"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

DECISÃO QUE LIBERTOU BRUNO PODE SOLTAR TODOS OS PRESOS DA LAVA JATO

A decisão pessoal, unilateral ou monocrática – não importa o nome – do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que mandou soltar o ex-goleiro Bruno é tão surpreendente quanto a decisão do mesmo ministro, também monocrática, que décadas atrás mandou colocar Salvatore Cacciola em liberdade para, em seguida, o banqueiro fugir para Itália. 
Mas não é de Bruno e Cacciola que vamos tratar. Nem de ser justa ou não a decisão do ministro. 
O assunto é outro e parece que vai passar despercebido pelo povo brasileiro e até mesmo por juristas menos atentos e avisados, entre os que devotam seu tempo às questões de Direito. Então, que a Tribuna da Internet saia na frente, porque mais cedo ou mais tarde os doutores vão dar conta do que aconteceu.
No ano passado o STF decidiu que condenação criminal proferida por um tribunal obriga o condenado a cumprir a pena, ainda que caiba recurso. 
O ex-goleiro foi condenado a 22 anos de reclusão por um tribunal. Sim, por um tribunal, uma vez que o júri é um tribunal. Daí o nome que lhe dá a Constituição Federal e o Código de Processo Penal: Tribunal do Júri.
DECISÃO SOBERANA – Sabe-se que toda decisão do Tribunal do Juri é soberana, porque dele participam como juízes 7 representantes do povo, que são os jurados. Quando reunidos para julgar, recebem o conjunto deles o nome de Conselho de Sentença. 
As sessões do Tribunal do Juri são presididas por um Juiz de Direito, juiz togado, que tem atuação limitada à inquirição do réu, das testemunhas, da formulação dos quesitos que os jurados em sala secreta respondem e da fixação da pena. Qualquer que seja a decisão dos jurados, ela é absoluta e irrevogavelmente soberana, seja condenatória ou não.
Os Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais Federais, ao julgar recurso contra a decisão do corpo de jurados, ou seja, contra decisão do Tribunal do Júri, não podem substituir a vontade da maioria do Conselho de Sentença. Os referidos tribunais podem até anular a decisão e mandar o réu a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Quanto à pena fixada pelo juiz que presidiu o julgamento, os tribunais podem até corrigir a dosimetria, muito embora exista um princípio jurídico herdado do Direito Romano que proíbe o aumento da pena (“Non Reformatio In Pejus” = Não Reformar Para Piorar). Nada mais além disso. 
Daí se conclui que o júri é um Tribunal, que suas decisões são únicas e soberanas e que qualquer outro tribunal não pode absolver se o júri condenou, nem condenar se o júri absolveu.
O CASO DE BRUNO – Ora, pesa contra o ex-goleiro Bruno decisão condenatória proferida por um tribunal colegiado. Seu recolhimento ao cárcere – mesmo existindo possibilidade de recurso, interposto ou não –,  se não era obrigatório, passou a ser, depois que o STF decidiu que réu condenado por tribunal deve ser recolhido à prisão. 
Logo, a prisão de Bruno tornou-se mais consistente e segura após a decisão do STF do ano passado.
É de se crer que o ex-goleiro não poderia ter ganho a liberdade, mesmo já se achando preso por mais de 6 anos. A condenação foi de 22 anos de reclusão. Mas também não é a questão do ex-goleiro que está em causa. 
O ministro decidiu e Bruno deve ser solto, imediatamente e sem delongas. Segundo a assessoria do STF, Marco Aurélio entendeu que Bruno tem direito a responder em liberdade enquanto aguarda o resultado dos recursos à condenação. Ordem judicial se cumpre. Só Renan Calheiros é que é o único brasileiro com salvo-conduto para descumpri-la e desafiá-la.
RISCO À LAVA JATO – O alcance desta liminar de hoje do ministro Marco Aurélio é que demanda atenção e o máximo cuidado para os defensores da Lava Jato e de outras operações contra a corrupção. 
Isto porque, sem denúncia apresentada ou apresentada e já recebida, há muitos políticos e empresários presos provisória ou preventivamente. E sem tempo determinado.  E outros também presos por já terem sido condenados. Mas são prisões decretadas pela primeira instância, a maior parte delas pelo juiz federal Sérgio Moro.
Ora, se o ex-goleiro, que já sofreu condenação de 22 anos de reclusão pelo Tribunal do Júri, foi posto em liberdade, por que os demais, que nem julgados foram, ou que apenas foram condenados pela primeira instância, devem continuar presos? Tudo está conexo. Tudo está ligado. Todos não são iguais perante a lei?
Investigados, indiciados e mesmo os condenados na Lava Jato e que estão recolhidos ao cárcere, todos certamente irão citar a decisão de hoje do ministro Marco Aurélio para também dar entrada com pedidos de habeas-corpus no STF. De Bruno a Cabral, somos todos iguais perante a lei.
SOLTAR OS CORRUPTOS – O certo é que a decisão de hoje do STF abre uma ampla e larguíssima porta para fulminar a Lava Jato e outras investigações contra a corrupção e livrar os corruptos das cadeias onde se encontram ou estão a caminho.
Se Bruno, condenado por um tribunal, foi posto em liberdade, por que então não libertar também Sérgio Cabral & Cia., que nem julgados foram por um juiz de primeira instância? E nem se alegue excesso de prazo, uma vez que no caso Bruno, o recurso do ex-goleiro está à espera de julgamento há quatro anos.
E as prisões provisórias e preventivas dos corruptos que nem prazo de duração têm? Se uma condenação, final e definitiva, à pena de encarceramento e contra a qual não caiba mais recurso, sempre há prazo para começar e terminar, por que não haverá de ter um decreto de prisão provisória ou preventiva? 
Afinal, pena de morte e de prisão perpétua não existem no Brasil.

24 de fevereiro de 2017
Jorge Béja

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