Em um texto anterior, comentei que existem hoje duas leituras distintas que guiam a atuação da oposição ao governo Bolsonaro. A diferença central das duas leituras divergentes se dá com base no grau de responsabilização dado ao o PT na crise econômica e na derrota de 2018. Resolvi voltar a esse tema a partir da entrevista de Lula à BBC, onde pude notar que ali há elementos importantes para serem debatidos sobre a sua visão e a visão que o PT tem sobre o quadro político brasileiro.
É a partir disso que pretendo me posicionar, mostrando que há um grave erro na leitura política feita por Lula, o que compromete toda a atuação daqueles que a seguem na oposição. A intenção em elucidar esse erro é tentar contribuir para o debate político travado hoje na oposição.
Lula erra em um ponto crucial em sua análise do cenário político, que é a a sua interpretação sobre a derrubada de Dilma em 2016 e a derrocada do PT. Esse erro parte de uma leitura mais geral do quadro político brasileiro e compromete toda a atuação política do PT e daqueles que seguem mais ou menos sua leitura sobre o quadro político, o que faz com que enxerguem errado o que aconteceu em 2018, fazendo com que a força da oposição possa ser enfraquecida em um momento em que precisamos barrar o desmonte do aparelho estatal brasileiro. Pretendo me focar em um ponto central da interpretação de Lula, para mostrar que a má compreensão deste pode gerar graves problemas
Que ponto central é esse? Lula afirma em sua entrevista à BBC a tese de que a elite brasileira não aceitou a ascensão social do pobre, o que fez com que ela se voltasse contra o Partido dos Trabalhadores, o principal responsável por essa ascensão, para que pudesse derrubá-lo com o intuito de parar a redução das desigualdades e impedir que os pobres ocupassem espaços que antes eram reservados a poucos. Lula menciona o fato de ser insuportável para a elite brasileira ter que ver o pobre no aeroporto, assumindo espaços que antes só eles poderiam assumir. A partir disso, esse incômodo levou a elite a conspirar para a derrubada de Dilma e a prisão de Lula para impedir qualquer chance de o Brasil voltar a esse período em que o pobre ascendia socialmente.
O grande erro de Lula é que, na verdade, essa narrativa da ascensão social do pobre não condiz com os dados da realidade. Muito se especulou sobre se o período petista foi mesmo um período de grande redução das desigualdades no Brasil, mas isso é cada vez mais contestado. Em estudo recente, se mostrou que a concentração da renda nas camadas mais ricas da sociedade aumentou, ao invés de diminuir, nos governos do PT. O estudo mais recente sobre o tema mostra que em 2002, o 1% mais rico da sociedade brasileira detinha 26,2% da riqueza nacional, enquanto que em 2015 esse número subiu para 28,3%. Os 10% mais ricos tinham 54,3% das riquezas do país em 2002 e em 2015 tinham 55,6%. Nesse mesmo período, os 50% mais pobres passaram de uma participação de 12.6% para 13.9%. Os 40% do meio tiveram sua participação reduzida de 33.1% para 30.6%1. O que podemos deduzir destes dados apresentados sobre a redução da desigualdade e a concentração de renda no Brasil. Os ricos continuaram enriquecendo, a concentração de renda continuou a crescer, mas os pobres experimentaram um ligeiro crescimento de sua participação na economia enquanto a classe média viu sua participação diminuir. A grande pergunta a ser feita é por que a elite ficaria incomodada se viu sua renda crescer cada vez mais? E que tipo de ascensão social é essa que Lula fala?
A conclusão que podemos chegar, baseada nos dados apontados no parágrafo anterior, serve para ilustrar perfeitamente como os governos do PT nunca combateram os privilégios da elite brasileira. Muito pelo contrário, a total ausência de reformas estruturais ilustra o tipo de governo que foi praticado no Brasil, um governo que deu alguns ganhos aos pobres enquanto foi possível, mas manteve intacto a estrutura concentradora de renda do Brasil. A mesma elite que Lula agora acusa de irresponsável aceitou o ter como seu aliado anteriormente pois não ameaçava em nada seu domínio sobre o país. Este é o elemento chave para entendermos toda a crise que levou a derrubada de Dilma e a vitória de Bolsonaro em 2018. Essa aliança do PT com a elite brasileira fez com que a margem para mudanças fosse comprimida, o que gerou uma grande descrença no partido e na figura da democracia. A manutenção da política econômica anterior fez com que Lula tivesse poucas opções para impulsionar o desenvolvimento brasileiro. A alta no preço das commodities permitiu com que ele ainda tivesse uma margem maior de manobra para investir no desenvolvimento do país durante um determinado período, revertendo os ganhos do país em investimentos e no aumento real do salário mínimo, o que se mostrou eficaz no segundo mandato, sendo o principal fator de consagração de Lula.
