Adiós muchachos, compañeros de mi vida,
Barra querida de aquellos tiempos.
Me toca a mi hoy emprender la retirada,
Debo alejarme de mi buena muchachada.
Adiós muchachos. ya me voy y me resigno...
Contra el destino nadie la talla...
. Se terminaron para mi todas las farras,
Mi cuerpo enfermo no resiste más...
A vida está plena de pessoas admiráveis, homens comuns do dia-a-dia, sem pretensões de salvadores da pátria ou do mundo, cuja nobreza passa geralmente despercebida por seus contemporâneos.
Tive e tenho como amigos vários destes espécimes, a quem dou mais valor que aos pássaros ávidos de fama que conseguem a celebração universal.
Há poucos dias, universalmente incensado pela imprensa, morreu um destes últimos, Nelson Mandela, comunista, terrorista e prêmio Nobel da Paz.
Hoje, partiu mais um dos meus, homem distante da fama, afinal não matou milhares nem milhões. Sua vida resumiu-se a ser cordial, sensato, inteligente, honesto, amigo e generoso. Sua passagem ficará perdida no necrológio de algum jornal de Porto Alegre, e só.
Devo tê-lo conhecido na Rua da Praia ou Praça da Alfândega, nos anos 60, quando fazia minhas universidades. A praça da Alfândega reunia intelectuais, poetas (Quintana era um de seus assíduos frequentadores), jornalistas e outros marginais. Este ano levou também outro amigo daqueles tempos que já morreram, o Aníbal Damasceno. Jesus está chamando.
Comentando a morte de Damasceno, evoquei aqueles dias de praça, onde conheci Francisco de Paula Araújo, nosso companheiro de peripatetismo – ou talvez peripatetices. Varávamos as noites rumo à madrugada, discutindo desde a enteléquia aristotélica até esse estranho pendor que as mulheres têm pelos imbecis, como diria – e disse – Machado. Uma taça pão-e-manteiga na lanchonete do Matheus nos aquecia nas noites de inverno. Nas madrugadas de sábado havia um ritual a cumprir: pegar o Correio do Povo, que saía quente da gráfica e cheirando a querosene, para ler o Caderno de Sábado.
Foi a melhor de minhas universidades. Ali, recebi bibliografias que nenhum curso acadêmico me deu. Araújo, como Damasceno, eram meus companheiros de todas as madrugadas.
Adversário figadal da família e do casamento, casei discretamente em 77, num cartório da Riachuelo em Porto Alegre. Convidei apenas os mais interessados no assunto, pais e mães e dois ou três amigos que serviram como testemunhas. Ora, o cartório ficava justo ao lado de um de meus bares, a Rotîsserie Pelotense, que por muito tempo foi bebedouro de jornalistas. Combinei com os convivas – e com a “noiva”, é claro – reunião no cartório, às 11h30 da manhã. Que ficassem tranquilos, eu não faltaria ao encontro. Lá pelas 10h30, fui pro bar. Lá estava o Carlos Coelho, bom amigo daqueles dias, colunista da Zero Hora, empinando seu uisquinho matutino. Pedi uma caipira e ficamos comentando as notícias do dia. Araújo (cinquentão, à direita na foto), foi um de meus cúmplices e testemunhas daquela cerimônia quase clandestina.
Na hora fatídica, disse ao Coelho:
- Segura minha caipira. Vou comprar um jornal e já volto.
E fui para o cartório. Lá, um juiz com cara de óbvio me perguntou se eu queria casar com a moça.
- Claro que quero. É por isso que estamos aqui.
Bom, daí o funcionário da obviedade pronunciou as palavras rituais e assinamos os papeluchos. Em frente ao cartório havia a Churrasquita. Combinei com todos um churrasco. Que me esperassem lá. Eu ia comprar um jornal e já voltava. Voltei à Pelotense, para terminar minha caipira. O Coelho nem sonhava que, naqueles poucos minutos, eu havia trocado de estado civil.
Ocorre que meu companheiro de trago tinha o péssimo hábito de ler o Diário Oficial. E viu os proclamas. Fui vilmente delatado à toda imprensa gaúcha. Meus coleguinhas se apressaram a anunciar, urbi et orbi, o que jamais me passara pela cabeça anunciar. Ora, eu tinha cinco namoradas firmes na época. Não havia mentira em nossos relacionamentos, todas sabiam de todas. Mas eu não chegara a falar do casamento. Dia seguinte, tive de dar entrevista à Folha da Manhã. Sim, havia casado. Por razões burocráticas, para levar minha companheira a Paris. Mas continuava sendo o mesmo homem solteiro de sempre.
