"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

OS IMPULSOS DO PRESIDENTE

A esta altura, está mais do que evidente que Jair Bolsonaro não sabe agir com a impessoalidade que há de caracterizar o exercício da Presidência da República.

A esta altura, está mais do que evidente que o presidente Jair Bolsonaro não sabe agir com a impessoalidade que há de caracterizar o exercício da Presidência da República. Em apenas 200 dias de governo, houve exemplos em excesso do peso que os afetos e as hostilidades particulares do presidente têm sobre decisões de Estado, que, a rigor, não deveriam ser pautadas pela emoção.

Em defesa do presidente, diga-se que não transparece deliberada má fé na mixórdia que ele faz entre os assuntos de Estado e o limitado universo de suas paixões. Bolsonaro opera sob o que o historiador Sérgio Buarque de Holanda chamou de “ética de fundo emotivo”. Os eventuais reparos feitos a seus atos e decisões como chefe de Estado e de governo são tomados pelo presidente como ofensa pessoal, como mera incapacidade do outro de perceber os bons eflúvios de suas nobres intenções.

Desde que anunciou sua intenção de indicar um filho para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos – o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) –, não houve um só dia em que o presidente não tenha defendido, de alguma forma, o nome do “03” para um dos postos mais críticos de nossa diplomacia. Tivesse o olhar de um estadista, seria mais fácil para o presidente compreender o quão estapafúrdia é a escolha, por qualquer ângulo que se a analise. Porém, Jair Bolsonaro não vê sua escolha com olhos de estadista, mas com olhos de pai. E é como pai que reage às críticas.

Primeiro, a fim de justificar o injustificável, não se sensibilizou com os argumentos contrários à indicação e viu nas próprias críticas a razão para manter firme sua posição. “Se (Eduardo Bolsonaro) está sendo criticado, é sinal de que é a pessoa adequada (para ser o embaixador brasileiro em Washington)”, disse o presidente na tribuna da Câmara dos Deputados na segunda-feira passada.

Na quinta-feira, abrindo mão do pudor, Jair Bolsonaro voltou a defender o filho em termos ainda mais claros. “Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon essa história (da embaixada nos Estados Unidos). É aprofundar relacionamento com a maior potência do mundo”, disse. Noves fora o pitoresco da declaração, saliente-se que ela revela duplamente o peso dos afetos nas decisões de Jair Bolsonaro. Em especial no que concerne às relações entre países, que devem ser pautadas por interesses, e não por supostas relações de amizade, como a que Bolsonaro supõe haver entre sua família e a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Dos mais relevantes temas para o País, como a indicação de um embaixador, às troças com autoridades, tudo parece ser tratado pelo presidente da República fora da dimensão da impessoalidade do cargo. Não se quer dizer com isso que o comportamento de Bolsonaro deva ser marcado pela frieza e pela sisudez. Roga-se apenas que ao tratar de assuntos de Estado o presidente faça um esforço para contrabalançar suas emoções com o interesse nacional. Ora coincidem, ora não. De Jair Bolsonaro, dado o cargo que ocupa, é esperado discernimento.

Nada parece escapar do crivo afetivo do presidente. Jair Bolsonaro é capaz de atacar ao mesmo tempo tanto prosaicas mudanças no funcionamento de aplicativos como o Instagram como o conteúdo dos filmes produzidos com recursos da Ancine. No primeiro caso, é tema do qual o presidente nem sequer deveria se ocupar. No segundo, sim, mas por razões de outra natureza, objetiva. Afinal, trata-se do emprego de recursos públicos, e não de seu gosto por esta ou aquela produção.

A preponderância dos afetos sobre a razão obnubila a visão que o presidente deve ter do papel das instituições.

Há cerca de três meses, Jair Bolsonaro afirmou que “não nasceu para ser presidente”. Se não nasceu para o cargo, é verdade que optou por exercê-lo. E foi vitorioso no intento. É justo que os brasileiros, então, esperem que a investidura na Presidência sirva de aprendizado diário, caso Jair Bolsonaro tenha a humildade de tomar as críticas pelo que elas são – críticas objetivas, e não ofensas à sua honra, à sua dignidade.


22 de julho de 2019
Editorial O Estadão

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