Um outro elemento é ignorado na sua leitura. Se o sucesso econômico é o marco definitivo do triunfo do PT, o seu fracasso em 2014 e 2015 é o marco definitivo de sua derrocada. A grande consagração de Lula se deu em 2010 quando entregou a faixa presidencial para Dilma com mais de 80% de aprovação e um crescimento econômico robusto de 7,5%. Esse é o principal fator que explica como Dilma, uma inexperiente em cargos eletivos, conseguiu ser eleita. Da mesma fora, a derrocada econômica de 2014 e o ajuste neoliberal aplicado por Dilma, que levou a taxa de desemprego para quase 13% em 2016 e fez a economia despencar 3,5% em 2015, foi o fator marcante para que sua queda tivesse amplo apoio popular. Se em um momento de melhora econômica nós temos o PT consagrado, por que não teríamos o contrário em um momento de queda econômica provocada pelo próprio partido?
O sentimento majoritário na população, depois de 13 anos de PT, foi o de que pouca coisa tinha mudado e essa crença tem relação direta com erros do partido que Lula parece ignorar. A memória recente do povo brasileiro não é a dos governos Lula e sua melhora de vida, mas sim a do desastre que foi o governo Dilma e da crise que ela jogou o país com seu ajuste neoliberal no segundo mandato. É algo semelhante ao que a memória brasileira tinha do PSDB nos anos em que o PT ganhou quatro eleições seguidas. O PSDB sempre foi lembrado como o partido que quebrou o Brasil no final dos anos 90 e por isso nunca mais ganhou as eleições. O PT será lembrado como o partido que, apesar de ter avançado em pontos importantes com Lula, quebrou o país com Dilma. Lula parece negar a própria responsabilidade e a responsabilidade do PT na crise que vivemos e isso é uma aposta que pode dar errado. O PSDB tentou esse movimento esperando a derrocada do PT e não obteve sucesso, por que daria certo agora com o PT esperando a derrocada de Bolsonaro e insistindo em não reconhecer seus próprios erros no processo?
15 de maio de 2019
Frederico Krepe da Silva
Lula erra em um ponto crucial em sua análise do cenário político, que é a a sua interpretação sobre a derrubada de Dilma em 2016 e a derrocada do PT. Esse erro parte de uma leitura mais geral do quadro político brasileiro e compromete toda a atuação política do PT e daqueles que seguem mais ou menos sua leitura sobre o quadro político, o que faz com que enxerguem errado o que aconteceu em 2018, fazendo com que a força da oposição possa ser enfraquecida em um momento em que precisamos barrar o desmonte do aparelho estatal brasileiro. Pretendo me focar em um ponto central da interpretação de Lula, para mostrar que a má compreensão deste pode gerar graves problemas
Que ponto central é esse? Lula afirma em sua entrevista à BBC a tese de que a elite brasileira não aceitou a ascensão social do pobre, o que fez com que ela se voltasse contra o Partido dos Trabalhadores, o principal responsável por essa ascensão, para que pudesse derrubá-lo com o intuito de parar a redução das desigualdades e impedir que os pobres ocupassem espaços que antes eram reservados a poucos. Lula menciona o fato de ser insuportável para a elite brasileira ter que ver o pobre no aeroporto, assumindo espaços que antes só eles poderiam assumir. A partir disso, esse incômodo levou a elite a conspirar para a derrubada de Dilma e a prisão de Lula para impedir qualquer chance de o Brasil voltar a esse período em que o pobre ascendia socialmente.
