"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

CARREIRA E PENSAMENTO DE UM GENERAL


 
“É ingenuidade acreditar num sistema de governança global equilibrado e imparcial em um mundo assimétrico, onde os proprietários do topo da pirâmide do poder nunca demonstraram querer dividi-lo com novos condôminos.”

“O estabelecimento de leis e normas internacionais para a preservação da biodiversidade, dos ecossistemas e dos espaços comuns, para a exploração dos recursos naturais, para combater os ilícitos transnacionais e para a defesa dos direitos humanos e de minorias deverá gerar conflitos, pois alguns países serão afetados em sua soberania, entre eles o Brasil.”

“O Brasil deve considerar, para evitar omissões em seus planejamentos, que a segurança buscada pelos mais poderosos pode implicar insegurança para os mais fracos, inclusive o próprio.”

“A reforma do Conselho de Segurança da ONU permanecerá como tema da agenda internacional, mas sua concretização na forma pleiteada pelo Brasil é de difícil consecução, sem que haja uma ruptura e reviravolta na segurança internacional. Ainda assim, os países com chance de serem aceitos com poder de veto serão os que tiverem poder nuclear, como hoje acontece.”

“Hoje, o grande jogo é mais pesado no outro lado do mundo, mas já é disputado em nosso entorno. A tendência é que venha a ser um novo desafio àquelas potências no futuro. Para o Brasil, entretanto, tal desafio tem de ser percebido agora. Capacidades de defesa e de projeção de poder não se improvisam.”

“Nas próximas décadas, grandes potências não se arriscarão ao confronto militar amplo e direto, por ser uma opção suicida, mas entrarão em sucessivas disputas de poder. Prevalecerá o emprego dos poderes brando e inteligente na política exterior das maiores potências, na medida em que se firme a multipolaridade. É a mescla da sabedoria de Sun Tzu – «os que conseguem que se rendam impotentes os exércitos alheios sem lutar, são os melhores mestres da Arte da Guerra» – com a visão de estadista do Barão do Rio Branco – «não se pode ser pacífico sem ser forte».

“Se uma operação na longínqua Amazônia é periférica para um agressor poderoso, para o Brasil significa um conflito central, cujas consequências podem ser desastrosas para o nosso futuro, liderança regional e autoestima da Nação. Portanto, deve ser visto como de alta intensidade. Eis uma tendência a ser considerada pelo Brasil com visão própria e não importada.”

- “O Brasil deve estar ciente, no tocante à sua defesa e projeção internacional, das consequências da globalização assimétrica, que tornou o mundo «pequeno» e trouxe para o entorno estratégico do País as disputas entre as potências globais.”

“O Brasil está defasado em poder nacional para enfrentar um cenário repleto de rivais disputando espaços entre si e com o País em áreas estratégicas que lhe são vitais. Com novos atores na América do Sul, a exploração dos recursos nacionais passa a ser, também, interesse direto deles e nada impede que, ao invés de entrar em conflito, o Eixo faça acordos entre si com imposições ao Brasil, a exemplo do que os Impérios fizeram na China no século XIX.”

“O Brasil nasceu e se formou no âmbito da civilização cristã ocidental e não deve fugir a este destino, pensando ser possível uma aliança com potências de outras civilizações, a não ser em situações pontuais. Cabe ao País se tornar forte, derrubando óbices impostos pelas próprias potências ocidentais e, dessa forma, se tornar um interlocutor de peso no trato de temas relacionados à segurança global. Necessário como aliado, mas um parceiro com cacife para dizer não quando o interesse nacional assim o recomendar.”

“O Brasil deve encarar a guerra cibernética tanto como ameaça quanto como oportunidade, pois os países mais fracos podem surpreender e infligir sérios danos a adversários potentes seja no campo de batalha seja no próprio território do inimigo, mediante o emprego de meios cibernéticos. A END não deveria tratar a segurança cibernética apenas do ponto de vista de ações defensivas, mas também ofensivas, pois esta postura seria dissuasória”.

“O Brasil corre sério risco de sofrer perdas em patrimônio, soberania, respeito internacional, liderança regional e autoestima, em face dos desafios que enfrentará por ter negligenciado ciência, tecnologia e inovação, industrialização nacional e defesa por tanto tempo.”

“Historicamente, países com vulnerabilidades decisivas acabam buscando alianças com potências que os protejam contra ameaças superiores, mas tais amparos têm, normalmente, um preço elevado. Alianças militares às vezes são inevitáveis, porém, o máximo de autonomia significa maior liberdade de ação.”

