"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

FAZENDO JUSTIÇA A UM EXCELENTE POLÍTICO CHAMADO NINA RIBEIRO


Nayla (filha), Nadia (esposa) e o ex-deputado Nina Ribeiro

Há alguns dias, o jurista Jorge Béja escreveu aqui na Tribuna da Internet sobre o ex-deputado federal Nina Ribeiro, pioneiro da defesa do consumidor no Brasil. Imediatamente surgiu um comentário desfavorável, lembrando que o parlamentar tinha sido vice-líder da Arena na Câmara exatamente na época em que os contestadores do golpe militar sofriam torturas nas prisões. Diante disso, peço permissão para entrar no assunto, porque conheci Nina Ribeiro em 1973, em plena ditadura, e durante anos trabalhamos juntos na TV Educativa fundada pelo lendário Gilson Amado. Apesar de o funcionamento da emissora depender exclusivamente das verbas do governo militar, o professor Gilson Amado, que era um democrata, contratava profissionais sem selecionar quem era a favor ou contra a ditadura.

Nina Ribeiro era originário da UDN. Por ser muito ligado ao governador Carlos Lacerda, que junto com Roberto Marinho tinha sido um dos principais líderes civis do golpe militar, o deputado tornou-se odiado pelos esquerdistas, entre os quais eu me incluía. Quando o conheci, em 1973, na redação da TVE, poucos jornalistas falavam como ele, embora o deputado jamais abordasse assuntos políticos. Seus comentários no programa eram sempre sobre Defesa do Consumidor, um ramo até então inexistente no Direito Moderno. Nosso Código Comercial, por exemplo, previa apenas o chamado vício redibitório (troca de mercadoria em 15 dias)

Eu era (e ainda sou) comunista, mas me tornei amigo dele. Como nunca fui filiado ao PCB, tinha postura independente, nunca recebi ordens do Partidão, os colegas esquerdistas me encaravam com alguma reserva, jamais liguei para isso. Sei apenas que minha extensa ficha no SNI confirma minhas inclinações ideológicas.

TANTOS ANOS DEPOIS – Fico triste quando vejo, tantos anos depois, que ainda se faz injustiça a Nina Ribeiro, que naquela época já defendia reformas políticas que até hoje são inovadoras e deveriam ser adotadas.

Assim como Carlos Lacerda, Ulysses Guimarães, Pedro Aleixo, José Maria Alkmin, Teotônio Vilela, Djalma Marinho, Magalhães Pinto e tantos outros políticos importantes, Nina Ribeiro apoiou a derrubada do presidente João Goulart, que herdara o legado político de Getúlio Vargas, mas não tinha competência para administrar o espólio e estava levando o país por caminhos escuros, como dizia Ary Barroso.

O fato é que o deputado carioca jamais foi sabujo dos militares. Muito pelo contrário. Em entrevista à Veja (23/8/1972), nos chamados anos de junto, ele foi o primeiro arenista a defender o fim do AI-5 e a institucionalização das Forças Armadas como poder moderador, para que o país fosse logo democratizado. Hoje, poucos se lembram disso.

GRANDES PROJETOS – Nina Ribeiro tinha projetos verdadeiramente visionários. Propunha, por exemplo, uma diferenciação mais clara do sistema bicameral de representação, de forma que a Câmara se mantivesse com função política, enquanto o Senado teria uma função mais técnica, voltada para o planejamento econômico. É uma grande ideia, não há dúvida.

Defendia também que a Justiça Eleitoral aplicasse testes de conhecimento dos problemas nacionais aos candidatos a postos eletivos, uma iniciativa que poderia ter aprimorado expressivamente o nível dos políticos brasileiros.

Foi autor do projeto de lei do Código de Defesa do Consumidor e do primeiro projeto de criação do Juizado de Pequenas Causas, vejam como era um parlamentar avançado e eficiente.

CONTRA O AI-5 – Em 1976, em horário cedido pela oposição (MDB), Nina Ribeiro fez um discurso na Câmara contra o AI-5. Deputados governistas exigiram seu afastamento do partido (Arena) e a cassação do mandato. O líder da Arena, José Bonifácio de Andrada, em represália, afastou-o da CPI de Defesa do Consumidor, que investigava a venda irregular no Brasil de remédios proibidos pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, bem como irregularidades relacionadas a outros produtos e empresas, como a General Motors, por exemplo.

Nina Ribeiro havia sido o proponente da CPI, e, com o auxílio do então deputado Tancredo Neves (MDB-MG), que intercedeu em seu favor, conseguiu depor na CPI na qualidade de testemunha. Seu depoimento durou 12 horas e foi posteriormente publicado em livro, sob o título de “Meu depoimento perante a CPI do Consumidor” (1977).

RECAPITULANDO – Em 1972 o deputado Nina Ribeiro, da bancada do governo, enfrentava o regime militar e já defendia o fim do AI-5, uma bandeira que somente dois anos depois seria desfraldada por outro importante parlamentar da Arena, o senador alagoano Teotônio Vilela.

Em setembro de 1978, o parlamentar arenista, demonstrando seu total desatrelamento do regime militar, votou favoravelmente à emenda do deputado Francisco Acióli Filho, que propunha a extinção do senador indireto, conhecido como “biônico”, criado por ato do presidente Ernesto Geisel no ano anterior,

O tempo fez justiça a Teotônio Vilela, que passou a ser aclamado como o “Menestrel das Alagoas”, mas Nina Ribeiro continua sem conquistar o reconhecimento público da nobreza de sua atuação política, e isso não tem explicação.

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PS – Agradeço ao advogado João Amaury Belem por ter refrescado minha memória a respeito da importância da carreira parlamentar de Nina Ribeiro. E agradeço também ao jurista Jorge Béja, que já anunciou que convidará o ex-deputado para se incorporar ao grupo de articulistas da Tribuna da Internet. Será uma honra. Quanto à minha predileção pelo comunismo, defendo apenas quatro iniciativas, que estão acima das ideologias e podem possibilitar que os brasileiros enfim sejam considerados iguais uns aos outros: 1) educação pública para todas as crianças, ricas ou pobres; 2) assistência médica e hospitalar universal, sem diferenciações nem planos de saúde; 3) uma moradia decente para cada família pobre; 4) assistência a todos os desvalidos e moradores de rua. Valorizo o serviço público, abomino a terceirização, as vantagens indevidas, os cartões corporativos e tudo o mais. Ou seja, meu comunismo pode simplesmente ser chamado de moral cristã. Tenho certeza de que Jesus Cristo defenderia essas teses. O fato concreto é que, enquanto houver uma criança abandonada nas ruas, não poderemos dizer que estamos vivendo em uma nação civilizada. O resto é folclore. (C.N.)



07 de julho de 2016
Carlos Newton

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