Karl Marx tinha um excelente conhecimento de arte e de literatura, música clássica e pintura. Estava bem familiarizado não só com a literatura clássica, mas também com as obras de escritores menos proeminentes e ainda pouco conhecidos, tanto entre seus contemporâneos quanto entre aqueles que viveram e trabalharam em tempos mais distantes. Ele admirava Ésquilo, Shakespeare, Dickens, Fielding, Goethe, Heine, Cervantes, Balzac, Dante e mencionou em seus escritos muitos outros talentos, menos famosos, que também fizeram sua marca na história da literatura.
Amava a arte popular, os épicos de várias nacionalidades e outros tipos de folclore como canções, contos, fábulas e provérbios. Ele usou e abusou de todos os tesouros da literatura. As suas repetidas referências a figuras literárias e mitológicas, o uso de aforismos, de comparações e de citações diretas, tudo isso magistralmente tecido em suas obras, são uma característica distintiva do seu estilo.
Esse estilo de Marx se evidencia, por exemplo, em “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”. Ali, o ódio, o desprezo e o amor apaixonado à liberdade foram expressos com palavras devastadoras, que combinam a gravidade indignada de um Tácito, a sátira mortal de um Juvenal e a santa ira de um Dante.
POETAS GÊNIOS
Ele via os poetas como pensadores, como gênios e, ao mesmo tempo, como guerreiros inflexíveis, cujas obras poéticas foram inseparáveis de seus ideais políticos e aspirações. Marx sabia a “Divina Comédia” quase de cor e quem leu “O Capital” se deparou após a introdução, com as palavras orgulhosas do grande florentino: “Siga o seu próprio caminho, e deixe que as pessoas digam o que quiserem!”
A prosa de Marx é bem escrita e muito mais literária do que, por vezes, erudita e acadêmica. Se lido para além de apenas as teorias e as leis e a economia, nos surpreende pelo estilo. Ele podia fazer malabarismos com o Hegel, a economia e a política. Nada do que foi escrito sobre economia depois dele teve a mesma verve ou um estilo tão absorvente. Então, não ler Karl Marx nos empobrece , ainda que discordemos dele de A a Z. Afinal, para pensar livremente, há que se ler o mais diversamente possível.
O grande problema de Marx não são os seus pensamentos, mas os seus seguidores. Responsabilizar o pensador por aquilo que fizeram com o seu pensamento, seria o mesmo que recrucificar o Cristo – em quem eu acredito! – pelas Cruzadas, a Inquisição ou a pedofilia dentro da Igreja. Uma patente insinceridade histórica.
PENSADOR ORIGINAL
O que acontece, via de regra, é o seguinte: as ideias de um pensador original são primeiramente denunciadas como uma loucura. Então, depois de um intervalo decente, essas ideias são assimiladas pela mentalidade do seu tempo. Finalmente, o autor infeliz se torna um nome familiar, e todo mundo sabe o que realmente ele pensava. Depois disso, qualquer pessoa que pegar um dos seus livros para ler, só de olhar a capa já “sabe” o que está em causa. Qualquer coisa que contradiga a sua ideia original em relação às teses do autor passa, então, a ser rejeitada como uma aberração. Quem as escreveu está efetivamente silenciado para todo o sempre – morto e sepultado! – e não pode impedir que seu trabalho seja falsificado. É extremamente difícil ouvir o que Marx, realmente, tinha a dizer.
O nome de Marx foi obscenamente ligado com a “teoria” de regimes corruptos, totalitários e sanguinários. O termo “socialismo” passou a ser identificado com as monstruosidade cometidas por sociopatas. Mesmo para aqueles que podiam entender a falsificação, as ideias de Marx foram atropeladas por termos e significados que lhes eram alheios, graças a Lenin, como Estado operário, partido revolucionário e teoria ortodoxa. Marx, que pensara a libertação da humanidade da exploração e o desaparecimento da opressão do Estado, se envolveu com a defesa dos privilégios de uma casta burocrática e o poder de um aparelho de Estado brutal.
