Não é fácil desmontar um presépio de pobres coitados que têm um cheque especial do tamanho da Petrobras
O Brasil sentiu falta do pronunciamento de Dilma Rousseff no Dia Internacional da Mulher. Essa era uma das poucas garantias de um governo que chama sua chefe de presidenta, ou sua presidente de chefa. Agora a brincadeira acabou. O homem que inventou essa mulher entrou na mira da polícia. O homem que escrevia o que ela falava foi preso. O mito da mãe coragem foi construído com dinheiro roubado do contribuinte, apontou a Lava Jato. Sobrou um fantoche que não fala, uma mulher que tem medo de panela.
Por incrível que pareça, Dilma só não foi mandada embora para casa ainda por ser uma mulher ungida por um pobre. A Lava Jato está investigando o enriquecimento desse pobre, mas isso não parece suficiente para desmontar o presépio. Não é política, é religião. Mesmo que esse pobre milionário possa ter roubado o povo, boa parte dos fiéis permanece saudando-o com seus cânticos melancólicos – e eventualmente alugados. Toda igreja monta sua base financeira, mas essa tesouraria não tem paralelo: seus cofres contêm o dinheiro de uma nação. Não é fácil desmontar um presépio de pobres coitados que têm um cheque especial do tamanho da Petrobras.
Por um capricho do destino, a tesouraria da igreja petista foi parar na cadeia. Primeiro, João Vaccari, o rei mago dos pixulecos, e, quando parecia que seria só botar novos picaretas no lugar dos presos – como na queda de Delúbio, Valério e grande elenco mensaleiro –, os financiadores do credo começaram a cair também. Com a condenação de Marcelo Odebrecht a 19 anos de prisão, dá para sentenciar: a mulher sapiens está só.
Pendurada na fachada do presépio apodrecido, virtualmente abandonada até pelo PMDB, a presidente da República se agarra a uma única e última mão: a do Supremo Tribunal Federal.
Cruel ironia: no momento em que Sergio Moro e a força-tarefa da Lava Jato – a Operação Mãos Limpas brasileira – elevam a Justiça ao papel de resistência quase solitária ao massacre populista, a mais alta Corte dessa Justiça permanece como o bastião de resistência do populismo. Até a Câmara dos Deputados, que não é flor que se cheire e está sob a presidência de um réu, permanece permeável ao ir e vir da democracia. Essa instituição legislativa desacreditada e carcomida deu andamento a um sólido pedido de impeachment apresentado por respeitáveis juristas – e impecavelmente fundamentado para apontar os crimes de responsabilidade de Dilma Rousseff nas pedaladas fiscais e no escândalo do petrolão.
Onde esse pedido republicano e democrático atola? No Supremo Tribunal Federal.
É de lá que vêm as manobras para barrar a investigação formal e direta da presidente que foge das panelas, e foi de lá que vieram as manobras para atropelar o funcionamento democrático da depauperada Câmara dos Deputados na partida do processo de impeachment. A técnica, quem diria, virou travesti da política.
Os crimes de responsabilidade cometidos pela presidente são flagrantes, basta ler a Constituição. Mas, assim como o PT inventou a contabilidade criativa, o STF inventou a leitura criativa da Constituição. Nos três meses desde que o pedido de impeachment foi aceito pela Câmara, as evidências da Lava Jato praticamente dobraram – especialmente quanto à negligência da presidente da República na responsabilização de seus subalternos claramente envolvidos no esquema de corrupção. Isso é crime. Mas as revelações de Delcídio do Amaral não deixam dúvidas: Dilma e seu estado-maior (do qual Delcídio fazia parte) trabalhavam para usar os Tribunais Superiores na obstrução das investigações do petrolão.
Quando o filho de Nestor Cerveró gravou o líder do governo afirmando que conversaria com os ministros do Supremo sobre a liberação do criminoso, suas excelências mandaram prender o senador com brados em defesa da justiça contra o crime, “não passarão” etc. Em seguida, livres da berlinda, meteram o bisturi no Poder Legislativo travando o rito do impeachment.
Até prova em contrário, o Congresso Nacional é mais confiável que o Supremo Tribunal Federal – justamente por ser muito menos qualificado. Ou seja: uma tragédia. Mas quem pode tirar o país da tragédia maior são os parlamentares – se as ruas mandarem. Treze de março, Dia Internacional da Mulher Sapiens.
