater a ideologia extremista”. Isso posto, Trump enfatizou “a importância de todos nossos aliados e parceiros aumentarem seus esforços para combater o terrorismo e o extremismo em todas as suas formas.”
PRESSÃO DOS EUA – O enviado especial do presidente dos EUA à Coalizão Global contra o ISIS, Brett McGurk, também aterrissou em Ancara. A Turquia ameaçou atacar os curdos sírios que se aliaram aos EUA no norte da Síria. Muito interessante: nem bem a conversa com Trump terminara, Erdogan telefonou ao presidente Vladimir Putin da Rússia. O press-release do Kremlin disse que “a discussão focou aspectos chaves do acordo sírio à luz da próxima 5ª Rodada do Encontro Internacional sobre a Síria em Astana, marcada sob a égide de Rússia, Turquia e Irã para o início de julho.”
NOVO ENCONTRO – Fonte ‘presidencial’ turca não identificada repercutiu mais tarde que Erdogan e Putin decidiram encontrar-se “cara a cara” à margem da reunião do G-20 em Hamburgo, semana que vem. Por falar nisso, é a segunda vez em uma semana que os presidentes da Rússia e da Turquia conversam.
Putin telefonou a Erdogan dia 23 de junho, para marcar data para o lançamento oficial dos trabalhos de construção do trecho submarino do gasoduto “Ramo Turco”. O gasoduto submarino de 900 quilômetros, com custo estimado em cerca de $13 bilhões, levará gás russo até a Turquia e sul da Europa. O primeiro trecho do gasoduto já estará pronto ano que vem, o segundo, no final de 2019.
A transcrição da conversa, dia 23 de junho, é amostra da transformação fenomenal que houve nas relações russo-turcas. Putin e Erdogan são acionistas também em nível pessoal dessa operação, navegando águas agitadas depois que a Turquia derrubou um Sukhoi Su-24 russo, em novembro de 2015. Para a Rússia, a Turquia sempre foi historicamente rival indomável. Para a Turquia, claro, seu ‘Olhar para o Oriente’ cria espaço para negociar efetivamente com parceiros ocidentais simulados, grosseiros, nunca confiáveis.
MUITOS INTERESSES – Há de fato muitas camadas nas relações russo-turcas – em que se sobrepõem interesses na Síria e no Mediterrâneo Oriental, no Mar Negro e nos Bálcãs, no Cáucaso etc., cooperação econômica mutuamente proveitosa, o crescimento do Irã como potência regional, o islamismo no Oriente Médio, segurança no campo da energia e por aí vai –, mas o xis da questão é que o esfriamento cada vez mais rápido nas relações Rússia-EUA coincidiu com o agravamento das contradições nas relações Turquia-EUA. Tudo isso considerado, a decisão da Turquia, de comprar o Sistema de Defesa Aérea S-400 Triumf russo, é ao mesmo tempo simbólica e estratégica.
Erdogan está afirmando sua política externa independente e expondo um importante desafio estratégico contra os EUA. A decisão de comprar o sistema russo de mísseis antibalísticos vem carregada de consequências monstros; primeiro, porque, ao instalar armamento russo em solo turco, a Turquia perderá acesso aos sinais da OTAN; e para a OTAN, no caso de conflito regional, seu equipamento aéreo não conseguirá operar em áreas vizinhas do sistema S-400 russo instalado na Turquia.
Mas fato é que a Turquia é grande potência da OTAN, atrás só dos EUA em forças convencionais – e não é pouca coisa conseguir arrancá-la da barraca da OTAN, para uma parceria com o principal adversário da Aliança. No processo, a Rússia também desafiou a eficácia da estratégia dos EUA para criar um arco em torno da Rússia com o sistema de mísseis balísticos da OTAN. E também enfraqueceu o plano de jogo dos EUA, que contavam estabelecer presença permanente no Mar Vermelho.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Mais um artigo enviado por Sergio Caldeiri que revela o jogo político no Oriente Médio, sem o filtro da imprensa ocidental. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Mais um artigo enviado por Sergio Caldeiri que revela o jogo político no Oriente Médio, sem o filtro da imprensa ocidental. (C.N.)
04 de julho de 2017
MK Bhadrakumar
Indian Punchline
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