Volto ao Araújo. Naquele ano, decidira conhecer a Europa com sua mulher, a Natalina. Queria saber qual agência eu recomendava. Não recomendava nenhuma. Que fosse por conta própria ou não era dos meus. Eu seria seu guia. Embarcamos no finado Eugenio C – desarmado em 80 – e continuamos no convés nossas charlas de Rua da Praia. Me comprometi a guiá-lo pelos primeiros dias em Paris, depois ele já teria tarimba para continuar viagem.
Não foi preciso. Eu desembarcava em Barcelona e iríamos por trem a Paris. Já em Lisboa, me confessou que preferia desembarcar em Gênova. O ambiente cosmopolita do navio e a prática diária do italiano já o encorajavam a enfrentar sozinho a Europa. Maravilha! Marcamos então encontro em Paris, onde continuamos nossas eternas interrogações ante o homem e o mundo.
Leitor inveterado, foi freguês de livreta de todos os sebos da Riachuelo e da Ladeira. Há alguns anos, comprou a biblioteca do espólio de Mário Lima. Mais por amor aos livros que por qualquer outra coisa, ninguém lê uma biblioteca. Sem ser escritor nem editor, se definia como um fabricante de livros: reunia as súmulas da legislação tributária para distribuí-las aos colegas do Fisco. Cinéfilo contumaz, não perdia as pré-estréias do Clube de Cinema, então capitaneado por P. F. Gastal, outro noctâmbulo da praça.
Araújo partiu hoje. Humilde e discreto como sempre. Encontrei-o pela última vez em novembro do ano passado, no bar Tuim, na Ladeira. Araújo era meu primeiro compromisso em minhas idas a Porto Alegre. Combalido, já estava cansado de viver. “Tenho vontade de morrer”, confiou-me.
Costumo afirmar que a velhice é uma preparação para a morte. Chega um momento em que cansamos. E nada mais nos resta senão cantar um tango argentino:
Dos lagrimas sinceras
Derramo en mi partida
Por la barra querida
Que nunca me olvidó.
Y al darle, mis amigos,
El adiós postrero,
Les doy con toda mi alma,
Mi bendición.
Adiós muchachos, compañeros de mi vida,
Barra querida de aquellos tiempos.
Me toca a mi hoy emprender la retirada,
Debo alejarme de mi buena muchachada.
Adiós muchachos, ya me voy y me resigno...
Contra el destino nadie la talla...
Se terminaron para mi todas las farras,
Mi cuerpo enfermo no resiste más...
04 de janeiro de 2014
janer cristaldo
Barra querida de aquellos tiempos.
Me toca a mi hoy emprender la retirada,
Debo alejarme de mi buena muchachada.
Adiós muchachos. ya me voy y me resigno...
Contra el destino nadie la talla...
. Se terminaron para mi todas las farras,
Mi cuerpo enfermo no resiste más...
A vida está plena de pessoas admiráveis, homens comuns do dia-a-dia, sem pretensões de salvadores da pátria ou do mundo, cuja nobreza passa geralmente despercebida por seus contemporâneos.
Tive e tenho como amigos vários destes espécimes, a quem dou mais valor que aos pássaros ávidos de fama que conseguem a celebração universal.
Há poucos dias, universalmente incensado pela imprensa, morreu um destes últimos, Nelson Mandela, comunista, terrorista e prêmio Nobel da Paz.
Hoje, partiu mais um dos meus, homem distante da fama, afinal não matou milhares nem milhões. Sua vida resumiu-se a ser cordial, sensato, inteligente, honesto, amigo e generoso. Sua passagem ficará perdida no necrológio de algum jornal de Porto Alegre, e só.
Devo tê-lo conhecido na Rua da Praia ou Praça da Alfândega, nos anos 60, quando fazia minhas universidades. A praça da Alfândega reunia intelectuais, poetas (Quintana era um de seus assíduos frequentadores), jornalistas e outros marginais. Este ano levou também outro amigo daqueles tempos que já morreram, o Aníbal Damasceno. Jesus está chamando.
Comentando a morte de Damasceno, evoquei aqueles dias de praça, onde conheci Francisco de Paula Araújo, nosso companheiro de peripatetismo – ou talvez peripatetices. Varávamos as noites rumo à madrugada, discutindo desde a enteléquia aristotélica até esse estranho pendor que as mulheres têm pelos imbecis, como diria – e disse – Machado. Uma taça pão-e-manteiga na lanchonete do Matheus nos aquecia nas noites de inverno. Nas madrugadas de sábado havia um ritual a cumprir: pegar o Correio do Povo, que saía quente da gráfica e cheirando a querosene, para ler o Caderno de Sábado.
Foi a melhor de minhas universidades. Ali, recebi bibliografias que nenhum curso acadêmico me deu. Araújo, como Damasceno, eram meus companheiros de todas as madrugadas.
