O advogado Jorge Béja diz que detesta o pecado, mas não o pecador. Por causa disso, decidiu pedir à Justiça a liberdade do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) sem que o político preso suspeito de comandar um esquema de corrupção envolvendo obras públicas o contratasse para isso — o pedido já foi negado pelo Tribunal Regional Federal.
Béja pediu o habeas corpus no último dia 21, por iniciativa própria. Repetiu a atitude que se acostumou a tomar em 45 anos de profissão.
Nesse período, ele defendeu voluntariamente famílias de detentos mortos em presídios, de vítimas da chacina da Candelária (1993) e do naufrágio do Bateau Mouche (1988).
Nesse período, ele defendeu voluntariamente famílias de detentos mortos em presídios, de vítimas da chacina da Candelária (1993) e do naufrágio do Bateau Mouche (1988).
QUESTIONOU CABRAL – Procurado pelo UOL, Béja escreveu seis e-mails para explicar sua iniciativa e sua relação com Sérgio Cabral.
Disse que o conheceu quando o ex-governador ainda era presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio) — Cabral ocupou o cargo entre 1995 e 2002. Afirmou que anos atrás chegou a indagar Cabral sobre as suspeitas de corrupção em seu governo e que o político negou os malfeitos.
Disse que o conheceu quando o ex-governador ainda era presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio) — Cabral ocupou o cargo entre 1995 e 2002. Afirmou que anos atrás chegou a indagar Cabral sobre as suspeitas de corrupção em seu governo e que o político negou os malfeitos.
Mesmo assim, Béja não questiona a investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre Cabral. Para ele, entretanto, o governador não deveria ter sido preso, pois ainda não fora condenado. “Prenderam primeiro para investigar depois”, escreveu em uma das mensagens.
O UOL procurou a defesa do ex-governador por e-mail e telefone, duas vezes, para comentar a atitude do advogado e as suspeitas sobre o político, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
TRECHOS DE BÉJA – Leia abaixo trechos das mensagens enviadas por Béja, que nega manter qualquer relação com Cabral:
“Tenho 70 anos de idade, dos quais 45 dedicados à advocacia. Sempre advoguei para vítimas de tragédias, de acidentes, de erros médicos. Fiz 33 ações contra o Estado do Rio pedindo indenização às famílias de detentos mortos nos presídios. Trabalhei de graça e por um ideal. Defendi vítimas da chacina da Candelária, [da queda] do edifício Palace II, [do naufrágio] do Bateau Mouche, da queda do Elevado Paulo de Frontin…
Conheci Cabral quando ele era presidente na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio). Fui até ele levar, já pronto e redigido, dois projetos de lei de minha iniciativa. Um, para dar prioridade à tramitação na Justiça os processos das pessoas idosas. Outro, para aumentar o prazo para a abertura de inventário sem pagamento de multa.
Meses depois, Cabral me ligou para me convidar para almoçar. Indiquei o restaurante XIV Bis, no aeroporto Santos Dumont, que já conhecia.
Sempre que ia lá tocava no piano de cauda próximo às mesas. Lá nos encontramos. Depois do almoço, toquei duas peças de Mozart e o “Clair de Lune”, de Débussy. Terminado o almoço, cada um foi para seu lado. Nunca mais vi ou falei com Cabral.
Sempre que ia lá tocava no piano de cauda próximo às mesas. Lá nos encontramos. Depois do almoço, toquei duas peças de Mozart e o “Clair de Lune”, de Débussy. Terminado o almoço, cada um foi para seu lado. Nunca mais vi ou falei com Cabral.
Ele depois foi senador. Sempre votei nele. Quando o morro do Alemão foi tomado, passei mensagem e-mail para ele, felicitando. Naquela ocasião chamei Cabral de herói e bem-aventurado, numa alusão ao Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os pacificadores porque deles é o reino dos céus”.
Anos depois, quando surgiram as notícias de corrupção, mandei enérgico e duro e-mail para ele, indagando a respeito. Ele respondeu, me chamou de “prezado mestre Dr. Béja” e negou tudo. Isso me tranquilizou.
Agora, quando ele foi preso, me senti abalado. E 48 horas depois da prisão dei entrada no TRF (Tribunal Regional Federal) com o habeas corpus para libertá-lo. Fiz isso por conta própria. Ninguém me pediu. Qualquer cidadão pode impetrar habeas corpus para si ou para outrem.
Na peça não rebati as acusações da Polícia Federal e do Ministério Público, mesmo porque não era advogado de Cabral. Indaguei à Justiça sobre para que servia a prisão preventiva de Cabral, uma vez que todas as diligências referentes às medidas cautelares de arresto, sequestro e bloqueio de bens móveis e imóveis pertencentes a ele e sua mulher já estavam cumpridas.
Argumentei que Cabral, em 24 horas, foi despojado da disponibilidade de todos os seus bens. Que ele não estava indiciado em inquérito policial, nem era réu em ação penal. Que tinha endereço certo e folha penal limpa.
Que a prisão preventiva violava o princípio da inocência. Que sua reclusão ao cárcere era a imposição de uma pena de um processo inexistente. Que ele nem foi ouvido.
