Antes dos 10 anos de idade, minha casa foi invadida duas vezes. Coisa que nunca me esqueço, os bandidos gritando com os meus avós, querendo dinheiro, eletrônicos, a Variant marrom do meu vô - e eu no meu quarto me torturando, sem poder fazer nada. Nas semanas seguintes, acordava no meio da noite com qualquer barulho e via nas sombras das árvores, através das cortinas, as formas de pessoas invadindo a minha casa.
O tempo passou, comecei a andar de ônibus sozinho. Entre os 13 e os 17, fui assaltado pelo menos cinco vezes. Já fui assaltado na rua e em ônibus, em grupo ou sozinho, indo e voltando da escola, por drogados, por menores - quase sempre por menores; me levaram dinheiro, passes e um boné. No tempo em que eu estudava, bastava que moleques passassem por baixo da roleta do ônibus para que a viagem deixasse de ser tranquila. Os cobradores nada faziam.
Aos 20, a caminho do trabalho, dois sujeitos numa moto me roubaram. Eles queriam a minha mochila. Um olhava para o outro e dizia: “mata ele, mata ele”. Eu me lembro do desespero da minha mãe, que estava comigo. Desde então, não posso ver moto com passageiro na garupa perto de mim. O frio na espinha é inevitável.
Depois disso, ainda fui assaltado mais algumas vezes: me levaram celulares, documentos e quase me roubaram uma câmera de vídeo. Por sorte, só apanhei uma vez, de marginais, perto do metrô Barra Funda. Tendo sofrido tantos assaltos, sou sensível à questão da violência. E observo que é assim com muita gente, principalmente com quem já passou por algo parecido.
Enquanto uma pessoa está sofrendo algum tipo de violência neste instante em um ponto aleatório do país, e mais de 70 foram assassinadas só agora, antes do almoço, a elite bem pensante está mais preocupada em atacar quem não limpa a própria privada. Intelectual adora falar mal dos bravos cidadãos da classe média e se cala sobre a violência sofrida por gente como eu e você.
Daí a vergonha que tenho de abrir o jornal para ler a elite pensante. Não moro no Jardim Paulista, no Leblon ou no bairro chique do cartunista engajado, onde a chance de ser roubado e morto é oito vezes menor do que em Americanópolis.
O descaso é uma afronta a quem vive com medo da violência. Fingir que nada acontece é o tema preferido de nossa elite intelectual. O país tem os índices de criminalidade mais grotescos do mundo. A elite intelectual, no entanto, não gosta de ser lembrada disso. E qualquer proposta mais dura que apareça contra a violência passa por fascismo, isso quando não cai no papo ridículo de que o bandido é a vitima ou que punição não resolve nada, aí é melhor sair de perto mesmo.
Eu me disponho a não discutir com quem ignora os índices de violência do país. Assaltos? Estupros? Homicídios? O importante é fazer bonito entre os leitores All Star e discutir o uso de linguagem ofensiva em programas humorísticos.
01 de agosto de 2015
Guy Franco
O tempo passou, comecei a andar de ônibus sozinho. Entre os 13 e os 17, fui assaltado pelo menos cinco vezes. Já fui assaltado na rua e em ônibus, em grupo ou sozinho, indo e voltando da escola, por drogados, por menores - quase sempre por menores; me levaram dinheiro, passes e um boné. No tempo em que eu estudava, bastava que moleques passassem por baixo da roleta do ônibus para que a viagem deixasse de ser tranquila. Os cobradores nada faziam.
Aos 20, a caminho do trabalho, dois sujeitos numa moto me roubaram. Eles queriam a minha mochila. Um olhava para o outro e dizia: “mata ele, mata ele”. Eu me lembro do desespero da minha mãe, que estava comigo. Desde então, não posso ver moto com passageiro na garupa perto de mim. O frio na espinha é inevitável.
Depois disso, ainda fui assaltado mais algumas vezes: me levaram celulares, documentos e quase me roubaram uma câmera de vídeo. Por sorte, só apanhei uma vez, de marginais, perto do metrô Barra Funda. Tendo sofrido tantos assaltos, sou sensível à questão da violência. E observo que é assim com muita gente, principalmente com quem já passou por algo parecido.
Enquanto uma pessoa está sofrendo algum tipo de violência neste instante em um ponto aleatório do país, e mais de 70 foram assassinadas só agora, antes do almoço, a elite bem pensante está mais preocupada em atacar quem não limpa a própria privada. Intelectual adora falar mal dos bravos cidadãos da classe média e se cala sobre a violência sofrida por gente como eu e você.
Daí a vergonha que tenho de abrir o jornal para ler a elite pensante. Não moro no Jardim Paulista, no Leblon ou no bairro chique do cartunista engajado, onde a chance de ser roubado e morto é oito vezes menor do que em Americanópolis.
O descaso é uma afronta a quem vive com medo da violência. Fingir que nada acontece é o tema preferido de nossa elite intelectual. O país tem os índices de criminalidade mais grotescos do mundo. A elite intelectual, no entanto, não gosta de ser lembrada disso. E qualquer proposta mais dura que apareça contra a violência passa por fascismo, isso quando não cai no papo ridículo de que o bandido é a vitima ou que punição não resolve nada, aí é melhor sair de perto mesmo.
Eu me disponho a não discutir com quem ignora os índices de violência do país. Assaltos? Estupros? Homicídios? O importante é fazer bonito entre os leitores All Star e discutir o uso de linguagem ofensiva em programas humorísticos.
01 de agosto de 2015
Guy Franco
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