EMANCIPAÇÃO DA HUMANIDADE
Mas a sua vida teve um objetivo central: a luta pela emancipação da humanidade. Ele se esforçou para encontrar um caminho sem exploração e opressão, no qual homens e mulheres desenvolvessem o seu potencial humano como indivíduos livres em uma sociedade livre, sem a distorção do dinheiro ou o poder do Estado.Só que ele acreditava que a libertação da humanidade iria centrar-se no movimento de libertação da classe trabalhadora. Direito dele. Desde quando pensar é crime?
Dedicado que foi às formas democráticas, é uma pena que esta luta dele pela liberdade humana tenha sido identificada com o seu oposto direto. É chocante verificar que, em vez de empenhar os seus melhores esforços para “modificar o mundo” como pretendia o pensador, criando uma sociedade mais justa, ditadores tenham corrompido seus escritos para dominar, subjugar, escravizar e matar, criando ditaduras sangrentas. Desde os russos genocidas, passando pelos chineses homicidas, pelos guerrilheiros de Sierra Madre, pelos ditadores de tão variados sotaques, pelos caudilhos e comandantes, pelos pós-graduados professores que fazem as cabeças dos nossos filhos – ensinando-lhes o oposto do que lhes dizemos – e até pelos adeptos e devotos que se ajoelham em transe diante das escrituras de Marx e recusam-se a ouvir a voz da razão. Como dizia São Tomás de Aquino: “Cuidado com os homens de um livro só”
MARX ANTI-ESPIRITUAL?
Questiono a lenda urbana que nos mostra um Karl Marx anti- espiritual, voltado para a uniformidade e a subordinação. Já no Manifesto, ele dizia: “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.”
O complexo e sutil pensamento de Marx, segundo minha opinião, nos fala mais alto da plena realização do individualismo e temos que ponderar se realmente o único caminho da espiritualidade é do da nossa religião.
Uma das coisas mais interessantes que já li da lavra de Marx foi um parágrafo numa de suas cartas para Engels , sobre um artigo seu publicado pelo The New York Times. Escreveu ele: “É possível que eu tenha feito de mim mesmo um tolo. Mas, nesse caso, pode-se sempre sair da enrascada com um pouco de dialética. Eu, é claro, redigi a minha proposta de forma tal a estar certo de qualquer maneira”.
A frase define bem a tal da dialética…(rsrs)
INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS
Quase todas as correntes da filosofia social moderna, quer como herdeiras ou como contra-ideologias vieram de Marx. Ele tem influenciado o pensamento humano há mais de um século e meio e pode-se ver o traçado de suas previsões em acontecimentos muito recentes , como a Grande Depressão, o crash do mercado imobiliário americano, as bolhas pontocom e por aí vai.
Marx estava errado sobre muita coisa em seus escritos – inclusive na previsão radical de que o capitalismo iria inevitavelmente ser substituído pelo comunismo. Mas previu, com precisão, vários aspectos do capitalismo contemporâneo. Ele acertou que a industrialização criaria novos sistemas sociais que iriam destruir completamente os sistemas antigos e não estava errado ao afirmar que grande parte da dinâmica social pode ser explicada em termos de economia e das pessoas tentando manter o que elas têm. Com ele concordou o marqueteiro que fez o slogan daquela campanha vitoriosa à presidência do Clinton: “It’s the economy, stupid!”
É claro que Marx pisou na bola ao imaginar que seria necessária uma revolução social na Europa, talvez por ter subestimado a capacidade das pessoas para fazer negócios e negociações e por não ter como imaginar a transição de uma economia industrial para uma sociedade pós-industrial. Ele não percebeu a grande quantidade de trabalho criativo que no capitalismo é realizado nem o fato de que qualquer tipo de aumento de riqueza tem de ser impulsionado pela tecnologia e pelo empreendedorismo . Viveu em um período colonialista e, por isso, foi incapaz de imaginar um mundo em que o comércio, em vez de explorador, seria economicamente benéfico para um país em desenvolvimento.
28 de janeiro de 2016
Moacir Pimentel
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