No início de fevereiro, uma voz de peso no Judiciário brasileiro, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ergueu-se contra o que chamou de ‘prisões alongadas da Lava Jato’. Três semanas depois, sem citar nomes daqueles que lançam ‘críticas genéricas’ às prisões preventivas decretadas no âmbito da Operação Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro assinalou no decreto de prisão dos lobistas Jorge e Bruno Luz, apontados como operadores de propinas do PMDB, que atualmente há somente sete presos provisórios sem julgamento no âmbito da maior investigação já desfechada contra a corrupção no País.
Ao mandar prender Jorge e Bruno Luz, na Operação Blackout – deflagrada nesta quinta-feira, 23 -, o juiz da Lava Jato destacou a importância do papel de alguns protagonistas do esquema de corrupção instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014, como ex-diretores da estatal petrolífera.
RESULTADOS – “Em que pesem as críticas genéricas às prisões preventivas decretadas na assim denominada Operação Lava Jato, cumpre reiterar que atualmente há somente sete presos provisórios sem julgamento, e que a medida, embora drástica, foi essencial para interromper a carreira criminosa de Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás), Renato de Souza Duque (Serviços), Alberto Youssef (doleiro) e de Fernando Soares (Fernando Baiano, operador do PMDB), entre outros”, disse o juiz.
Moro observou, ainda, que as prisões que decretou desde que a Lava Jato eclodiu, em março de 2014, ‘interromperam, espera-¬se que em definitivo, a atividade do cartel das empreiteiras e o pagamento sistemático pelas maiores empreiteiras do Brasil de propinas a agentes públicos, incluindo o desmantelamento do Departamento de Propinas de uma delas’ – uma referência à Odebrecht.
“A prisão preventiva, embora excepcional, pode ser utilizada, quando presente boa prova de autoria e de materialidade de crimes graves, e a medida for essencial à interrupção da prática profissional de crimes e assim proteger a sociedade e outros indivíduos de novos delitos”, assinalou o magistrado.
CORRUPÇÃO SISTÊMICA – “Não se trata de menosprezar o valor da liberdade em uma sociedade livre”, acentuou Moro, acrescentando:
“Na assim denominada Operação Lava Jato, identificados elementos probatórios que apontam para um quadro de corrupção sistêmica, nos quais ajustes fraudulentos para obtenção de contratos públicos e o pagamento de propinas a agentes públicos, a agentes políticos e a partidos políticos, bem como o recebimento delas por estes, passaram a ser vistas como rotina e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não anormal”, advertiu o juiz titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, base da espetacular operação.
RITMO ACELERADO – O juiz da Lava Jato tem adotado um ritmo acelerado nos processos sob sua alçada – enquanto o Supremo Tribunal Federal vai capengando nas ações que envolvem políticos com foro privilegiado.
“Além do risco à ordem pública, presente igualmente risco à aplicação da lei penal, considerando que os investigados Jorge Antônio da Silva Luz e Bruno Gonçalvez Luz controlam diversas contas secretas no exterior, nas quais circularam ativos milionários, e com tais recursos teriam facilidade em evadir-¬se do país e furtarem-¬se a apuração de suas responsabilidades”, assim fundamentou Moro o decreto de prisão dos operadores do PMDB.
PRISÕES CAUTELARES – “Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da Lava Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe¬-se a prisão preventiva para debelá-¬la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso.”
Moro reiterou alerta que faz quando autoriza a deflagração de nova etapa da Lava Jato. “Se os custos do enfrentamento hoje são grandes, certamente serão maiores no futuro. O país já paga, atualmente, um preço elevado, com várias autoridades públicas denunciadas ou investigadas em esquemas de corrupção, minando a confiança na regra da lei e na democracia.”
“Não há como ocultar essa realidade sem ter que enfrentá-¬la na forma da lei”, seguiu o magistrado.
APLICAÇÃO DA LEI – Para ele, ‘impor a prisão preventiva em um quadro de corrupção e lavagem de dinheiro sistêmica é aplicação ortodoxa da lei processual penal’.
Em outro trecho de sua decisão na Operação Blackout, Sérgio Moro chama a atenção para o rombo bilionário na Petrobrás e o envolvimento de políticos. “Excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada pelos processos na Operação Lava Jato, com prejuízos já assumidos de cerca de seis bilhões de reais somente pela Petrobrás e a possibilidade, segundo investigações em curso no Supremo Tribunal Federal, de que os desvios tenham sido utilizados para pagamento de propina a dezenas de parlamentares, comprometendo a própria qualidade de nossa democracia.”
CRIMES SERIAIS – Ainda sobre Jorge e Bruno Luz, escreveu o juiz. “Em relação às condutas dos investigados Jorge Antônio da Silva Luz e Bruno Gonçalves Luz, a dimensão e o caráter serial dos crimes, com intermediação reiterada de pagamento de vantagem indevida a diversos agentes públicos, pelo menos dois Diretores e dois gerentes da Petrobrás, em pelo menos cinco contratos diferentes da Petrobrás, aliada à duração da prática delitiva por anos e a sofisticação das condutas delitivas, com utilização de contas secretas em nome de off¬shores no exterior, cinco já identificadas, sendo quatro comprovadamente utilizadas para repasses de propinas, é indicativo de atuação criminal profissional.”
Na assim denominada Operação Lavajato, identificados elementos probatórios que apontam para um quadro de corrupção sistêmica, nos quais ajustes fraudulentos para obtenção de contratos públicos e o pagamento de propinas a 23/02/2017 agentes públicos, a agentes políticos e a partidos políticos, bem como o recebimento delas por estes, passaram a ser vistas como rotina e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não anormal.
EXEMPLO DOS EUA – Ao sustentar que não está menosprezando o valor da liberdade, o juiz transcreveu trecho de decisão da Suprema Corte ¬americana em United States v. Salerno, U.S 739, 107 (1987).
“Não minizamos a importância e a natureza fundamental deste direito (a liberdade). Mas, como o caso revela, este direito pode, em circunstâncias nas quais o interesse comunitário é suficientemente relevante, ser subordinado às necessidades maiores da sociedade. (…) Quando as autoridades demonstram através de provas claras e convincentes que um acusado representa uma ameaça identificada e articulada para outro indivíduo ou para a sociedade, nós acreditamos que, de forma compatível com o devido processo legal, uma Corte judicial pode desabilitar o acusado de executar tal ameaça. Nessas circunstâncias, nós categoricamente não podemos concordar que uma prisão anterior ao julgamento ‘ofende princípios de justiça estabelecidos nas tradições e consciências de nosso povo ao ponto de ser considerado fundamental’.”
24 de fevereiro de 2017
Ricardo Brandt, Julia Affonso e Mateus Coutinho
Estadão
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