"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

"CONTINUA A FARSA ARGENTINA"

Sem rumo, sem compromisso com a seriedade e guiado apenas por objetivos eleitorais, o governo argentino continua vivendo de expedientes, de remendos e de farsa. A presidente Cristina Kirchner nomeou no mês passado três novos ministros, mas nada mudou até agora na política econômica. A ordem é improvisar e seguir intervindo nos mercados, para conter o vazamento de reservas, disfarçar a inflação e chegar às datas de vencimento com algum dinheiro para as contas.
 
A alta de preços ao consumidor deve aproximar-se de 30% neste ano, segundo consultorias privadas, mas nos cálculos oficiais a taxa deve permanecer próxima de 10%. O Brasil continuará pagando parte da fatura, porque o protecionismo se mantém e novas medidas já foram anunciadas.
 
Haverá um corte nas importações de automóveis e veículos leves, informaram na semana passada a ministra da Indústria, Débora Giorgi, e o novo secretário de Comércio, Augusto Costa. O valor comprado no primeiro trimestre deverá ser até 27,5% menor que o de um ano antes. Ficarão livres da medida as montadoras com receita de comércio exterior pelo menos igual à despesa. Os produtores brasileiros estarão entre os mais afetados. Neste ano, até novembro, faturaram US$ 4,4 bilhões com as vendas à Argentina. Isso correspondeu a 87% de suas exportações.
 
As barreiras argentinas são usadas contra todos os parceiros comerciais, sem distinção entre os sócios do Mercosul e os outros. Mas o Brasil, em episódios como esse, tem com frequência perdido espaço para concorrentes de fora.
 
Como o protecionismo argentino tem sido tolerado e até estimulado em Brasília, as montadoras e as fábricas de componentes em operação no Brasil têm sido forçadas a se ajustar ao acordo automotivo. Esse acordo foi várias vezes prorrogado e alterado, sempre de acordo com os interesses do lado da Argentina. Até junho uma nova negociação deverá estar concluída.
 
Autoridades brasileiras falam, de vez em quando, em exigir um comércio mais aberto para o setor, mas acabam cedendo aos interlocutores, como se isso fosse fundamental para o futuro do Mercosul e do mundo em desenvolvimento. Mas o Mercosul moldado segundo o padrão kirchnerista é apenas um trambolho para o Brasil.
 
O secretário Augusto Costa assumiu no mês passado a Secretaria de Comércio Interior, substituindo Guillermo Moreno, conhecido por sua truculência e por seu papel na formulação e na condução do protecionismo e dos controles de preços no mercado interno.
 
Em seguida à substituição, a presidente Cristina Kirchner unificou as Secretarias de Comércio Interior e de Comércio Exterior. A atuação de Moreno havia tornado a separação inútil. A mudança do organograma consagra essa orientação.
 
Os controles de preços no varejo serão mantidos. Não haverá um real combate à inflação, mas apenas a continuação do tabelamento, com as distorções resultantes. Políticas desse tipo foram usadas na Argentina até o começo dos anos 90 e resultaram mais de uma vez em problemas de abastecimento, algo quase inimaginável num país famoso como produtor agrícola. Com o casal Kirchner, o protecionismo e a intervenção habitual no sistema de preços ganharam de novo importância no arsenal da política econômica.
 
A crescente irresponsabilidade fiscal e a baixa credibilidade do governo formaram o pano de fundo e o quadro foi complementado pela distorção dos indicadores de preços e da produção agregada. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem pressionado as autoridades argentinas para produzir estatísticas confiáveis, mas, até agora, conseguiu apenas promessas.
 
Será difícil conseguir mais do que isso. Sem uma política séria, o governo argentino vive pressionado pelos problemas de curto prazo. Em um ano o país perdeu US$ 10 bilhões de reservas cambiais, reduzidas a US$ 33,2 bilhões no começo de novembro. Uma das soluções, além da manutenção do protecionismo, foi a elevação do imposto sobre as despesas com cartão de crédito no exterior. Expedientes desse tipo podem servir no máximo como soluções de emergência. Mas na Argentina a emergência tem sido uma condição permanente.

17 de dezembro de 2013
Editorial do Estadão

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