O grande erro de Lula é que, na verdade, essa narrativa da ascensão social do pobre não condiz com os dados da realidade. Muito se especulou sobre se o período petista foi mesmo um período de grande redução das desigualdades no Brasil, mas isso é cada vez mais contestado. Em estudo recente, se mostrou que a concentração da renda nas camadas mais ricas da sociedade aumentou, ao invés de diminuir, nos governos do PT. O estudo mais recente sobre o tema mostra que em 2002, o 1% mais rico da sociedade brasileira detinha 26,2% da riqueza nacional, enquanto que em 2015 esse número subiu para 28,3%. Os 10% mais ricos tinham 54,3% das riquezas do país em 2002 e em 2015 tinham 55,6%. Nesse mesmo período, os 50% mais pobres passaram de uma participação de 12.6% para 13.9%. Os 40% do meio tiveram sua participação reduzida de 33.1% para 30.6%1. O que podemos deduzir destes dados apresentados sobre a redução da desigualdade e a concentração de renda no Brasil. Os ricos continuaram enriquecendo, a concentração de renda continuou a crescer, mas os pobres experimentaram um ligeiro crescimento de sua participação na economia enquanto a classe média viu sua participação diminuir. A grande pergunta a ser feita é por que a elite ficaria incomodada se viu sua renda crescer cada vez mais? E que tipo de ascensão social é essa que Lula fala?
A conclusão que podemos chegar, baseada nos dados apontados no parágrafo anterior, serve para ilustrar perfeitamente como os governos do PT nunca combateram os privilégios da elite brasileira. Muito pelo contrário, a total ausência de reformas estruturais ilustra o tipo de governo que foi praticado no Brasil, um governo que deu alguns ganhos aos pobres enquanto foi possível, mas manteve intacto a estrutura concentradora de renda do Brasil. A mesma elite que Lula agora acusa de irresponsável aceitou o ter como seu aliado anteriormente pois não ameaçava em nada seu domínio sobre o país. Este é o elemento chave para entendermos toda a crise que levou a derrubada de Dilma e a vitória de Bolsonaro em 2018. Essa aliança do PT com a elite brasileira fez com que a margem para mudanças fosse comprimida, o que gerou uma grande descrença no partido e na figura da democracia. A manutenção da política econômica anterior fez com que Lula tivesse poucas opções para impulsionar o desenvolvimento brasileiro. A alta no preço das commodities permitiu com que ele ainda tivesse uma margem maior de manobra para investir no desenvolvimento do país durante um determinado período, revertendo os ganhos do país em investimentos e no aumento real do salário mínimo, o que se mostrou eficaz no segundo mandato, sendo o principal fator de consagração de Lula.
Um outro elemento é ignorado na sua leitura. Se o sucesso econômico é o marco definitivo do triunfo do PT, o seu fracasso em 2014 e 2015 é o marco definitivo de sua derrocada. A grande consagração de Lula se deu em 2010 quando entregou a faixa presidencial para Dilma com mais de 80% de aprovação e um crescimento econômico robusto de 7,5%. Esse é o principal fator que explica como Dilma, uma inexperiente em cargos eletivos, conseguiu ser eleita. Da mesma fora, a derrocada econômica de 2014 e o ajuste neoliberal aplicado por Dilma, que levou a taxa de desemprego para quase 13% em 2016 e fez a economia despencar 3,5% em 2015, foi o fator marcante para que sua queda tivesse amplo apoio popular. Se em um momento de melhora econômica nós temos o PT consagrado, por que não teríamos o contrário em um momento de queda econômica provocada pelo próprio partido?
O sentimento majoritário na população, depois de 13 anos de PT, foi o de que pouca coisa tinha mudado e essa crença tem relação direta com erros do partido que Lula parece ignorar. A memória recente do povo brasileiro não é a dos governos Lula e sua melhora de vida, mas sim a do desastre que foi o governo Dilma e da crise que ela jogou o país com seu ajuste neoliberal no segundo mandato. É algo semelhante ao que a memória brasileira tinha do PSDB nos anos em que o PT ganhou quatro eleições seguidas. O PSDB sempre foi lembrado como o partido que quebrou o Brasil no final dos anos 90 e por isso nunca mais ganhou as eleições. O PT será lembrado como o partido que, apesar de ter avançado em pontos importantes com Lula, quebrou o país com Dilma. Lula parece negar a própria responsabilidade e a responsabilidade do PT na crise que vivemos e isso é uma aposta que pode dar errado. O PSDB tentou esse movimento esperando a derrocada do PT e não obteve sucesso, por que daria certo agora com o PT esperando a derrocada de Bolsonaro e insistindo em não reconhecer seus próprios erros no processo?
15 de maio de 2019
Frederico Krepe da Silva
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