"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

GUERRA AO TERRORISMO ISLÂMICO ESTÁ SÓ COMEÇANDO, DIZ FILÓSOFO



Bruckner diz que islamismo precisa de uma reforma
O filósofo e ensaísta francês Pascal Bruckner diz em entrevista à Folha que os atentados de sexta-feira passada em Paris sugerem que a guerra ao terrorismo “está apenas começando” e que é preciso reformar o islamismo. 

Segundo ele, “desativar militarmente, policial e judicialmente o radicalismo vai levar várias gerações”. 
O que deve ser feito no curto prazo, afirma o intelectual francês, é estimular a autocrítica no seio da comunidade muçulmana, além de garantir a proteção da maioria moderada em face de possíveis ataques de radicais islâmicos.
Para Bruckner, de 66 anos, os atentados da última semana diferem dos de janeiro (quando os alvos foram o semanário satírico “Charlie Hebdo” e um mercado de alimentos judaicos kosher) por terem alvo difuso. “Agora, os franceses são culpados por existirem, por serem franceses.”
Autor do livro “A Tirania da Penitência” (Difel, 2008), em que analisa o suposto remorso europeu por seu histórico bélico e os efeitos disso na política externa do bloco político, ele vê nas primeiras reações da França aos atentados (bombardeios à Síria e abertura de postos na polícia e na Justiça) uma “mudança radical” de atitude.
“Agora é François Hollande, de repente líder marcial, quem vai pedir a Obama para se envolver”, enfatiza.
– Antes dos atentados do dia 13 em Paris, o sr. já dizia que o islamismo radical era o desafio deste século…
 O desafio do século 21 é o islamismo, ponto. O radical é a degeneração ideológica do islã. As duas coisas estão ligadas. Desativar militar, policial e judicialmente o radicalismo vai levar várias gerações. Virou um fenômeno universal, que vai da Argentina à China. A resposta a ele tem de ser encontrada e inventada com a colaboração dos próprios muçulmanos, que são as primeiras vítimas do extremismo.
– Em que deve consistir essa resposta?
A primeira é militar e diz respeito a russos, iraquianos e iranianos [que apoiam o regime sírio de Bashar al-Assad] tanto quanto a franceses, americanos, ingleses, sauditas e jordanianos [todos pró-rebeldes]. 
Há também a resposta policial, a jurídica, a dos serviços de inteligência. Mas, para além de todas elas, há uma resposta ideológica. 
O islã, guardadas as devidas proporções, encontra-se na situação em que o cristianismo estava nos séculos 17 e 18: num momento de mutação. Será ele capaz de se reformar, sabendo que não há algo que corresponda a uma Roma do islã sunita? 
Não há uma direção unívoca [de orientação ideológica]. Cada um pode interpretar a religião e o Alcorão como quiser. 
Isso começou em 1979, com a Revolução Islâmica no Irã. Contrariamente ao que disse Obama em 2013 sobre o fim da guerra ao terror, não: ela está apenas começando. 
É só o início, o confronto está longe de terminar.
– Em janeiro, no atentado contra o “Charlie Hebdo”, os terroristas tinham um intuito preciso: dizimar aqueles que, segundo eles, haviam ridicularizado o profeta. Sexta passada, porém, o alvo era bem mais difuso: uma certa “arte de viver” à francesa, o hedonismo… foi uma declaração de guerra a uma civilização?
– Sim, essa é a grande diferença. Nos atentados de janeiro, ainda podíamos identificar “justificativas”: a caricatura do profeta, no caso do ataque ao jornal; a guerra entre judeus e palestinos, no do tiroteio no mercado judaico. Agora, os franceses são culpados por existirem, por serem franceses. 
O terrorismo islâmico carrega uma ilusão apocalíptica do mundo, envolta num discurso religioso; o que querem é matar o máximo possível de gente e acelerar a instauração do califado. É uma visão messiânica. 
Não há mais “razão” para matar, eles querem matar e morrer para ir direto para o paraíso.
Na praça da República, principal cenário parisiense das homenagens às vítimas do atentado, mensagens conclamam a não estigmatizar a população muçulmana. Como evitar que a resposta aos atentados descambe para a islamofobia?
É preciso proteger a comunidade muçulmana, as mesquitas dos ataques eventuais de alguns elementos extremistas. E também encorajar o espírito crítico nesse segmento da população.
Essa é a dificuldade: proteger os fiéis em seu direito à crença sem deixar de estimular uma discussão teológica.
Seria necessário um Renascimento, uma Reforma do pensamento islâmico. Isso já é pleiteado por alguns intelectuais muçulmanos.
Mas é bom saber que o cristianismo levou quatro séculos para se questionar e rever seus erros, a partir da Reforma Protestante. Não sei se o islã vai seguir esse caminho.

20 de novembro de 2015
Lucas Neves
Folha

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