"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

RACISMO E IMPUNIDADE


O racismo envergonhado lembra história que figura em manuais de psicologia. Cedinho, a criança entra assustada no quarto dos pais. Queixa-se de que há um monstro debaixo da cama. Eles atribuem o medo a pesadelo. Acalmam-na e a deixam acabar o soninho ali mesmo. Na manhã seguinte, o episódio se repete.

A resposta também. No terceiro dia, a menina não aparece. Pai e mãe estranham. Tomados por mau pressentimento, entram no dormitório da filha. Ela está morta, corpinho estraçalhado.

Fechar os olhos para a realidade, ensina a narrativa, pode dar alívio momentâneo, mas não resolve o problema. Ao contrário. Agrava-o. Racismo é fato. No Brasil, manifesta-se em diferentes situações com tal frequência que pode parecer natural como o suceder dos dias e das noites ou das estações do ano. É o caso da seleção para empregos, da escolha de cargos em comissão, da indicação de ocupantes do alto escalão. O andar de cima tem cor. É branco. Um colorido aqui ou ali atesta: a exceção confirma a regra.

A vergonha não constitui marca verde-amarela. Espalha-se mundo afora. Dois episódios do fim de semana servem de triste confirmação. Ambos têm relação direta com o esporte - alvo frequente de expressões de intolerância com as diferenças. Em confronto de Barcelona e Villareal, torcedor atirou uma banana no campo em direção a Daniel Alves. O brasileiro reagiu com elegância. Pegou a fruta, descascou-a e a comeu. A resposta, divulgada pelas redes sociais, ganhou repercussão internacional.

Em solidariedade ao colega, Neymar postou no Instagram foto com o filho, Davi Lucca. Os dois com banana na mão e a mensagem: #somostodosmacacos. Na primeira hora, 8 mil pessoas retuitaram a hashtag. A presidente Dilma Rousseff condenou o ato do torcedor em notas postadas nas redes sociais. Barack Obama também se manifestou, mas em reação a episódio similar ocorrido nos Estados Unidos.

Áudio atribuído a Donald Sterling, presidente do time de basquete Los Angeles Clippers, vazou a recomendação feita por ele à namorada para que não exibisse em público associação com negros: "O pouco que estou lhe pedindo", diz, "é não fazer publicidade em torno disso e não trazê-los para os meus jogos". O fato, como não poderia deixar de ser, revoltou os jogadores da Associação Americana de Basquete (NBA), formada predominantemente por atletas negros.

Não se deve ao acaso a repetição de agressões racistas. Elas se devem à impunidade. Depois dos atos que envergonham as consciências civilizadas do planeta, sobram palavras e faltam ações. Impõem-se penas capazes de inibir ofensas do gênero nos estádios. Sanções brandas - advertências, multas, suspensão de torcedores ou de alas em estádios - provaram ser insuficientes. É hora de punições exemplares. Duas foram anunciadas ontem. O Villarreal proibiu o torcedor intolerante de frequentar o estádio do time. O Los Angeles Clippers perdeu patrocinadores. Que venham outras.
30 de abril de 2014
Editorial Correio Braziliense

Nenhum comentário:

Postar um comentário