Adversário figadal da família e do casamento, casei discretamente em 77, num cartório da Riachuelo em Porto Alegre. Convidei apenas os mais interessados no assunto, pais e mães e dois ou três amigos que serviram como testemunhas. Ora, o cartório ficava justo ao lado de um de meus bares, a Rotîsserie Pelotense, que por muito tempo foi bebedouro de jornalistas. Combinei com os convivas – e com a “noiva”, é claro – reunião no cartório, às 11h30 da manhã. Que ficassem tranquilos, eu não faltaria ao encontro. Lá pelas 10h30, fui pro bar. Lá estava o Carlos Coelho, bom amigo daqueles dias, colunista da Zero Hora, empinando seu uisquinho matutino. Pedi uma caipira e ficamos comentando as notícias do dia. Araújo (cinquentão, à direita na foto), foi um de meus cúmplices e testemunhas daquela cerimônia quase clandestina.
Na hora fatídica, disse ao Coelho:
- Segura minha caipira. Vou comprar um jornal e já volto.
E fui para o cartório. Lá, um juiz com cara de óbvio me perguntou se eu queria casar com a moça.
- Claro que quero. É por isso que estamos aqui.
Bom, daí o funcionário da obviedade pronunciou as palavras rituais e assinamos os papeluchos. Em frente ao cartório havia a Churrasquita. Combinei com todos um churrasco. Que me esperassem lá. Eu ia comprar um jornal e já voltava. Voltei à Pelotense, para terminar minha caipira. O Coelho nem sonhava que, naqueles poucos minutos, eu havia trocado de estado civil.
Ocorre que meu companheiro de trago tinha o péssimo hábito de ler o Diário Oficial. E viu os proclamas. Fui vilmente delatado à toda imprensa gaúcha. Meus coleguinhas se apressaram a anunciar, urbi et orbi, o que jamais me passara pela cabeça anunciar. Ora, eu tinha cinco namoradas firmes na época. Não havia mentira em nossos relacionamentos, todas sabiam de todas. Mas eu não chegara a falar do casamento. Dia seguinte, tive de dar entrevista à Folha da Manhã. Sim, havia casado. Por razões burocráticas, para levar minha companheira a Paris. Mas continuava sendo o mesmo homem solteiro de sempre.
Volto ao Araújo. Naquele ano, decidira conhecer a Europa com sua mulher, a Natalina. Queria saber qual agência eu recomendava. Não recomendava nenhuma. Que fosse por conta própria ou não era dos meus. Eu seria seu guia. Embarcamos no finado Eugenio C – desarmado em 80 – e continuamos no convés nossas charlas de Rua da Praia. Me comprometi a guiá-lo pelos primeiros dias em Paris, depois ele já teria tarimba para continuar viagem.
Não foi preciso. Eu desembarcava em Barcelona e iríamos por trem a Paris. Já em Lisboa, me confessou que preferia desembarcar em Gênova. O ambiente cosmopolita do navio e a prática diária do italiano já o encorajavam a enfrentar sozinho a Europa. Maravilha! Marcamos então encontro em Paris, onde continuamos nossas eternas interrogações ante o homem e o mundo.
Leitor inveterado, foi freguês de livreta de todos os sebos da Riachuelo e da Ladeira. Há alguns anos, comprou a biblioteca do espólio de Mário Lima. Mais por amor aos livros que por qualquer outra coisa, ninguém lê uma biblioteca. Sem ser escritor nem editor, se definia como um fabricante de livros: reunia as súmulas da legislação tributária para distribuí-las aos colegas do Fisco. Cinéfilo contumaz, não perdia as pré-estréias do Clube de Cinema, então capitaneado por P. F. Gastal, outro noctâmbulo da praça.
Araújo partiu hoje. Humilde e discreto como sempre. Encontrei-o pela última vez em novembro do ano passado, no bar Tuim, na Ladeira. Araújo era meu primeiro compromisso em minhas idas a Porto Alegre. Combalido, já estava cansado de viver. “Tenho vontade de morrer”, confiou-me.
Costumo afirmar que a velhice é uma preparação para a morte. Chega um momento em que cansamos. E nada mais nos resta senão cantar um tango argentino:
Dos lagrimas sinceras
Derramo en mi partida
Por la barra querida
Que nunca me olvidó.
Y al darle, mis amigos,
El adiós postrero,
Les doy con toda mi alma,
Mi bendición.
Adiós muchachos, compañeros de mi vida,
Barra querida de aquellos tiempos.
Me toca a mi hoy emprender la retirada,
Debo alejarme de mi buena muchachada.
Adiós muchachos, ya me voy y me resigno...
Contra el destino nadie la talla...
Se terminaron para mi todas las farras,
Mi cuerpo enfermo no resiste más...
04 de janeiro de 2014
janer cristaldo
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