13 de março de 2016
Guilherme Fiuza, Revista Época
O Brasil sentiu falta do pronunciamento de Dilma Rousseff no Dia Internacional da Mulher. Essa era uma das poucas garantias de um governo que chama sua chefe de presidenta, ou sua presidente de chefa. Agora a brincadeira acabou. O homem que inventou essa mulher entrou na mira da polícia. O homem que escrevia o que ela falava foi preso. O mito da mãe coragem foi construído com dinheiro roubado do contribuinte, apontou a Lava Jato. Sobrou um fantoche que não fala, uma mulher que tem medo de panela.
Por incrível que pareça, Dilma só não foi mandada embora para casa ainda por ser uma mulher ungida por um pobre. A Lava Jato está investigando o enriquecimento desse pobre, mas isso não parece suficiente para desmontar o presépio. Não é política, é religião. Mesmo que esse pobre milionário possa ter roubado o povo, boa parte dos fiéis permanece saudando-o com seus cânticos melancólicos – e eventualmente alugados. Toda igreja monta sua base financeira, mas essa tesouraria não tem paralelo: seus cofres contêm o dinheiro de uma nação. Não é fácil desmontar um presépio de pobres coitados que têm um cheque especial do tamanho da Petrobras.
Por um capricho do destino, a tesouraria da igreja petista foi parar na cadeia. Primeiro, João Vaccari, o rei mago dos pixulecos, e, quando parecia que seria só botar novos picaretas no lugar dos presos – como na queda de Delúbio, Valério e grande elenco mensaleiro –, os financiadores do credo começaram a cair também. Com a condenação de Marcelo Odebrecht a 19 anos de prisão, dá para sentenciar: a mulher sapiens está só.
Pendurada na fachada do presépio apodrecido, virtualmente abandonada até pelo PMDB, a presidente da República se agarra a uma única e última mão: a do Supremo Tribunal Federal.
Cruel ironia: no momento em que Sergio Moro e a força-tarefa da Lava Jato – a Operação Mãos Limpas brasileira – elevam a Justiça ao papel de resistência quase solitária ao massacre populista, a mais alta Corte dessa Justiça permanece como o bastião de resistência do populismo. Até a Câmara dos Deputados, que não é flor que se cheire e está sob a presidência de um réu, permanece permeável ao ir e vir da democracia. Essa instituição legislativa desacreditada e carcomida deu andamento a um sólido pedido de impeachment apresentado por respeitáveis juristas – e impecavelmente fundamentado para apontar os crimes de responsabilidade de Dilma Rousseff nas pedaladas fiscais e no escândalo do petrolão.
Onde esse pedido republicano e democrático atola? No Supremo Tribunal Federal.
É de lá que vêm as manobras para barrar a investigação formal e direta da presidente que foge das panelas, e foi de lá que vieram as manobras para atropelar o funcionamento democrático da depauperada Câmara dos Deputados na partida do processo de impeachment. A técnica, quem diria, virou travesti da política.
Os crimes de responsabilidade cometidos pela presidente são flagrantes, basta ler a Constituição. Mas, assim como o PT inventou a contabilidade criativa, o STF inventou a leitura criativa da Constituição. Nos três meses desde que o pedido de impeachment foi aceito pela Câmara, as evidências da Lava Jato praticamente dobraram – especialmente quanto à negligência da presidente da República na responsabilização de seus subalternos claramente envolvidos no esquema de corrupção. Isso é crime. Mas as revelações de Delcídio do Amaral não deixam dúvidas: Dilma e seu estado-maior (do qual Delcídio fazia parte) trabalhavam para usar os Tribunais Superiores na obstrução das investigações do petrolão.
Quando o filho de Nestor Cerveró gravou o líder do governo afirmando que conversaria com os ministros do Supremo sobre a liberação do criminoso, suas excelências mandaram prender o senador com brados em defesa da justiça contra o crime, “não passarão” etc. Em seguida, livres da berlinda, meteram o bisturi no Poder Legislativo travando o rito do impeachment.
Até prova em contrário, o Congresso Nacional é mais confiável que o Supremo Tribunal Federal – justamente por ser muito menos qualificado. Ou seja: uma tragédia. Mas quem pode tirar o país da tragédia maior são os parlamentares – se as ruas mandarem. Treze de março, Dia Internacional da Mulher Sapiens.
13 de março de 2016
Guilherme Fiuza, Revista Época
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