“As FA devem estar em condições de fazer a guerra convencional e não só combater como também realizar a guerra assimétrica. Esta última tem sido negligenciada em nossos estudos e planejamentos, pois muitos ainda não perceberam que ela não se restringe a uma simples guerrilha. Os ensinamentos podem ser buscados, também, em movimentos libertadores como o de Gandhi na Índia, em movimentos sociais, em vários episódios históricos e atuais, como a «Primavera Árabe», e em outros eventos. Muitos conflitos assimétricos nas últimas décadas têm terminado com a vitória do mais fraco, se não militar, ao menos política, embora a um custo bastante elevado. Por isso, não deve ser o modelo prioritário de guerra.”

“O País terá que desenvolver um sistema de defesa antiacesso, composto pelo Sistema Brasileiro de Inteligência; por um sistema de vigilância conjunto (interforças), com satélite brasileiro; defesa antiaérea; mísseis de longo alcance com plataformas terrestres, navais e aéreas tripuladas e não tripuladas, tudo integrado para engajar uma esquadra ou força terrestre inimiga enquanto ainda estiverem bem longe do litoral ou da fronteira oeste; e, ainda, forças conjuntas para engajamento contínuo após o acesso aos limites nacionais. A capacidade defensiva desse sistema, na falta de armas nucleares e outras ADM, restringiria a liberdade de ação de atores mais poderosos, com elevado efeito dissuasório.”

“O dilema entre disciplina e lealdade é apenas aparente, pois a lealdade à Nação é manifestação de disciplina em seu grau mais elevado, considerando a missão constitucional das FA e o juramento do militar à Bandeira Nacional” Assim, altos chefes militares com larga experiência e conhecimento profissional de nível estratégico não podem se calar, uma vez dispondo de informações confiáveis, diante de políticas capazes de causar danos insuportáveis à nação e à instituição. Eles, que galgaram o mais alto nível hierárquico, e não os chefes de escalões subordinados têm tal responsabilidade, pois constituem a interface das instituições militares com o estado e a nação.”

“Ao longo da carreira, muitos militares em qualquer nível hierárquico, diante de situações extremas no âmbito interno da instituição ou da organização militar onde servem, questionam ordens que firam princípios legais, morais ou éticos, defendem os subordinados de injustiças e opinam com franqueza no sentido de convencer um comandante a não tomar decisões que possam trazer consequências significativamente danosas à organização militar. Quando assim procedem, assumem riscos profissionais e alguns podem ter, em determinado momento, a carreira interrompida por impossibilidade regulamentar de prossegui-la.”

“O compromisso com a nação e a instituição e os princípios e valores mais significativos das instituições castrenses, sintetizados em patriotismo, lealdade, honra, integridade, dever e coragem precedem os demais e devem nortear a conduta dos chefes militares. Alguns se omitem de tomar posições firmes em situações extremas e tentam justificar a falta de franqueza e de coragem moral distorcendo o significado de disciplina e lealdade, como se elas fossem devidas primeiramente a superiores hierárquicos e não à nação e à instituição.”

“A liderança que se omite no cumprimento de seus deveres para com a nação ou a instituição perde a confiança dos escalões subordinados, fragiliza sua autoridade, enfraquece a instituição e, exatamente por tudo isso, abala, ela mesma, os alicerces da disciplina e da hierarquia.”

“Seria inconcebível abandonar irmãos de armas ante a injustiça que irão sofrer, caso a CV tome o rumo faccioso que prenunciam a sua composição e o foco das investigações. A tradição militar reza: ninguém fica pra trás!”

"O respeito a um código de valores morais e éticos é um dos alicerces da grandeza das nações. Riqueza, progresso e poder não bastam nos desafios cujo enfrentamento exija coesão, auto-estima e auto-respeito, atributos de nações que se impõem pelo próprio valor. O código é a Lei Moral, amálgama dos cidadãos entre si, elo do povo com sua liderança e base da grandeza das nações. A sociedade brasileira padece de grave enfermidade moral que contamina a liderança nacional e compromete a coesão."

“Quanto ao currículo, sempre que um leitor faz algum comentário sobre ele, respondo que os currículos dizem muita coisa que nós fomos e fizemos, mas não somos nem fazemos mais.  Com relação ao meu, o que mais me orgulha é que serei sempre, ainda após a morte, um oficial da Arma de Infantaria do glorioso Exército Brasileiro, nascido no Dia da Pátria e filho de um veterano da FEB condecorado com a Cruz de Combate por 'ação meritória em campanha' na Itália".
 
02 de fevereiro de 2014
Paulo Ricardo da Rocha Paiva é Coronel de Infantaria e Estado-Maior, na reserva. Fonte Lavra de artigos da autoria do General-de-Brigada da Reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva. O texto faz parte do Boletim número 18 da Campanha Brasil Acima de Tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário