"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

ENTREVISTA. MONICA DE BOLLE: BC REFÉM É GOLPE FINAL NAS INSTITUIÇÕES ECONÔMICAS

“Quando há dominância fiscal, a ausência de autonomia do BC é total”, diz economista a O Financista

"É o golpe final nas instituições que sustentaram a estabilidade macroeconômica brasileira entre 1994 e 2010", afirma Monica de Bolle (Reprodução/ Youtube)


SÃO PAULO – A economista Monica de Bolle tem há meses sacudido o debate sobre a política monetária no Brasil ao insistir na ideia de que o Banco Central, instituição que é a responsável por controlar a inflação, está refém de um cenário no qual a elevação do juro não provoca, necessariamente, um efeito de segurar os preços. Isso se dá, principalmente, pela dominância fiscal. Ou seja, o descontrole das contas públicas se sobrepõe ao poder do BC, que fica de mãos atadas.

Colocando ou não essa tese sobre a mesa, o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC manteve na quarta-feira (20) a taxa Selic em 14,25% ao ano. A decisão ganhou polêmica pois foi contrária à própria comunicação do presidente Alexandre Tombini, que mudou o tom de alta no juro para manutenção após uma reunião não oficial com a presidente Dilma Rousseff e um comunicado incomum falando da revisão para baixo das projeções para a economia brasileira feitas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

Ou seja, o BC tomou esse rumo por conta da política ou entendendo que não tem mais força? “Ainda que o BC não pudesse admitir nada disso para justificar a manutenção dos juros, poderia ao menos, nos últimos 45 dias, ter deixado claro que a recessão brutal de 2015 - provavelmente a maior já documentada - não permitia que se retomasse o ciclo de altas da Selic, apesar de a meta do BC ser a inflação e não a atividade”, afirma Monica em entrevista concedida para O Financistanesta quinta-feira (21). "Creio que o BC tomou a decisão correta da forma errada."

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A economista, que é pesquisadora do Peterson Institute, em Washington, explica que a ausência de autonomia do BC é total quando há dominância fiscal. “Esse é o golpe final nas instituições que sustentaram a estabilidade macroeconômica brasileira entre 1994 e 2010”, argumenta.

Veja abaixo a íntegra da entrevista:

O Financista: O BC fez o certo pelos motivos errados?

Monica de Bolle: Creio que o BC tomou a decisão correta da forma errada. Como você sabe, eu já estou há tempos no campo daqueles que acham que os juros hoje são inócuos para combater a inflação. Na minha opinião - e de acordo com os resultados de um estudo que hei de publicar em breve - a inflação no Brasil está não só comprometida pela inércia e pela indexação disseminada, como resulta diretamente do descontrole das contas públicas. Nessa situação, a única medida capaz de reduzir a escalada dos preços e domar as expectativas de inflação é um ajuste fiscal com claro comprometimento do governo, algo que nos falta, haja vista as vacilações de Dilma e a recente troca de Ministros da Fazenda. O uso da conta única do Tesouro para pagar as pedaladas de 2014, com recursos que lá estão no Banco Central em decorrência do "ganho virtual" com as reservas em reais (o ganho não-realizado das reservas internacionais com a desvalorização do real, puro truque contábil) foi não apenas mais um sinal disso, como uma indicação temerosa do tipo de contabilidade criativa e monetização escancarada de gastos que podemos ver pela frente.

Ainda que o BC não pudesse admitir nada disso para justificar a manutenção dos juros, poderia ao menos, nos últimos 45 dias, ter deixado claro que a recessão brutal de 2015 - provavelmente a maior já documentada - não permitia que se retomasse o ciclo de altas da Selic, apesar de a meta do BC ser a inflação e não a atividade. Nenhum Banco Central consciente teria tomado tal decisão em momento tão difícil. Contudo, preferiram deixar o mercado acreditar que estavam prestes a subir os juros, numa tentativa equivocada de ancorar as expectativas sem se comprometer com tal aumento. Quando perceberam que as curvas de juros já refletiam várias altas da Selic à frente, foram obrigados a fazer o cavalo de pau na comunicação que tanto dano causou nos últimos dias.

O Financista: A independência do BC foi destruída?

Monica: O nosso Banco Central não é independente no sentido estrito do termo, assim como o Fed americano também não é. Em um passado um tanto distante (há pouco mais de sete anos), nossa autoridade monetária gozava, ao menos, de autonomia decisória. Já não é exatamente assim há vários anos, tendo a falta de autonomia se acentuado sobremaneira ao longo do primeiro mandato da comandante-chefe da economia, a presidente Dilma Rousseff. Em 2013, escrevi um artigo intitulado "O Curioso Caso da Credibilidade Minguante" em alusão à Benjamin Button. Ali mostrava como a credibilidade do BC foi gradualmente, depois repentinamente, à zero
 (veja http://www.galanto.com.br/monicablog/?p=1665).

O Financista: Sem a independência, o controle da inflação fica comprometido?

Monica: O controle da inflação já estava comprometido diante do problema que venho discutindo há meses (e que agora parece ter recebido alguma ressonância no Brasil): a dominância fiscal. É curioso: até o Reinaldo Azevedo já fala em dominância fiscal!

Quando há dominância fiscal, a ausência de autonomia do BC é total - ele fica totalmente submetido às necessidades de controlar as contas públicas, seja monetizando-a diretamente, como vem fazendo por meio do uso da Conta Única do Tesouro, seja por não poder elevar os juros quando a inflação está muito distante de seus objetivos. Esse é o golpe final nas instituições que sustentaram a estabilidade macroeconômica brasileira entre 1994 e 2010.


23 de janeiro de 2016
Monica de Bolle, O Financista

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