Que prenderam primeiro para investigar depois. Que um condenado só é recolhido à prisão após o trânsito em julgado da condenação.
Que a prisão preventiva violava o princípio da inocência. Que sua reclusão ao cárcere era a imposição de uma pena de um processo inexistente. Que ele nem foi ouvido.
Que prenderam primeiro para investigar depois. Que um condenado só é recolhido à prisão após o trânsito em julgado da condenação.
Ou seja, o habeas corpus abordou apenas questões processuais. O desembargador federal Abel Gomes indeferiu o pedido. Considerou que eu tinha feito considerações abstratas. Eu não quis insistir com recurso. Me senti sozinho. E mal interpretado por pedir a libertação de um ex-governador acusado de corrupção.
Esperava que todas as acusações contra o Cabral não fossem verdadeiras, porque iria sofrer muito mais do que sofri ao ver Cabral posto à execração pública. Detesto o pecado, mas não o pecador.
Faz perto de cinco anos que não vou mais ao meu escritório. Vivo só com minha esposa (somos casados há 45 anos). E assim repito a passagem do El Cid, de Corneille: “Je demeure immobile avec mon âme abattue. Ou seja, permaneço imóvel, com minha alma abatida.”
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG (1)
Como se vê. Dr. Béja foi mais um dos milhões de brasileiros que se iludiram com Serginho Cabral. Eu também fui um deles. Ajudei muito no início da carreira dele, levei-o ao “Sem Censura”, abri espaço para ele na mídia. No lançamento de sua primeira candidatura, a deputado estadual, eu estava lá, na mesa principal da Churrascaria Copacabana, junto ao pai e à mãe, Sérgio Cabral e Magali, ao sogro Gastão Neves, ao senador Artur da Távola e ao deputado Francisco Dornelles, a mesa era pequena. Ele se elegeu, no início era tão cioso que recusou o carro oficial, dirigia um modesto Voyage, a gente se orgulhava dele, eu então o levei para participar do programa “Bate Boca”, na TV Manchete, junto com Eduardo Mascarenhas (era deputado), Garotinho (ex-prefeito de Campos), Lindbergh Farias (presidente da UNE) e mais uma porção de debatedores. Depois, Cabral mostrou que era um farsante, agora espero que nunca mais saia da cadeia.
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG (1)
Como se vê. Dr. Béja foi mais um dos milhões de brasileiros que se iludiram com Serginho Cabral. Eu também fui um deles. Ajudei muito no início da carreira dele, levei-o ao “Sem Censura”, abri espaço para ele na mídia. No lançamento de sua primeira candidatura, a deputado estadual, eu estava lá, na mesa principal da Churrascaria Copacabana, junto ao pai e à mãe, Sérgio Cabral e Magali, ao sogro Gastão Neves, ao senador Artur da Távola e ao deputado Francisco Dornelles, a mesa era pequena. Ele se elegeu, no início era tão cioso que recusou o carro oficial, dirigia um modesto Voyage, a gente se orgulhava dele, eu então o levei para participar do programa “Bate Boca”, na TV Manchete, junto com Eduardo Mascarenhas (era deputado), Garotinho (ex-prefeito de Campos), Lindbergh Farias (presidente da UNE) e mais uma porção de debatedores. Depois, Cabral mostrou que era um farsante, agora espero que nunca mais saia da cadeia.
NOTA DA REDAÇÃO (2) – Quanto à matéria do UOL, está incompleta. O repórter não menciona outros importantes habeas corpus impetrados por Béja. Eu conheço, pelo menos, três deles.
O primeiro, em 1980, para que o cacique Juruna pudesse viajar à Holanda e participar do Tribunal Bertrand Russel. Juruna foi impedido pelo governo brasileiro de viajar. O HC foi aprovado pelo antigo Tribunal Federal de Recursos por 33 a 0. E Juruna viajou.
O segundo foi para a paciente Dilma Fernandes, em 1990, Béja leu nos jornais que ela fora internada no Souza Aguiar e os ratos da enfermaria estavam comendo sua perna. Dilma estava com paralisia cerebral e engessada dos pés até a cintura. Com o emagrecimento, suas pernas ficaram fininhas. O gesso ficou largo e permitiu que os ratos comessem suas carnes das pernas. O HC foi concedido. Béja foi com a polícia no HSA. Dilma foi removida. A enfermaria fechada. E o juiz determinou a abertura de inquérito policial contra o diretor do HSA.
O terceiro habeas foi em 1992. Sob pressão dos chineses, o Brasil negou visto de entrada do 14º Dalai Lama, Tenzin Guiatzu e sua comitiva para participar da Eco 92.
Também, por conta própria e sozinho, Béja foi a Brasilia e deu entrada num HC para o Dalai Lama e sua comitiva viajarem ao Brasil. O STJ proveu o recurso e o líder tibetano veio ao Rio. Convidou Béja e a esposa Clarinda para serem recebidos no Sumaré, onde Dom Eugênio Sales hospedou o Dalai Lama. O advogado Jorge Béja é realmente uma personalidade fascinante. (C.N.)
29 de novembro de 2016
Vinicius Konchinski
Do UOL, no Rio
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