"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 17 de maio de 2014

A CPI DA TRAPAÇA


 Passou pelo duto que liga o Palácio do Planalto ao gabi­nete do presidente do Senado, Renan Calheiros, a viscosa manobra destinada a transformar em le­tra morta a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo tribunal Federal (STF), que deveria impedir, como solicitara a oposição, que a CPI da Petrobrás a ser instalada na Casa fosse contaminada com a inclusão de ques­tões completamente alheias ao obje­to específico da investigação. Pela enésima vez acaba de ficar demons­trado que jamais alguém perderá di­nheiro apostando na criatividade dos políticos para a trapaça. 

Quando ficou claro para a patota de Calheiros e a tropa de choque do PT no Senado, em linha direta com a presidente Dilma Rousseff, que não conseguiriam obstar "no tapetão" a abertura do inquérito sobre as suspei­tas em relação a práticas da Petrobrás, trataram de desfigurá-lo.
A ini­ciativa do PSDB e do DEM, como se recorda, nasceu da confissão da presi­dente de que, na qualidade de titular do Conselho de Administração da empresa, aprovara em 2006 a com­pra de metade de uma refinaria em Pasadena com base apenas em um pa­recer "técnica e juridicamente fa­lho", o que só mais tarde ela viria a descobrir. 

Além do escândalo de Pasadena, on­de a petroleira acabaria enterrando US$ 1,246 bilhão, com um prejuízo contabilizado de US$ 530 milhões, a oposição se voltou para outro caso es­cabroso - a multiplicação por dez dos custos da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco (dos US$ 2,3 bilhões ini­cialmente previstos para os mais de US$ 20 bilhões que deverá custar). Completavam o pacote a história dos US$ 139 milhões em subornos pagos a funcionários da estatal por uma for­necedora holandesa e a denúncia de operações inseguras em plataformas operando em mar aberto. 

O troco dos governistas, que a mi­nistra Weber parecia ter neutraliza­do, foi incluir na agenda da CPI os in­dícios de formação de cartel em con­tratos do Metrô de São Paulo, em go­vernos tucanos, e possíveis irregulari­dades na construção do Porto de Suape, em Pernambuco.
O intento era du­plo: sufocar as apurações sobre a Petrobrás desde a ascensão do PT ao po­der - alcançando, pois, a presidente Dilma - e levar ao pelourinho os seus adversários nas eleições de outubro, Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB. 

Conseguiram o que queriam, tro­cando tortuosamente seis por meia dúzia. Em vez de tratar do Metrô pau­listano, exumaram o episódio do afundamento da Plataforma P-36 em março de 2001, no governo Fernan­do Henrique, e confeccionaram um obscuro nexo entre obras da Petrobrás e o Porto de Suape.

A CPI foi ins­talada na quarta-feira. Apenas 1 oposi­cionista, dos 3 que poderiam integrar o colegiado de 13 membros, aceitou fazê-lo. Sob a presidência do peemedebista Vital do Rego e com o petista José Pimentel no cargo de relator, é certo que o inquérito chapa branca nada fará em prejuízo dos interesses de Dilma. 

Numa jogada de aceleração dialéti­ca, por assim dizer, o governo man­dou apressar o início dos trabalhos no Senado para abafar a outra CPI sobre a Petrobrás que a oposição afi­nal conseguiu emplacar, incluindo também a Câmara.
Se vingarem as tramóias dos governistas, a sua insta­lação corre o risco de ser adiada pa­ra o fim do mês - a duas semanas, portanto, do início da Copa. Mas, se e quando vier a funcionar efetiva­mente, não apenas remeterá a ante­rior a segundo plano, como terá tu­do para tirar o sono da presidente. De um lado, por sua composição. De outro, pela fartura de material a me­recer investigação. 

Dos 32 membros da CPI farão par­te deputados que só no papel perten­cem à base majoritária, tão duras as suas críticas a Dilma. É o caso do pró­prio líder da bancada do PMDB e prin­cipal criador de casos com o Planalto na Câmara, Eduardo Cunha. Quanto à abundância de prováveis malfeitos, as denúncias se empilham.
Ainda on­tem, o jornal Valor revelou que a Pe­trobrás assinou contratos bilionários e pencas de aditivos para as obras da Refinaria Abreu e Lima muito antes da aprovação do estudo de sua viabili­dade. O conselho de administração do empreendimento era liderado por Paulo Roberto Costa, então diretor da petroleira. Em março último, ele foi preso na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

17 de maio de 2014
 Editorial O Estadão

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