Prezado editor deste blog,
Lamento informar que uma de suas colunistas estará temporariamente impedida de enviar novas colaborações.
D. Myrthes Suplicy Vieira foi inesperadamente acometida por um surto de insanidade, tendo sido forçada a se internar em clínica psiquiátrica para tratamento emergencial, ainda sem data definida para alta. Segundo os psiquiatras que a atenderam, o problema ocorreu após um período de intenso e prolongado estresse com o atual quadro social e político de nosso país.
Aparentemente, o surto foi motivado pela leitura de duas reportagens, a saber:
“Vigilante morre atropelado com um tiro na cabeça” – conforme é narrado pelo jornalista, dois soldados da PM paulista registraram um boletim de ocorrência numa delegacia, informando que tinham atendido a um chamado para socorrer um homem que teria sido atropelado, sendo que o motorista do veículo teria se evadido do local sem prestar atendimento à vítima. Quando a ambulância de resgate chegou ao local, os ditos PMs teriam dispensado o veículo e impedido que os paramédicos tocassem o corpo do rapaz, alegando que ele já estava morto e que cabia a eles preservar o local do crime. No dia seguinte, no entanto, o legista designado para o caso entregou um laudo em que atestava que a morte se devera à perda de massa encefálica decorrente de um tiro na parte de trás da cabeça.
“Procuradores da Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro processam dois cidadãos por financiamento de campanha eleitoral” – segundo a nota, um deles teria doado a exorbitante quantia de R$ 15,00 para a campanha de um deputado; os procuradores, então, solicitaram imediatamente ao juiz a quebra do sigilo fiscal do tal cidadão, embora o pedido tenha sido negado pela juíza responsável pelo caso diante da “insignificância” da contribuição. O outro caso, considerado um pouco mais grave e prontamente acolhido pelo juiz, refere-se à doação de quantia ainda maior (R$ 50,00) igualmente para financiar campanha eleitoral. O advogado contratado pelo réu manifestou sua indignação com o “absurdo” da decisão de envolver a justiça num caso de pouca relevância nacional, dado que mesmo que o cidadão fosse julgado culpado ele seria condenado a pagar uma multa de algo em torno de R$ 150,00. Já o réu-cidadão, ao ser entrevistado por uma emissora de televisão, encarou despudoradamente a câmera e disse: “Doei sim. No próximo ano, vou dobrar a meta e doar R$ 100,00 para ver no que vai dar.”
No final da tarde, já combalida com essas notícias, D. Myrthes teria assistido a um vídeo divulgado no Facebook em que a presidente da República discursa para um grupo de sindicalistas e pergunta desafiadoramente: “Quem tem a força moral, o caráter ilibado… suficiente para atacar a minha honra? Quem?!”
Na sequência, D. Myrthes teria começado a apresentar um quadro de forte agitação psicomotora e passado a proferir frases desconexas, em que apenas palavras isoladas faziam algum sentido: “non-sense”, “puro Kafka”, “golpismo”, “motivos nobres para transgressões”, “moralistas imorais”, etc. Depois, num gesto tresloucado, ela jogou-se ao chão, ficando de quatro, rosnando e agitando o traseiro, roubou a ração de suas cachorras e, ao ser confrontada por elas, mordeu as duas. Mais tarde, recolheu-se embaixo do armário da sala e recusa-se a tomar banho.
Isso posto, temo que a coluna que o senhor abriga em seu blog fique indisponível por várias semanas.
Grata pela atenção,
Secretária da Clínica Veterinária Acãochego
15 de outubro de 2015
Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora, in Brasil de longe
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