Em troca de um acordo que o tirou da prisão, o lobista Fernando Moura ofereceu ao Ministério Público Federal um conjunto de revelações de como o ex-ministro José Dirceu aparelhou a diretoria de Serviços da Petrobras para alimentar o caixa dois do PT. Mas, diante do juiz Sergio Moro, na última sexta (22), Moura não apenas não entregou nada do prometido como isentou Dirceu e empresários beneficiados pela indicação de Renato Duque para o cargo na Petrobras.
Em depoimento de quase duas horas em Curitiba, Fernando Moura gaguejou, gargalhou e pareceu demonstrar espanto quando confrontado com as próprias declarações.
Na sua estreia como delator, em 28 de agosto, Moura atribuiu a Dirceu a “dica” para que ficasse longe do Brasil durante o mensalão. “Depois que assinei [o termo do depoimento] que fui ver [o que estava escrito], diz que o Zé Dirceu me orientou a isso. Não foi esse o caso”, recuou.
Em esboço da delação feito pelo próprio Moura com seus advogados durante o estágio de negociação, o lobista cravou: “Depois da divulgação de reportagens que envolviam o meu nome ao escândalo do mensalão, recebi a ‘dica’ de José Dirceu para sair do país e, no começo de 2005, fui para Paris, onde fiquei de março a junho, ficando até o Natal em Miami”.
NEGÓCIOS À PARTE
Fernando Moura é amigo de Dirceu há 30 anos e participou de todas as campanhas dele. Em 2002, organizava jantares para a candidatura do petista para deputado. Após a eleição de Lula, Dirceu foi anunciado como chefe da Casa Civil. O amigo e apoiador foi bater à porta do futuro ministro para pedir um cargo no Palácio do Planalto.
Pela versão inicial, Dirceu disse que não nomearia um “amigo para não confundir as coisas”. Mas orientou Moura a arranjar uma empresa que ele, Dirceu, “ajudaria em nível de governo”.
O alvo da benesse seria a Etesco, prestadora de serviços de engenharia da Petrobras. Moura disse ter sido procurado por um dos donos da empresa, Licínio Machado, que queria em troca indicação de Duque para a diretoria de Serviços.
Moura disse que levou a demanda para a equipe de transição do PT, em 2002. Duque foi nomeado no ano seguinte como cota do PT na Petrobras. Como retribuição, de acordo com a primeira versão, Moura passou a receber uma mesada de US$ 30 mil da Etesco a cada três meses.
Hoje, Moura diz não saber se Dirceu teve a “última palavra” sobre o cargo de Duque.
“UMA POTÊNCIA”
No ano passado, Moura disse que ao emplacar Duque para a diretoria de Serviços, a Etesco virou uma potência na conquista de contratos milionários na Petrobras. Após ler trecho do depoimento anterior, o juiz perguntou se a Etesco havia tirado proveito de Duque na estatal.
“Falei isso?”, indagou o delator.
Logo depois, emendou, aos risos: “Assinei isso? Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu falei. Mas se falei, eu concordo”.
Normalmente fleumático, Moro o repreendeu: “Não, não é assim que funciona”.
DELAÇÃO EM RISCO
A reviravolta de Fernando Moura auxilia a defesa de Dirceu, mas não atinge o cerne da denúncia. Outro delator, Milton Pascowitch, ligou o ex-ministro ao pagamento de propina de fornecedores da diretoria de Serviços, por meio de falsos contratos de consultoria.
Pascowitch também provou ter bancado reformas em imóveis de Dirceu e realizado pagamentos diretamente à conta da consultoria do ex-ministro, a JD.
A reviravolta de Moura lembra a de Mark Whitacre, personagem de Matt Damon em “O Desinformante”. No filme de Steven Soderbergh (2009), o protagonista é um executivo que se torna informante em investigação dos EUA sobre cartel no agronegócio. Só que seus relatos sempre mudavam, atrapalhando a investigação.
“Ele vai ser intimado para explicar as contradições imensas. Se mentiu, o acordo de colaboração dele pode ser anulado”, disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da Operação Lava Jato.
PRISÃO DOMICILIAR
Entre os benefícios que Moura teve ao fazer a delação, e que poderá perder, estão o de ter ficado apenas três meses em regime fechado. Ele está em prisão domiciliar. Procurado pela Folha, o advogado de Fernando Moura, Pedro Iokoi, não quis comentar as mudanças de versão de seu cliente nem a abertura de um procedimento para apurar se o acordo de delação premiada foi violado.
O criminalista Roberto Podval, que defende José Dirceu, pediu acesso a vídeos dos depoimentos prestados por Fernando Moura à força-tarefa da Lava Jato na fase de investigação.
Dono da Etesco, Licínio Machado Filho disse que não conhecia Renato Duque em 2002 e, portanto, não poderia tê-lo indicado para ocupar a diretoria de Serviços da Petrobras.
O empresário afirmou que um de seus irmãos era amigo de Fernando Moura, mas negou que ele ou sua empresa tenham realizado pagamentos ao lobista “a título de agradecimento”. “Parece que ele agora está dizendo a verdade”, disse Licínio, sobre a nova versão de Moura, que isenta sua empresa de ter sido favorecida pela indicação de Duque.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Moura afirmou também que a indicação do nome de Duque para a estatal veio do Diretório do PT de São Paulo. E esta será a versão que Dirceu apresentará esta quinta-feira, ao depor diante do juiz Moro, evidenciando um jogo de cartas marcadas. Resultado: Moura vai perder a delação premiada e voltar para a cadeia, onde poderá se reencontrar diariamente com o amigo, na hora do banho de sol. (C.N.)
29 de janeiro de 2016
Bela Megale e Graciliano Rocha
Folha
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